Crise Hídrica

 

O que é: devido à escassez ou à irregularidade de chuvas, a crise hídrica incorre da baixa dos níveis de chuvas em uma determinada região.

É possível ver consequências disso nos reservatórios hidrelétricos, que podem não suprir as demandas energéticas, afetar o abastecimento de água, a irrigação na agricultura e a navegabilidade de rios.

No caso brasileiro, vale destacar que, pelo fato de a matriz elétrica ter grande participação de fonte hídrica, a conjuntura climática, especificamente de pluviosidade e afluência, é relevante para a segurança energética do país.

Como funciona: a redução no nível dos reservatórios leva a medidas de mitigação, como redução da geração de energia em hidrelétricas e estabelecimento de níveis mínimos de reservatórios.

As medidas podem ser decretadas por diversos segmentos do governo, incluindo autarquias e pastas setoriais, como a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), podendo ser obrigatórias ou incentivadas.

Nos casos de obrigatoriedade, são impostas penalidades para consumidores que não cumprirem as metas de redução no consumo, como multas ou mesmo o corte do fornecimento de energia elétrica. Já em situações de incentivo, os consumidores que cumprirem as metas estabelecidas podem ser recompensados por meio de bônus nas faturas de energia.

Panorama no Brasil: a crise hídrica mais recente enfrentada pelo Brasil teve início em outubro de 2020 e se manteve durante o ano de 2021. Esse cenário foi decorrente, sobretudo, da baixa hidrologia registrada no período, que foi a mais severa dos últimos 91 anos.

Também houve perda de produtibilidade dos geradores hídricos, distorção nos modelos computacionais e aumento no consumo de água para outras finalidades que não a geração de energia elétrica.

O Brasil tem uma matriz elétrica majoritariamente renovável, com cerca de 85% de participação destas fontes em toda oferta nacional, segundo dados de 2022 da EPE. Apesar da geração renovável ter contribuições para uma menor emissão de carbono na atmosfera e, consequentemente, mitigar as mudanças climáticas, uma característica chave das renováveis é intermitência (com exceção de hidrelétricas com grandes reservatórios). A falta de capacidade de armazenamento destas fontes em sua forma original e a subserviência ao clima são fatores que somados contribuem para o cenário de crise hidroenergética no país.

Medidas adotadas na crise hídrica: nesse sentido, as autoridades e entidades governamentais estabeleceram diversas medidas de mitigação e combate à crise, como o aumento da geração térmica e das importações de energia, a contratação excepcional de usinas, a flexibilização dos reservatórios das hidrelétricas, o programa de redução voluntária da demanda (RVD) para a indústria, entre outras.

Além disso, também foi instituída a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG), estabelecida pela Medida Provisória nº 1.055. Com a melhora do cenário hidrológico e a confirmação das chuvas no início do período chuvoso, em outubro, a MP não foi apreciada pela Câmara dos Deputados dentro do prazo – até 7 de novembro – e perdeu a sua validade.

A CREG foi responsável pela definição de diretrizes obrigatórias para, em caráter excepcional e temporário, estabelecer limites de uso, armazenamento e vazão das hidrelétricas e eventuais medidas mitigadoras associadas.

Durante sua vigência, a Câmara determinou a realização do Leilão Emergencial e do Leilão de Reserva de Capacidade, que já estava previsto pela Lei 14.120/2021, com o intuito de garantir o fornecimento de energia a partir de 2022. O primeiro teve contratação de 775,8 MW médios de garantia física para aumentar o fornecimento de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN), com abastecimento destinado aos submercados Sudeste/Centro-Oeste e Sul.

Já o Leilão de Reserva de Capacidade, realizado em 21 de dezembro de 2021, ofertou dois produtos. Para energia elétrica, foi definido o custo marginal de R$ 212/MWh, e não houve negociação, enquanto para o produto potência, ficou estabelecido o custo marginal de R$ 974 mil o MW/ano, sendo adquiridos 4,6 GW de potência.

