Santo Antonio obtém liminar que garante a operação enquanto negocia acordo com Ibama

Camila Maia

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Camila Maia

Publicado

05/Mar/2021 19:46 BRT

A Santo Antonio Energia está negociando com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio) um acordo para que a hidrelétrica de 3.568,3 MW, no rio Madeira (RO), possa operar sem problemas acima da cota de 74 metros durante o período de maior vazão, sem prejudicar a geração de energia. Enquanto não chegam numa solução, que deve envolver medidas de compensação e mitigação na região, a empresa conseguiu uma liminar na Justiça para garantir sua geração plena.

A MegaWhat teve acesso à liminar, proferida na Justiça de Rondônia, que garantiu à hidrelétrica operar acima da cota de 74 metros se necessário. A decisão determina que Ibama e ICMBio se abstenham de aplicar qualquer ônus, restrição a direito, responsabilidade ou sanção. Isso vai durar até que o Ibama aprecie o requerimento administrativo apresentado por Santo Antonio, ou até as partes chegarem a um acordo. Segundo fontes ouvidas sob condição de anonimato, as negociações avançam bem, já que um acordo é fundamental nesse caso para impedir que esta se torne mais uma briga judicial no setor de energia.

Sem a decisão judicial, a hidrelétrica poderia ter as atividades prejudicadas, sem ter necessariamente operado em sua capacidade plena desde meados de fevereiro. Segundo uma correspondência enviada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) ao Ministério de Minas e Energia em 5 de fevereiro, ao qual a reportagem teve acesso, dependendo das vazões no rio Madeira, a usina poderia chegar a ser totalmente paralisada, com perda de geração diária de cerca de 3 GW para o sistema. A própria usina alegou, em apresentação feita ao MMME, que a geração poderia ser paralisada por 57 dias, sendo 27 dias com parada total.

No documento, o ONS estimava que a indisponibilidade de geração da usina, que é a quarta maior do país, poderia gerar um aumento médio de R$ 44/MWh no custo marginal de operação (CMO). Nos cenários hidrológicos mais desfavoráveis, o aumento chegava até R$ 250/MWh.

A polêmica envolvendo Santo Antonio foi antecipada pela MegaWhat em reportagem em 4 de fevereiro, quando foi divulgado que a usina solicitou ao Ibama a adequação temporária das condições operativas da usina, devido à redução do volume de água armazenada no reservatório por causa do assoreamento do leito do rio Madeira.

Para cumprir as determinações ambientais, durante esse período do ano, em que as vazões do rio Madeira sobem consideravelmente, a usina precisa aumentar o deplecionamento do reservatório, evitando alagar a área do Parque Nacional Mapinguari, que fica nas proximidades do rio Madeira.

A usina pediu ao Ibama adequar às suas condições operativas, permitindo que o reservatório suba acima da cota de 74 metros, pois o assoreamento do leito do rio reduziu o volume de água armazenada se respeitada a regra vigente.

Isso é necessário porque o rio Madeira é o que mais carrega sedimentos na bacia do Amazonas, por nascer na Cordilheira dos Andes e trazer no caminho muitos materiais flutuantes, como folhas, troncos e galhos de árvore. Essa característica do rio foi um desafio na concepção das hidrelétricas da região e, para isso, foi desenvolvido o "log boom", que é um conjunto de boias em formas de tonéis, que formam cordões que interceptam os troncos e galhos e os direcionam para que passem pelo vertedouro de troncos e sigam o caminho natural do rio.

O Projeto de Lei 11.133/2018, que tramita na Câmara dos Deputados, exclui da área do parque a área inundada pelo lago artificial da barragem de Santo Antonio a partir da cota de 73,5 metros, e também a área acima dessa cota a ser inundada em função do assoreamento do lago artificial. Essa área, segundo a companhia, equivale a 0,03% do parque, que fica em Rondônia. O texto não trata mais de uma "cota referencial", mas descreve um polígono georeferenciado para o espaço alagado.

Ou seja, se o PL for aprovado, a usina poderá aumentar a cota do reservatório - e a área inundada - conforme o assoreamento do lago aumenta e reduz o volume de água disponível.

Sem o PL, porém, a usina fica restrita às regras atuais, que, se aplicadas nessa época do ano, iriam restringir a operação da usina, pois o reservatório precisaria ser deplecionado a um nível que coloca em risco a integridade das instalações de log boom. Além disso, iria paralisar a operação do Sistema de Transposição de Peixes, cuja operação contínua é uma das condições pelo licenciamento da usina.

Sem o sistema de log boom em funcionamento, a usina pode precisar paralisar suas operações. Esse sistema impede que os sedimentos interfiram nas turbinas, por exemplo. Um tronco pode soltar galhos que destruam as pás que movem a água turbinada.

No pedido de liminar apresentado à Justiça de Rondônia, a Santo Antonio Energia lembrou que o decreto que possibilitou a ampliação do parque do Mapinguari foi editado em 2008, depois do leilão da usina, realizado em 2007, criando uma sobreposição da área preservada com o espaço necessário para o reservatório da usina.

Procurada, a Santo Antonio Energia informou que é sua prática oferecer aos órgãos reguladores informações sobre os vários cenários de condições operativas da hidrelétrica e os possíveis impactos no Sistema Interligado Nacional (SIN).

"Medimos diariamente a vazão do rio e a usina vem operando normalmente, nas condições regulares para esse período sazonal de vazões mais elevadas do rio Madeira, atendendo ao programa de geração acordado com o Operador Nacional do Sistema. A empresa vem tomando todas as medidas operacionais, regulatórias e legais necessárias para garantir a plena operação da usina e a consequente segurança energética para os estados de Acre e Rondônia e para o país, especialmente neste momento tão crítico com a pandemia", disse a empresa, em nota.

A MegaWhat procurou o ICMBio, que não se manifestou até a publicação desta reportagem. A assessoria de comunicação do Ibama informou que o MME é que estava respondendo sobre o assunto. O MME, por sua vez, também não respondeu os pedidos da reportagem.


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