Hidrelétricas

Justiça derruba tese de limite de GSF para hidrelétricas

UHE São Simão - Spic Brasil (Divulgação)
Hidrelétricas / Crédito: Spic Brasil (Divulgação)

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que não há previsão legal para limitar a aplicação do Generation Scaling Factor (GSF) a qualquer percentual. A decisão representa uma vitória da Advocacia-Geral da União (AGU), que atuou em nome da Aneel contra um grupo de geradores hidrelétricos que solicitavam a imposição de um teto de 5% para o fator de ajuste.

O processo, movido pela Associação dos Produtores Independentes de Energia (Apine), questiona o GSF desde 2015 sob o argumento de que o déficit da geração hidrelétrica tem sido influenciado por atos do poder público, desde a redução artificial dos preços de energia em 2013 e 2014, o que teria incentivado o consumo e levado à redução dos níveis dos reservatórios.

Além dessa vitória, a Aneel venceu ainda outras duas batalhas na Justiça sobre o GSF na semana passada, em ações semelhantes movidas por outras geradoras. Com as decisões, a agência espera que os agentes que ainda são protegidos por liminares sejam incentivados a aderir ao mecanismo que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica  (CCEE) vai executar para “limpar” o passivo de cerca de R$ 1,1 bilhão nas liquidações do mercado livre de energia.

A solução foi viabilizada pela MP 1.300 e envolve um “leilão” em que os passivos serão vendidos e quem comprar a dívida terá direito à extensão das outorgas em até sete anos.

A decisão do TRF1 e a estabilidade jurídica do setor

A ação da Apine é simbólica por ser a principal da judicialização do GSF nos últimos dez anos.

Segundo o entendimento do TRF1, a adesão voluntária dos geradores ao Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) e à CCEE implica a aceitação integral das regras do sistema, incluindo os custos decorrentes do GSF, que é o fator de ajuste de garantia física das usinas hidrelétricas que compõem o MRE, espécie de condomínio que reúne as hidrelétricas do Sistema Interligado Nacional (SIN).

A AGU argumentou que a limitação de 5% do GSF defendida pelas geradoras visava eliminar os custos naturais da atividade, transferindo o ônus para os demais participantes do mercado e, em última instância, para os consumidores. “As empresas integram um condomínio, estando sujeitas ao ônus e bônus dele decorrentes”, destacou a Procuradoria.

A Aneel já havia saído vitoriosa na primeira instância, o que se repetiu no TRF1. A corte manteve a sentença, destacando que “o MRE constitui mecanismo institucional de repartição de riscos hidrológicos entre os agentes de geração hidrelétrica, respaldado pela Lei nº 10.848/2004 e regulamentado pelo Decreto nº 5.163/2004”.

Para o procurador federal da AGU, Pedro Henrique Peixoto Leal, que representa a Aneel, a nova decisão do TRF1 valida a tese defendida desde o início.

“Espera-se que, com o sucesso da Aneel nessa ação judicial, mais agentes de geração hidráulica que ainda discutem o GSF em juízo busquem a solução definitiva para o tema no âmbito da CCEE, e que em breve não mais tenhamos nenhuma liminar do primeiro bloco de judicialização do GSF, que gera inadimplência no Mercado de Curto Prazo (MCP)”, destacou Leal.

O procurador ainda afirmou que decisão pode aumentar a estabilidade e a segurança jurídica do setor.

“Se encerradas as liminares das ações do primeiro bloco de judicialização do GSF, não mais remanescerá inadimplência a ser rateada; ou seja: encerram-se, com isso, também as ações de loss sharing (ou de rateio da inadimplência)”, disse.

Como Funciona o GSF

Cada usina hidrelétrica participante do MRE tem um montante de garantia física aprovado pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Mensalmente, o MRE rateia entre as usinas participantes a somatória da energia gerada pelo conjunto das hidrelétricas na proporção da garantia física de cada uma delas. Assim, o GSF mede a razão entre a energia gerada pelas usinas do MRE e a soma das garantias físicas delas. Quando a totalidade da energia produzida pelo grupo supera a soma das garantias físicas das usinas, elas recebem um excedente, na forma de energia secundária.

Da mesma forma, se o total de energia produzida pelas usinas do MRE for inferior à soma das garantias físicas, essas usinas ficam com déficit de geração hídrica na proporção da garantia física de cada uma delas. Dependendo do percentual de contratação de energia que a usina possui, ela pode se ver obrigada a comprar energia ao valor do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), na liquidação do mercado de curto prazo da CCEE para honrar seus compromissos.

Judicialização e Impacto do GSF

O GSF passou a ser tema de importantes discussões no setor elétrico a partir de 2014, quando o GSF médio anual das usinas do MRE ficou abaixo de 1, fazendo com que os geradores comprassem energia na liquidação do mercado de curto prazo da CCEE para cumprir seus contratos de comercialização de energia. No auge da crise e da judicialização, o impacto financeiro do GSF para as usinas chegou a bater na casa de bilhões de reais.

A judicialização do assunto se estendeu até 2018, envolvendo centenas de processos judiciais. Embora muitas ações tenham sido resolvidas por meio de repactuações aprovadas por leis setoriais, cerca de 30 liminares ainda seguem vigentes, conforme informações da AGU.

Durante o auge das ações judiciais, o MCP chegou a ser paralisado pela inadimplência causada pelas liminares. Como se trata de um mercado de soma zero, essa inadimplência foi rateada entre os demais agentes do setor.

Dados da CCEE

No início de julho, a CCEE concluiu a liquidação financeira do Mercado de Curto Prazo referente a abril de 2025, na qual liquidou R$ 1,79 bilhão, do total de R$ 2,96 bilhões contabilizados.

Cerca de R$ 1,13 bilhão está relacionado a liminares do GSF e R$ 39,93 milhões correspondem a parcelamentos. Os demais valores não pagos somam R$ 2,53 milhões.

Agentes que possuem decisões judiciais vigentes para não participar do rateio da inadimplência advinda das liminares perceberam adimplência próxima de 98%. Já aqueles amparados por decisões que impõem o pagamento proporcional, por sua vez, verificaram uma adimplência de aproximadamente 45,9%. Aqueles que não possuem liminares relacionadas ao rateio da inadimplência receberam cerca de 42,8% de seus créditos.

A CCEE ressaltou que os créditos não recebidos, decorrentes do rateio da inadimplência e efeitos de decisões judiciais de GSF, serão incluídos no resultado do agente no próximo ciclo de contabilização, nos termos da Resolução Normativa nº 957/2021 da Aneel.