Guilherme Dantas escreve: E o amanhã?

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Publicado

22/Out/2021 14:31 BRT

Por Guilherme Dantas

É notório que o atual risco de racionamento está associado a hidrologias extremamente críticas. Não foi diferente em 2001 e, apesar da menor gravidade, em 2007/2008 e em 2013/2014. O problema é explicar para opinião pública em geral por que risco de racionamento se tornou um evento relativamente frequente no setor elétrico brasileiro. Ainda mais complexo, é explicar para consumidores, que já lidam com tarifas elevadas de energia, que mais uma vez terão aumentos em suas contas em função daquilo que nós especialistas chamamos de risco hidrológico.

Dado o relevo de planície da Região Norte, a construção de usinas hidroelétricas sem grandes reservatórios associados impacta a operação do sistema. Desde o início das discussões acerca da implementação de usinas fio d’água na Região Amazônica, isso já era sabido e muito se discute sobre as alternativas de complementação ao parque hídrico.

Todavia, considerando que a economia brasileira está estagnada ao longo dos últimos anos e o parque termoelétrico vem sendo utilizado de forma considerável, a constatação que os reservatórios não conseguem mais operar em seus níveis históricos parece indicar que existe um problema de natureza estrutural ainda mais amplo.

Se antes havia muita dúvida sobre o que era mera variabilidade hidrológica e o que já poderia ser visto como impactos das mudanças climáticas, atualmente já existem fortes indícios que os prognósticos de alterações no regime pluviométrico em função das mudanças climáticas estão se confirmando. Desta forma, embora deva ser enfatizado o caráter extremamente crítico da hidrologia dos últimos doze meses, é preciso a ciência que não se trata de algo conjuntural.

Reconhece-se o parque hídrico brasileiro, não apenas como fonte de energia limpa a preços competitivos, como também sendo provedor de uma série de serviços fundamentais para a segurança do sistema. Logo, a manutenção da predominância hídrica da matriz brasileira deve ser tida como algo desejável e, inclusive, justificam-se investimentos na modernização do parque gerador existente. Entretanto, quando se trata da implementação de novos projetos, a resposta não é tão óbvia e muitos argumentos, historicamente válidos, precisam ser relativizados nos dias atuais.

Em primeiro lugar, é preciso enfatizar que o caráter de fonte renovável a baixos custos deixou de ser um atributo exclusivo da hidroeletricidade. Nos últimos dez anos, a fonte eólica vem se apresentando extremamente competitiva nos leilões de contratação. Mais recentemente, a fonte solar fotovoltaica também passou a se apresentar de forma competitiva. Ambas as fontes com imensos potenciais a serem explorados.

Por se tratarem de fontes intermitentes, não é factível imaginar que se possa meramente substituir usinas hidroelétricas por geração eólica e solar. Porém, é necessário não se perder de vista que a geração hidroelétrica não é o único meio de atender aos requisitos de potência e de flexibilidade do sistema.

No caso do atendimento das necessidades de potência, importante ressaltar que a geração de biomassa continua muito aquém do seu potencial e consiste em energia firme durante o período seco do ano. Ademais, algumas regiões do Brasil possuem aptidão para geração termosolar. Concomitantemente, em termos de flexibilidade, é preciso considerar a crescente importância dos sistemas de armazenamento baseados em baterias e de medidas de gerenciamento da demanda.

Além disso, é importante enfatizar a importância que termoelétricas movidas a gás natural podem ter na garantia da segurança do suprimento, vide terem aptidões para o atendimento dos requisitos de potência do sistema e serem controláveis. Estas térmicas tendem a consistir importante backup para o sistema se contratadas de forma flexível, sendo especialmente importantes se localizadas próximas aos centros de carga.

Observa-se assim que existem diferentes alternativas para a expansão do sistema elétrico brasileiro. A questão é definir métricas que permitam comparar os projetos considerando todos seus atributos e custos. Dentro dessa lógica, é vital que se conceda maior importância à questão locacional com vistas aos custos com transmissão estarem contemplados nas discussões.

Ao mesmo tempo, é preciso que a esfera ambiental esteja efetivamente presente nas discussões. Embora se reconheça os esforços da EPE nesse sentido, ainda existe um longo caminho a percorrer. Para que a avaliação de impacto ambiental tenha realmente um caráter estratégico conforme estabelecido na legislação desde o início da década de 1980, é preciso avanços que permitam a comparação dos projetos contemplarem a valoração dos impactos ambientais diretos e indiretos de cada uma das alternativas.

Portanto, a título de conclusão, destaca-se que tão, ou mais importante, que encontrar mecanismos de minimização da crise atual, é se discutir de forma mais ampla o papel da geração hidroelétrica no sistema elétrico brasileiro. Caso contrário, chegará um momento que vai ser difícil convencer à opinião pública que vai tudo bem com o setor elétrico e que a “culpa” do risco de racionamento pertence a hidrologias desfavoráveis.

*Guilherme Dantas é doutor em Planejamento Energético pela COPPE-UFRJ. Atualmente, é sócio-diretor da Essenz Soluções e Professor da FGV Energia.

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