Opinião da Comunidade

Lavinia Hollanda escreve: ESG nos setores-chave para o futuro sustentável

Lavinia Hollanda escreve: ESG nos setores-chave para o futuro sustentável

Por Lavinia Hollanda

Que Meio Ambiente, Social e Governança (ou ESG, da sigla em inglês) tomaram a pauta e viraram o grande tema entre os investidores, todos já sabemos. Os temas ESG que vêm sendo incorporados por empresas e investidores já faziam parte da agenda de sustentabilidade, presente de forma mais explícita no Brasil há pelo menos uma década, sem nunca terem tido o destaque que têm atualmente (era sempre um tema “lateral” aos investidores). Como exemplo, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, experiência pioneira na América Latina, existe desde 2005 e traz uma análise comparativa da performance das empresas listadas com relação à sustentabilidade corporativa. Certamente, a pandemia acelerou uma tendência que já vinha crescente em todo o mundo e que demorou um pouco mais para chegar ao mainstream no Brasil. De acordo com um relatório da consultoria Morningstar, em 2019 o fluxo global de recursos para fundos ESG foi de cerca de U$20 bilhões, aproximadamente quatro vezes maior do que em 2018 – um salto sem precedentes em uma série histórica que começa em 2009.

No entanto, no Brasil e no mundo, mesmo antes da onda atual, algumas empresas já traziam a sustentabilidade no centro do seu modelo de negócios, e já eram reconhecidas como líderes por especialistas da área. O relatório GlobeScan-SustainAbility sobre lideranças em sustentabilidade, publicado desde 1997, mostra claramente que empresas como Unilever, Patagonia, IKEA e Natura, no Brasil – todas atuando em segmentos mais próximos ao consumidor – permanecem como líderes em sustentabilidade ao longo dos anos. Mas, por que, em geral, as empresas do setor de consumo parecem ser mais ágeis para incorporar os aspectos ESG na sua estratégia corporativa? E como esse processo ocorre em setores que não estão diretamente conectados com o consumidor final, como os setores de energia e infraestrutura?

Dentre as forças que vêm do mercado e da sociedade, as que mais têm ajudado a acelerar a inserção de ESG na estratégia das empresas são as preferências dos consumidores e as mudanças de comportamento na sociedade em geral. Por exemplo, o recente movimento Black Lives Matter fez com que diversas empresas se manifestassem publicamente em apoio à causa, como foi o caso de Nike, Twitter e Nordstrom. Da mesma forma, tendências sociais, como a redução do consumo de carne vermelha ou a busca por produtos sustentáveis, têm feito com que empresas de alimentos, cosméticos e redes de supermercados assumam compromissos públicos com a sustentabilidade. Vale ressaltar que a internet e, mais especificamente, as redes sociais, permitem que o consumidor consiga rapidamente diferenciar o que é um compromisso verdadeiro com a sustentabilidade por parte da empresa. Acostumados a lidar com os consumidores finais, as empresas que atuam diretamente junto ao consumidor têm, em geral, maior capacidade de reação e acabam por transformar seus negócios por força de tais tendências.

Outro movimento importante são as pressões regulatórias, que incluem requerimentos de transparência e diretrizes ou normas de divulgação de riscos de ESG. As restrições regulatórias podem ser estabelecidas também através de limitações dos governos à atuação das empresas, por exemplo, estabelecendo níveis máximos de emissões de poluentes. No entanto, tais regras são diferentes entre os países e, na maioria das vezes, a regulação funciona como um espelho retrovisor e é uma resposta às pressões da própria sociedade – como é o caso da proibição de produção de carros com motores a combustão a partir de 2035 no Reino Unido, anunciada durante a COP26. Mesmo quando há regras definidas, muitas empresas estabelecem metas mais estritas do que as estabelecidas pelo regulador, como forma de atender a outros stakeholders – consumidores ou investidores.

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Nos setores de energia e infraestrutura, no entanto, a relação com o consumidor é bastante indireta. Além disso, trata-se de setores cujos investimentos perduram por períodos mais longos – por isso com maior inércia. Por força do nosso atual modelo regulatório, mesmo as distribuidoras de energia elétrica, que têm contato direto com o consumidor final, atuam em um modelo monopolístico, o que limita o poder de pressão dos consumidores sobre a empresa. Nesse cenário, não surpreende que empresas de energia e infraestrutra, de modo geral, demorem mais para transformar seus processos internos e para inserir de forma mais efetiva práticas ESG dentro de sua estratégia.

Por outro lado, a construção de uma infraestrutura – no sentido mais amplo – compatível com um futuro menos intensivo em carbono e com menor impacto socioambiental é uma condição mínima para a construção de um futuro sustentável. Mais importante: por se tratar de investimentos de longo prazo, que requerem grandes volumes de investimentos, é preciso iniciar hoje o planejamento e execução de projetos de infraestrutura verde, que estarão disponíveis a partir de 2025 – que incluem, entre outros, redes inteligentes, hubs de abastecimento para novos combustíveis, um novo sistema de mineração com menos impacto e uma logística mais eficiente. É essa infraestrutura que vai viabilizar o futuro. Ou seja, ainda que os setores mais próximos do consumidor sejam os primeiros a incorporar ESG em sua estratégia, são os setores de base, como infraestrutura e energia, que vão permitir que as novas e promissoras tecnologias virem, de fato, realidade.

No Brasil, esse movimento não é diferente, e as empresas de consumo foram as primeiras a se movimentar na direção ESG. A boa notícia é que no Brasil os investidores dos setores de energia e infraestrutura já estão atentos e, ao longo desse ano, a análise mais minuciosa por parte de acionistas e credores com relação à estratégia ESG dessas empresas aumentou significativamente. De forma indireta, através das demandas da sociedade e dos cotistas, gestores de fundos vêm exigindo das empresas dos setores de energia e infraestrutura maior transparência e, principalmente, uma estratégia ESG coerente com a sua atuação. Em pouco tempo, o mercado poderá identificar de forma mais clara quem são os players vencedores, e passará a premiar empresas que fizerem o dever de casa e que estiverem conectadas com o futuro em sua estratégia, de modo que corram menos riscos de terem seus investimentos e ativos “afundados” com a entrada de novas tecnologias.

Incorporar ESG à estratégia de uma empresa requer uma mudança profunda na cultura e nas mentalidades, e isso é difícil e leva tempo. Em setores de longo prazo, como energia e infraestrutura, esse processo de mudança pode demorar ainda mais. Portanto, é melhor começarmos agora, porque a tendência para um futuro mais sustentável está definida – e o tempo corre. Mas, se você é um gestor de empresas de energia e infraestrutura e nada desse debate sobre ESG fizer sentido para você, preocupe-se com o custo de capital.

Lavinia Hollanda é diretora executiva da Escopo Energia

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação. 

As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.

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