Semana da Mulher MW | Entrevista com Christianne Dias, diretora-presidente da ANA

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Publicado

10/Mar/2021 19:00 BRT

Categoria

Especiais MW

A advogada Christianne Dias assumiu o comando da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) em janeiro de 2018, em meio às discussões sobre o novo marco legal do saneamento básico do país, que finalmente foi aprovado pelo Congresso e se tornou realidade em junho de 2020. Sua carreira no setor jurídico ajudou no aprendizado com o setor de infraestrutura e também nas reflexões sobre o mérito de todas as transformações.

Confira na íntegra a entrevista com Christianne Dias, diretora-presidente da ANA:

MegaWhat: Como você começou no setor?
Christianne Dias: Fui convidada para trabalhar para a subchefia para assuntos jurídicos da Casa Civil, na época a subchefia era ligada a Casa Civil, e eu fui trabalhar exatamente na área de infraestrutura. Eu era adjunta de infraestrutura. Foi um desafio muito grande, uma oportunidade de lidar vários temas de infraestrutura. Aí a gente engloba setor elétrico, setor de transporte, transporte envolvendo a questão portuária, de rodovias, de aeroportos, setor aéreo, trabalhamos muito na parte de mineração. Como todos os atos normativos passavam no final pela subchefia, a gente tinha que fazer muita discussão de mérito, construir muitos atos do zero, então eu tive a oportunidade de conhecer um pouco do setor de infraestrutura de uma maneira geral. Foi uma oportunidade muito boa, sobretudo um grande aprendizado. Em que pese eu fazer a parte jurídica, tínhamos sempre que casar com a analise de mérito. O jurídico era um reflexo de uma política pública. As discussões de mérito eram muito profundas e muito longas. Só para você ter noção, havia ato normativo que fazíamos discussão aproximadamente de um ano para que pudesse sair. Esse foi o contato mais próximo que eu tive do setor da infraestrutura e do setor elétrico.

MW: Quais as principais conquistas da sua carreira?
CD: Justamente nesse período, quando eu estava fazendo ali uma análise jurídica dos atos normativos, começamos a construir a primeira medida provisória do saneamento. Eu costumo dizer que foi por uma ironia do destino, após trabalhar tanto num grupo de trabalho e na confecção do primeiro texto, eu acabei sendo convidada e nomeada pelo Presidente da República para ir para a Agência Nacional de Águas, hoje Águas e Saneamento. Então é muito engraçado como é diferente a gente fazer uma lei e depois implementar essa lei. Acho que isso é uma grande conquista, um trabalho que fico muito feliz em ter realizado, justamente de ter participado de todo esse processo e agora aqui, da perspectiva da ANA, estar como uma das responsáveis por implementar essa nova diretriz para o saneamento, esse novo marco regulatório. Então acredito que esse processo de construção desse novo marco tenha sido essa referência. 

MW: Tem alguém que te inspira/inspirou nessa trajetória?
CD: Penso em muitas pessoas que eu admiro, que eu trabalhei junto. Pessoas importantíssimas, dedicadas, comprometidas. Uma pessoa que eu cito, que trabalha comigo até hoje, que é a Beatrice Kassar do Valle [assessora da ANA], ela é uma servidora pública, gestora de carreira, e ela conhece muito do setor da infraestrutura e foi sempre uma grande companheira, vou dizer até uma grande professora. E por sorte trabalhamos juntas até o dia de hoje, entende muito de todos os setores. Ela sempre foi uma grande inspiração para mim, é até hoje, ao lado de muitas mulheres referências, homens também. Pessoas que são inteligentes, tem um intelecto muito desenvolvido, mas, sobretudo, pessoas que são muito dedicadas, acho que isso é muito importante. Às vezes, a pessoa tem muita facilidade, mas que ainda imprime muita dedicação, muito tempo, muito estudo. Então, são pessoas que eu admiro muito.

