Nova tentativa de privatização da Eletrobras agrada, mas ainda há incertezas

Camila Maia

Autor

Camila Maia

Publicado

24/Fev/2021 16:14 BRT

(Com Rodrigo Polito)

A nova tentativa de privatização da Eletrobras, desta vez por meio de uma Medida Provisória (MP), agradou investidores e especialistas, uma vez que mostra empenho do governo em avançar com a pauta, vista como necessária para que a empresa possa retomar investimentos relevantes no país.

Em uma análise inicial da MP 1.031, o coordenador da área de Geração e Mercados do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), Roberto Brandão destacou que a iniciativa é positiva para empresa. Segundo ele, a Eletrobras, que havia se tornado uma empresa de médio porte, devido aos efeitos da Medida Provisória 579/2012 (transformada na Lei 12.783/2013), pode voltar a ser uma companhia de grande porte, recuperando sua capacidade de investimentos.

“Dependendo de como vier esse aumento de capital, a Eletrobras pode voltar a ser um player internacional importante”, acrescentou o especialista.

Ele destacou ainda o fato de a MP já permitir ao BNDES realizar a modelagem e os cálculos necessários para o aumento de capital e a desestatização da Eletrobras. Segundo Brandão, o banco estatal tem capacidade e experiência para realizar um estudo com precisão sobre o tema.

O secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, Rodrigo Limp, disse, em uma rede social, que a MP vai retomar a capacidade da Eletrobras de realizar investimentos. “Satisfação e otimismo com o país ver a Medida Provisória da capitalização da Eletrobras ser assinada e entregue pelo presidente no Congresso. É uma medida essencial para que a Eletrobras volte a ter capacidade de realizar os investimentos que o Brasil precisa para gerar emprego e renda para a população”, afirmou ele, em sua conta no Linkedin.

Para Luiz Barroso, presidente da PSR, a edição da MP foi a forma que o governo encontrou para iniciar um processo que dificilmente andaria neste ano e no próximo. "É um primeiro movimento e há muito a se fazer até a real privatização da companhia, numa construção complexa no Congresso e riscos de concessões excessivas a atores políticos, que podem afetar a atratividade da privatização para o governo, investidores e consumidores", disse.

Conceitualmente, o texto é muito semelhante ao projeto de lei apresentado pelo governo de Michel Temer em 2017, quando Barroso era presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Quem também participou da concepção do plano na época foi Paulo Gabardo, então chefe da Assessoria de Assuntos Regulatórios do MME e hoje diretor-presidente da i4 Economic Regulation.

"Será ótimo se a MP for aprovada como entrou, fica bem dentro do que foi desenhado lá atrás, o que é fundamental até para se pensar em uma abertura do mercado sustentável, com redução da sobrecontratação das distribuidoras", disse Gabardo, se referindo aos novos contratos de concessão para as hidrelétricas enquadradas no regime de cotas, renovadas nos termos da Lei 12.783/2013.

Segundo Barroso, sob a ótica do consumidor, a descotização vai permitir equacionar a transferência do GSF às tarifas e também a sobrecontratação das distribuidoras, que terão prazo para recompor os portfólios, se necessário. "A oportunidade de equacionar estes itens, quando somadas ao aporte de 50% da outorga na CDE, pode sim provocar redução tarifária ao consumidor", disse o especialista.

Ceticismo

Uma fonte do mercado, porém, vê com ceticismo a edição da MP. Na avaliação dela, a medida foi um gesto do governo para sinalizar a importância de sua agenda econômica, mas que não deverá avançar no Congresso. “O Congresso não privatiza, menos ainda com MP”.

O fato de ser uma MP também levantou questionamentos. Para um especialista que falou sob condição de anonimato, pode haver um problema de ordem jurídica, já que não existe a "urgência" necessária para que o texto seja apresentado dessa forma, e não sob a forma de um projeto de lei. "Isso significa que há uma fragilidade jurídica que pode ser explorada por quem for contrário", disse.

Para o advogado Raphael Gomes, sócio da área de energia do Lefosse Advogados, esse conceito de relevância e urgência é muito abstrato, e há argumentos para ambos os lados. Enquanto o governo alega que a urgência está relacionada à redução da competitividade da Eletrobras e por conta da questão tarifária, pode-se argumentar que a questão não é própria de uma MP até pela necessidade de realização de estudos que não vão acontecer hoje. 

"Nos últimos 15 anos, nosso Congresso foi extremamente lento e ineficiente e muitas questões importantes foram tratadas por MP", disse Gomes. Segundo ele, "a realidade se impôs" e o critério de urgência acabou sendo "ampliado". Como há dois PLs apresentados sobre o tema parados, o instrumento da MP pode ser mais eficiente para que a pauta ande. "Acredito que é uma MP que conseguiu ter a roupagem, deram uma boa justificativa para a urgência", disse.

A Ativa Investimentos classificou como positivo o texto da MP publicado ontem pelo governo. “Classificamos a sinalização do interesse em uma retomada célere do processo como positiva, mas acreditamos que o hiato entre a promulgação da MP e de sua concretização será longo”, explicou a casa de análise, em comentário sobre o assunto.

Reações negativas

A publicação da MP causou reação negativa por parte de funcionários do grupo Eletrobras. O Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) manifestou repúdio e indignação com relação à medida. De acordo com a entidade, a “descotização” das hidrelétricas da Eletrobras vai, na prática, gerar um custo para a sociedade de R$ 460 bilhões em 30 anos.

A Associação dos Empregados de Furnas, por sua vez, informou que em boletim que vai preparar emendas para a MP e retomar articulações presenciais em Brasília, para se colocar contra a privatização da companhia.

Com relação a outras empresas e instituições ligadas à Eletrobras, a MP mantém a previsão de criação de uma estatal ou sociedade de economia mista para manter sobre controle, direto ou indireto, da União a Eletronuclear e a Itaipu Binacional. A medida também prevê a manutenção de pagamento de contribuições associativas ao Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) pelo prazo de quatro anos, contado da data de desestatização.