Larissa Rodrigues escreve: Ameaça de novo apagão é culpa da falta de planejamento

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Publicado

04/Jun/2021 15:04 BRT

Por: Larissa Rodrigues*

As regiões Sudeste e Centro-Oeste estão enfrentando a pior seca em mais de 100 anos, com impactos severos na geração de energia. Mais uma vez o remédio do governo para a crise vem tarde e errado, ao apostar na geração de usinas térmicas, que pioram o problema e encarecem a conta de luz dos consumidores, que deverão pagar uma tarifa mais alta para arcar com o custo dessas usinas.

Para Bolsonaro, “demos mais um azar” com a falta de chuvas afetando a geração hidrelétrica e diante do infortúnio só nos resta começar a racionar energia. Mas essa crise era previsível, já que as mudanças no regime de chuvas eram conhecidas e o que se esperava do governo é que tomasse providências para evitar um novo apagão.

Em 2019, um estudo do Instituto Escolhas mostrou que as secas longas e severas estavam aumentando ao longo dos anos, como reflexo das mudanças climáticas, e a situação pedia atenção urgente dos órgãos governamentais. As recomendações dadas à época foram: implementação de um sistema robusto de gestão integrada dos recursos hídricos, com a reconstituição das séries de vazões dos rios; um melhor monitoramento das precipitações com mais postos de medição e a instalação de postos hidrométricos; a criação de uma base de dados oficial sobre os sistemas de resfriamento das usinas térmicas, além do mapeamento e produção de dados precisos sobre áreas irrigadas, por uso e tipos de cultivo.

Todas essas medidas são essenciais para gerenciar a disputa pelos usos múltiplos da água e evitar prejuízos bilionários que já atingem o setor elétrico, as contas de luz dos consumidores, principalmente dos mais pobres, e o setor agrícola, onde somente a cultura do milho já enfrenta quebras da safra acima de 20% nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo e Minas Gerais.

E como reservatório de hidrelétrica não fica vazio da noite para o dia, é claro que essa seca não começou ontem. Já não chovia o necessário sobre a Bacia do Rio Paraná, a mais afetada pela estiagem, desde outubro de 2019.

Como nada foi feito, os conflitos pelo uso da água serão agravados com mais essa crise. Basta observar as declarações dos representantes do agronegócio, que não aceitam que a irrigação das lavouras seja prejudicada pela demora do governo em se preparar para enfrentar a seca.

O pior de tudo: o uso de usinas térmicas é o remédio errado para resolver a crise, pois consomem muita água, acirrando a disputa por um recurso que já está em falta. Só as duas usinas a carvão de Pecém, no Ceará, usam água suficiente para abastecer uma cidade de 600 mil habitantes. Além disso, emitem gases de efeito estufa, que agravam o problema das mudanças climáticas, impactando o regime de chuvas e a recuperação dos reservatórios hidrelétricos.

É possível recuperar os níveis dos reservatórios sem insistir no uso de usinas térmicas abastecidas com combustíveis fósseis. O Brasil tem o cenário ideal para a geração renovável e está comprovado que o país pode aumentar a participação da energia eólica, solar e da biomassa de 19% para 44% da matriz elétrica, sem afetar a segurança do fornecimento.

O Brasil reclama do ‘azar’ da falta de chuvas, mas não percebe que está fazendo sua própria sorte. Ao invés de tomar as rédeas para uma transição energética para fontes renováveis - como estão fazendo Estados Unidos, Europa e China - e implementar um gerenciamento integrado dos recursos hídricos, seguimos na contramão, com um governo que se reúne às pressas para lidar com uma crise já instalada, sem planejamento, e apostando justamente no remédio errado.

É preciso olhar com responsabilidade as alterações no regime de chuvas, o que exige medidas para a gestão dos conflitos pelos usos de uma água cada vez mais escassa. Assim, finalmente, vamos parar de usar o azar como desculpa para não encarar o problema das mudanças climáticas no Brasil, com dramáticos efeitos sobre a nossa economia.

* Larissa Rodrigues é gerente de Projetos e Produtos do Instituto Escolhas

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