Solange David escreve: O racionamento de energia elétrica de 2001: um breve olhar

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Publicado

18/Jun/2021 17:32 BRT

Por Solange David*

No início do século e com tantas perspectivas para o desenvolvimento do país, o setor elétrico enfrentou intensa escassez hídrica, a principal razão para a decisão de racionamento de 2001. Esse fato pode ser analisado sob a ótica comercial, econômica, financeira, física, histórica, legal, operacional, política, regulatória e tarifária.

Certamente a história pode ser contada e recontada sob diversos olhares, quanto mais se distancia do fato e se agregam outros elementos à análise, como a discussão sobre a resiliência do setor aos eventos climáticos e a importância das hidrelétricas na matriz elétrica brasileira.

Vários eventos são discutidos como causas do racionamento, alguns considerados mitos, conforme as diversas interpretações sobre o contexto histórico. Entre os fatos se encontram: a submissão do país ao Fundo Monetário Internacional – FMI (muitos se recordam das manifestações com o slogan “Fora FMI”); a privatização de empresas do setor elétrico, iniciada a partir de 1995, com a privatização da Escelsa e da Light; o modelo de mercado, adotado em 1998, com implantação a partir de setembro de 2000; e a “culpa de São Pedro”, santo recorrentemente lembrado em momentos de escassez hídrica e, de forma binária, quando ocorrem enchentes e inundações.

Tecnicamente falando, as causas do racionamento foram analisadas no Relatório Kelman (Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica. Foi observado que, além dos níveis críticos dos reservatórios, do desequilíbrio entre oferta e demanda, do atraso de obras e não realização de investimentos programados na geração, teria havido falhas no fluxo de informações, pois as instituições setoriais não teriam apontado devidamente os sinais do risco de déficit, o que poderia ter mitigado os impactos do racionamento.

Em termos legais, o racionamento (“fato do príncipe”) foi estabelecido pela Medida Provisória nº 2.147, de 15.05.2011, substituída pela MP nº 2.148-1, de 22.05.2001, a qual estabeleceu o “Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica” e o “Programa Estratégico Emergencial de Energia Elétrica”. Quanto ao consumo, visou-se compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas do suprimento. Foram definidas metas de consumo mensal, em especial para residências (redução de 20%, como regra), bônus para consumo abaixo da meta, possibilidades de suspensão de fornecimento e regimes especiais de tarifação, entre outros aspectos, como o afastamento da aplicação de alguns artigos do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Concessões.

A Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE) também foi instalada, para propor e implementar as medidas dos dois programas. A GCE, presidida pelo Ministro-chefe da Casa Civil da Presidência, possuía poderes quase que equiparados aos do Presidente da República, na medida em que podia praticar diversos atos para a execução dos programas, como definir plano de contingenciamento de cargas e reconhecer caráter de emergência para obras e compras. A GCE criou o Comitê de Revitalização do Setor Elétrico, coordenado pelo BNDES, o qual anunciou 33 medidas, no começo de 2002, com vistas ao aperfeiçoamento do modelo do setor, via retomada dos investimentos, funcionamento pleno do mercado e atenuação do impacto de aumentos tarifários decorrentes de ajustes inerentes ao racionamento.

O fato é que o racionamento trouxe diversos reflexos que superaram as barreiras do setor elétrico e das regiões onde foi adotado, inclusive quanto à arrecadação de impostos; crescimento industrial; segurança pública; lucros das empresas; balança comercial. Os efeitos do racionamento de energia elétrica ocorrido no Brasil em 2001 e 2002 com ênfase no consumo de energia elétrica, 2004). Por outro lado, como aspectos positivos citem-se o aprendizado na economia de energia elétrica, equipamentos com maior eficiência energética e o incentivo para a ampliação de fontes alternativas e renováveis na matriz.

A partir do racionamento de 2001 se ampliou a preocupação com a expansão da geração e da rede de e da matriz energética nacional. Diversos temas dominaram a pauta política e técnica de 2001 até 2004, quando foi editada a Lei nº 10.848, de 2004, que tratou do modelo de comercialização e inseriu os ambientes de contratação regulada e livre no país. Entre esses temas se incluem o papel do Estado no planejamento da expansão da geração e da transmissão, a gestão do setor elétrico, a garantia de suprimento em curto e longo prazos, a atuação da iniciativa privada, riscos, atratividade de investimentos, competitividade e modicidade tarifária.

Esse foi o contexto geral dos anos de 2001 e 2002, no qual se insere a questão do peso das decisões do administrador público. O tema tem interesse crescente, principalmente num cenário de incertezas com a evolução tecnológica, a sociedade 5G, a digitalização e tantos outros fatores. O setor elétrico deve estar cada vez mais atento para essa realidade.

*Solange David é advogada e doutora em Engenharia Elétrica, professora e membro da Comissão de Energia da OAB-SP, presidente do conselho da Santo Antonio Energia e conselheira da Aeris e do Crigré Brasil.


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