Medidas para conter alta da energia e combustíveis devem ser tomadas com cautela, dizem especialistas

Rodrigo Polito

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Rodrigo Polito

Publicado

20/Abr/2021 12:20 BRT

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Mercado

A trajetória crescente dos índices de inflação nos primeiros três meses de 2021 acendeu um alerta sobre o impacto nas tarifas de energia e gás natural e nos preços de combustíveis. Especialistas ouvidos pela MegaWhat veem com bons olhos as medidas em estudo pelo governo e agências reguladoras para tentar minimizar o impacto inflacionário, mas ressaltam a importância de que qualquer iniciativa seja discutida e aprovada em consenso com os agentes. Outra preocupação é não gerar um represamento de preços, levando a um novo "realismo tarifário" no futuro.

Em março, o IPCA alcançou alta de 6,1% nos últimos 12 meses, ultrapassando o teto da meta de inflação para 2021, de 5,25%, estabelecido pelo Banco Central. O IGP-M, por sua vez, registrou em março um acumulado de 31,1% nos últimos 12 meses, impactado principalmente pela desvalorização do real frente ao dólar no mesmo período.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, ressalta que o momento é crítico, devido ao aumento da inflação, ao mesmo tempo em que há uma perda de renda muito agressiva por parte da população. “A Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] tenta ver a possibilidade de mitigar esse efeito [inflacionário] nas tarifas”, afirmou o especialista “Mas é crucial que a Aneel deixe claro em todos os momentos que vai preservar a neutralidade para as empresas e que as medidas sejam discutidas bilateralmente com as concessionárias”, afirmou.

Na mesma linha, Gustavo de Marchi, sócio diretor do Décio Freire Advogados e presidente da comissão de energia do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defende que, no caso das tarifas de gás natural, é importante que as decisões sejam tomadas em consenso com o setor. “O setor elétrico pode nos ensinar questões sobre reajustes. Toda e qualquer saída para isso pressupõe uma decisão consensual”, afirmou.

O especialista participou de recente reunião realizada pelo Ministério de Minas e Energia com a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), sobre o anúncio, pela Petrobras, de aumento médio de 39% do preço do gás natural fornecido para as distribuidoras, a partir de maio. Com o reajuste, o preço do gás natural estará em patamar superior ao período pré-pandemia de covid-19. Esse aumento é motivado pela variação do petróleo tipo Brent e do dólar, no primeiro trimestre de 2021, e pelo IGP-M.

Segundo Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o principal motivo para o impacto na inflação nos últimos meses foi a desvalorização cambial. "Há uma depreciação muito grande do real frente ao dólar. A questão é o câmbio mesmo”. Além de impactar reajustes de preços de combustíveis, de gás natural e da tarifa de Itaipu, a moeda norte-americana também influencia o cálculo do IGP-M, causando um duplo efeito inflacionário.

“Esta é uma inflação importada. Não tem muita coisa que o governo possa fazer”, conta Pires.

A opinião é compartilhada pelo professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, que ressalta ainda o efeito do cenário crítico dos reservatórios hidrelétricos, que demanda operação de termelétricas de custo mais elevado. "O cenário hidrológico vai pesar. Vamos sair do período úmido com nível baixo nos reservatórios", afirmou o especialista. "Vai haver uma pressão. O que o governo pode fazer? Muito pouco", completou.

Bomba-relógio

Pires, no entanto, alerta para os impactos na economia de uma eventual intervenção do governo nos preços da energia e dos combustíveis no Brasil. “Meu medo é de serem criadas bombas-relógio que vão explodir no próximo governo”, afirmou o diretor do CBIE, lembrando que medidas adotadas no passado para conter o aumento dos preços de gasolina e diesel e para reduzir as tarifas de energia causaram um impacto tarifário expressivo nos anos seguintes.

“Estamos pagando até hoje a dívida da Petrobras [que assumiu perdas para controlar os preços dos combustíveis] e a [MP] 579 [medida provisória transformada na lei 12.783/2013, da renovação antecipada e onerosa das concessões de energia]”, completou.

Com relação à lei 12.783/2013, a Aneel busca amenizar nas tarifas um dos efeitos indiretos do episódio: a remuneração da indenização a ser paga a transmissoras por investimentos em ativos antigos não amortizados que tiveram a concessão renovada. A ideia da agência é ampliar, de cinco para oito anos, o prazo para o ressarcimento das transmissoras por meio da tarifa de energia.

Em outra frente, o governo publicou no início do mês decreto que permite às distribuidoras adiarem o pagamento à Itaipu Binacional pelo fornecimento de energia da hidrelétrica. Segunda maior usina do mundo – atrás apenas da chinesa Três Gargantas, de 22,5 mil megawatts (MW) de capacidade –, Itaipu responde por pouco mais de 10% do total da energia consumida pelo Brasil.

Com relação à hidrelétrica, o contrato de financiamento de construção da usina e o “Anexo C” do Tratado de Itaipu, que trata da comercialização de energia da usina, terminam em 2023. Segundo Castro, do Gesel/UFRJ, o preço da energia da parte brasileira de Itaipu terá uma redução significativa a partir de 2023. “Este é um cenário positivo”, afirmou.