Todas essas medidas contribuíram para minimizar os riscos de desabastecimento e conter uma piora dos reservatórios.

Vale destacar que apesar das boas afluências registradas a partir de outubro de 2021, o fenômeno La Niña foi confirmado para o verão 2021/2022, com picos esperados entre os meses de dezembro a fevereiro. Este fenômeno faz com que as regiões Norte e Nordeste do país apresentem maiores chances de receber volumes de chuva acima da média, enquanto o Sul apresenta maiores chances de volumes de chuva abaixo da média.

Histórico: o Brasil passou por algumas situações de crise hídrica que levaram ao racionamento de energia. Na década de 1950, por exemplo, o racionamento foi na região Sudeste do país. Já nos anos 1980, entre o final de janeiro e abril de 1986, foi a região Sul que passou por um período de economia energética, sendo que a seca afetou a região Centro-Sul do país, causando também racionamento de água no estado de São Paulo.

No ano seguinte, foi o Nordeste que passou por essas, entre março de 1987 e janeiro de 1988, situação causada por uma forte estiagem sobre a bacia do rio São Francisco e por atraso nas obras da hidrelétrica Itaparica. Neste caso, um decreto presidencial estabeleceu diretrizes para instituição de racionamentos, tendo por base as medidas adotadas no Sul no ano anterior.

O maior racionamento de energia elétrica do Brasil, no entanto, ocorreu entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, episódio que ficou conhecido como “Crise do Apagão”. O governo fixou a meta de redução média de consumo de 20%, variando conforme a classe de consumidor. Também foi estabelecido bônus para os clientes residenciais que reduzissem o consumo além da meta, de forma a estimular o menor uso de energia, possibilitando assim uma recuperação mais rápida das condições do sistema.

O racionamento afetou as regiões Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte do Norte do país (que foi incluída depois do início da medida), envolvendo cerca de 40 milhões de unidades consumidoras.

Entre os anos de 2014 e 2016, o estado de São Paulo vivenciou uma das piores secas da região, o que acarretou numa queda drástica nos níveis do reservatório do Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de quase nove milhões de pessoas. À época, o racionamento no consumo de água foi fortemente incentivado pelo governo do estado.

Histórico no mundo: nas últimas duas décadas, o racionamento de energia, em diferentes proporções, foi adotado por alguns países devido a uma perspectiva de oferta futura menor do que a demanda esperada. Em 2001, por exemplo, o governo do estado da Califórnia, nos Estados Unidos, implementou um racionamento devido à falta de investimento em nova capacidade de geração de energia. As duas principais empresas fornecedoras de energia elétrica da região estavam com dificuldades financeiras, depois que o governo local decidiu pela desregulamentação do mercado. Foi a primeira vez que a Califórnia enfrentou um racionamento desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Em 2011, após um terremoto seguido de tsunami ter destruído a usina nuclear de Fukushima, o governo japonês também adotou um racionamento de energia elétrica no país, devido à perspectiva de escassez de oferta no verão seguinte. O objetivo foi reduzir o consumo em 15% em relação ao verão do ano anterior. Outro país que tem implementado racionamentos nos últimos anos é a Venezuela, para enfrentar a falta de nova oferta de energia.

É bom saber também: O resultado do racionamento de energia dos anos 2001/2002 no Brasil foi tão efetivo que o consumo de energia observado no ano anterior ao racionamento (2000), de 307.529 GWh, só foi alcançado novamente em 2004, quando totalizou 329.707 GWh, devido ao crescimento vegetativo da população e crescimento econômico. O ritmo mais lento do crescimento do consumo também foi causado pela mudança de hábitos da população, que trocou lâmpadas incandescentes por fluorescentes compactas e substituiu eletrodomésticos antigos por outros com Selo Procel, entre outras ações de eficiência energética.

O resultado foi ainda mais expressivo com relação à classe residencial: o patamar de consumo em 2000, de 83.613 GWh, só foi superado em 2005, com a marca de 85.784 GWh, conforme dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).