MW: E hoje, como é estar à frente de um cargo de diretoria? 
CD: É uma grande oportunidade. Acho que eu não tinha consciência do desafio que seria. Primeiro, porque as agências reguladoras funcionam numa dinâmica de colegiado, então o colegiado por si só já é muito desafiante porque nós temos que conciliar pontos de vista diferentes, bagagens profissionais diferentes, e é sempre bom que a gente trabalhe ali afinados, de forma harmoniosa. Afinal de contas estamos trabalhando para dar uma segurança regulatória, uma segurança jurídica para o setor. Então, essa dinâmica de trabalhar com o colegiado eu ainda não tinha tido, foi um grande aprendizado profissional e pessoal.
A agenda de recursos hídricos foi uma novidade, eu pude aprender muito mais sobre a gestão de regulação de recursos hídricos, conhecer muito mais do nosso país, conhecer um pouco dessa dinâmica, dessa dupla dominialidade das suas respectivas implicações, para o nosso dia a dia, para a nossa forma de fazer. Essa dupla dominialidade dos nossos rios brasileiros.
E sobre a agenda de saneamento, já tive a oportunidade ainda no meu mandato de ter a felicidade e a satisfação de ver a chegada dessa nova competência estando aqui. É muito gratificante poder dar esses primeiros passos, em prol de uma ajuda, uma contribuição para o setor de saneamento, que está tão atrasado no nosso país. O setor da infraestrutura acabou ficando para trás e a pandemia acabou jogando um holofote, uma luz sobre a realidade do brasil e de tantos brasileiros e tantos cidadãos.

MW: Qual foi a sua principal colaboração para o setor? Algum trabalho/discussão que tenha orgulho de ter participado?
CS: Essa específica do saneamento é uma que tenho bastante satisfação, e toda a agenda das agências reguladoras. Também aqui, durante o meu mandato, eu pude contemplar a aprovação da Lei das Agências, também foi uma agenda que trabalhei quando ainda na Casa Civil e a gente também está implementando aqui. Todas as agencias reguladoras, nós somos 11, já vinham implementando as melhores praticas regulatórias e a partir da nova lei isso se tornou uma realidade do ponto de vista legal. Nós nos adaptamos naqueles últimos quesitos que faltavam e estamos vivendo uma realidade de uma lei que traz mais transparência, maior controle, maior efetividade, maior forma de participação da sociedade. Então, tenho muito orgulho de fazer parte desse movimento, que acabou culminando com o fato de eu estar aqui na ANA hoje, e de coordenar o foro de dirigentes das agencias e trabalhar as principais agendas que são comuns a todas as agências reguladoras.

MW: Como é ser mulher num ambiente tão masculino?
CS: Muito masculino, como muitos outros setores. Especificamente aqui, na gestão de recursos hídricos, nós temos uma maioria de engenheiros e, desde os bancos escolares, o que predomina é o sexo masculino. Estou familiarizada, sou da área jurídica, onde tem mais mulheres, mas também sempre tive que lidar muito com o sexo masculino. Acho que é uma luta constante para nós mulheres, de realmente ocuparmos esses cargos de tomada de decisão, de ocuparmos os nossos espaços. Nós estamos preparadas, e não há razão para a gente não conseguir ocupar esse espaço. Fico feliz de ser uma representante do sexo feminino na cadeira de presidente de uma agência reguladora, espero que isso seja mais comum no futuro.

MW: A luta por igualdade de cargos e salários ainda é uma realidade para mulheres no setor? 
CS: Sim, apesar de especificamente eu não viver isso, porque hoje estou servidora pública. Mas a gente sabe que isso é uma realidade, que somos preteridas nos salários e na escolha para ocuparmos cargos importantes, cargos de direção. É uma realidade, ainda temos muito que evoluir do que evoluir no que diz respeito a isso

MW: Em 2021, o seu trabalho deve estar pautado em cima de quais discussões? O que é mais importante para o setor resolver ou se desenvolver? 
CS: Nossa competência originária é cuidar dos usos múltiplos da água. Então nós temos que de certa forma equacionar a água para todos os setores usuários. Nós temos hoje já configurado, deflagrada, alguma situação de conflito onde tem mais gente querendo usar água do que água disponível. Acho que nosso grande desafio é fazer esse trabalho de forma equilibrada, conversando com a sociedade, conversando com os setores, de modo que todos possam dar sua parcela de contribuição, possam entender o trabalho da ANA. Então, num ano onde a gente verificou poucas chuvas no período chuvoso, acho que vai ser um grande trabalho e um trabalho de equipe, um trabalho de coordenação e um trabalho de informação e comunicação para a sociedade e para os usuários.