Custo da crise hídrica estimula ampliação da energia solar no país

Rodrigo Polito

Autor

Rodrigo Polito

Publicado

21/Set/2021 02:34 BRT

Primeira cervejaria artesanal brasileira a se tornar autossuficiente no consumo de energia por fonte solar, a Edelbrau completou no último mês três anos desde que instalou um sistema de geração distribuída (GD) para abastecer as unidades da empresa, em Nova Petrópolis (RS). A iniciativa evidencia um negócio com tendência de alta no país, após a aprovação do marco legal da geração distribuída na Câmara dos Deputados e com o agravamento da crise hídrica.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a capacidade instalada de projetos de GD a energia solar no país é de 6,6 gigawatts (GW), o equivalente a quase à potência do complexo hidrelétrico do rio Madeira, em Rondônia, composto por duas usinas totalizando 7,3 GW. Com cerca de 800 megawatts (MW), o Rio Grande do Sul, por sua vez, é o terceiro maior estado do país em capacidade instalada de sistemas de GD solar, atrás apenas de Minas Gerais (1.220 MW) e São Paulo (837 MW).

Em três anos, o projeto da Edelbrau, de 87 quilowatts-pico (kWp), permitiu que a companhia evitasse a emissão de 9,25 mil kg de CO2 por ano. O volume é equivalente a emissão de gases de 61.672 km rodados por automóveis – distância suficiente para fazer quase sete viagens de ida e volta pela BR-101, rodovia federal que liga o Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul, passando por outros dez estados, no litoral brasileiro.

Do ponto de vista econômico, o projeto também se mostrou positivo. Com o aumento do custo da energia este ano – principalmente em setembro, após a definição da bandeira tarifária escassez hídrica – a parcela do financiamento adquirido pela Edelbrau para a instalação do projeto de GD, de R$ 5,6 mil mensais, é inferior ao que a empresa estaria pagando de tarifa no mercado cativo hoje, em torno de R$ 8 mil.

“Nossa parcela [do financiamento na época da contratação do projeto] equivalia ao valor que pagávamos à concessionária [de energia]. Hoje, com a bandeira [tarifária] vermelha, ainda colocamos dinheiro no bolso”, diz Fernando Maldaner, sócio da Edelbrau.


Vista área do sistema de GD solar instalado na fábrica da Edelbrau, em Nova Petrópolis (RS)


Projeto

A primeira tentativa da Edelbrau de instalar um sistema de GD solar foi em 2015. Na ocasião, porém, a conclusão foi a de que o projeto ainda era inviável economicamente. Com a queda dos custos dos equipamentos de energia solar, nos anos seguintes, a companhia fez uma nova avaliação em 2018 e decidiu instalar o sistema.

O projeto foi desenvolvido e realizado pela Ecosul Energias Renováveis, especializada em instalação e manutenção de projetos de GD também sediada em Nova Petrópolis. Com investimento de R$ 350 mil, o projeto incluiu a instalação de 251 placas fotovoltaicas, que suprem toda a necessidade energética da Edelbrau e ainda viabiliza volume extra para injetar na rede. O investimento foi parcelado em 100 meses em um financiamento do Sicredi, instituição financeira cooperativa parceira da Ecosul.

O sistema produz energia elétrica suficiente para a fabricação das cervejas, além de atender a área administrativa e o espaço de visitação da fábrica da Edelbrau. Antes da pandemia de covid-19, deflagrada em março de 2020, a empresa produzia cerca de 25 mil litros de cerveja por mês. Hoje, a produção está na faixa de 15 mil litros mensais. Mas, segundo Maldaner, o sistema de GD é suficiente para atender toda a capacidade de produção da cervejaria, de 60 mil litros mensais.

Fundada em 2011 por dois amigos, a Edelbrau já nasceu sob o conceito da sustentabilidade. O desenho do prédio da cervejaria foi desenvolvido para aproveitar a iluminação natural. E cerca de 85% da iluminação artificial da unidade são a partir de lâmpadas de LED. O prédio também foi projetado para reaproveitar água da chuva. “Hoje temos 45 mil litros de cisterna que captam a água”, completou Maldaner. A água é utilizada principalmente para limpeza do estabelecimento.

Além disso, a cervejaria utiliza lenha de reflorestamento para o funcionamento da caldeira. Parte da lenha é obtida por meio de uma permuta com um produtor rural, que recebe o bagaço da cevada para o seu processo produtivo.

A Edelbrau ainda não tem necessidade de ampliação do sistema de GD. Na área de sustentabilidade, porém, a companhia analisa projetos futuros, como a reutilização de CO2 na produção de cerveja e a construção de infraestrutura para a recarga de veículos elétricos, segundo Maldaner.

“Boom”

Responsável pelo desenvolvimento e a instalação do projeto de GD da Edelbrau, a Ecosul prevê um crescimento expressivo do mercado de micro e minigeração a energia solar no país. A companhia registrou um aumento de 39% nos pedidos de orçamento desde o primeiro anúncio de reajuste da bandeira tarifária pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em junho. Outros investidores também esperam que o setor passe por um “boom” nos próximos anos.

“O pessoal vem falar conosco que esse mercado [de GD] explodiu. Eu digo que nem acendeu o pavio ainda”, conta Alan Eduardo Spier, diretor-geral da Ecosul.


Ecosul registrou alta de 39% nos pedidos de orçamento, após reajuste da bandeira tarifária


Segundo o executivo, o primeiro salto do setor ocorreu quando os bancos começaram a financiar esse modelo, com juros mais acessíveis. “Em 2016 [quando a empresa foi criada], fizemos apenas duas vendas. Hoje vendemos duas obras em uma manhã. Isso porque o equipamento era mais caro [no passado] e não havia nenhum banco com linha de crédito específica para energia solar”.

Hoje, cerca de 65% das vendas da Ecosul são destinadas para clientes residenciais. Em volume de negócios, porém, os clientes residenciais respondem por 30% do faturamento da companhia. O restante é oriundo de contratos com clientes comerciais e industriais, como o caso da Edelbrau.

Com relação ao novo marco da GD, assim como outros empreendedores, Spier considera que o arcabouço legal vai garantir estabilidade ao mercado. “Ele dá segurança jurídica para quem quer investir”, disse. O executivo também considera ser justo o pagamento às distribuidoras pelo uso da rede quando os sistemas injetam energia para o restante do sistema. “É justa a cobrança. Quando nós geramos energia e não consumimos, ela é jogada para a rede. A rede é da concessionária. Ela que administra e arca com os custos de manutenção, de melhoria e tudo o mais”, completou.