Opinião da Comunidade

Roberta Cox escreve: Macaé e as termelétricas do pré-sal na disputa pela água

Roberta Cox escreve: Macaé e as termelétricas do pré-sal na disputa pela água

Por Roberta Cox

Macaé encara o grande volume de gás associado à extração de petróleo em águas ultraprofundas como uma boa oportunidade para incrementar sua base industrial, principalmente porque a cidade conta com o Terminal de Cabiúnas para processamento de gás natural¹. Neste contexto, existem atualmente no município, 13 pedidos de outorga de água para termelétricas3. Destas, duas estão operando: Mário Lago e Norte Fluminense. As demais estão em fase de instalação ou planejamento.

O interesse de tantos projetos em se instalar na região se dá por diversos fatores, sendo o principal a disponibilidade de gás, com a possibilidade de utilização do gás do pré-sal, via gasoduto Rota 2. Aliado a isso temos mão-de-obra qualificada e abundante e infraestrutura de rodovias. Mas nem tudo são flores. Os pontos de conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN) que inicialmente eram vistos como infraestrutura existente e atrativa, já começam a configurar como gargalo, necessitando de construção de subestações e avaliação de alternativas3 por parte dos empreendedores. No licenciamento ambiental, destacam-se dois gargalos para as UTEs em Macaé (meio físico): água e qualidade do ar. Vamos aqui nos ater a discutir sobre a questão hídrica.

As termelétricas utilizam um grande volume de água em seu sistema de resfriamento de torres úmidas. Do percentual captado no rio, menos da metade retorna devido à perda por evaporação na torre de resfriamento5. Ou seja: o impacto no corpo hídrico é quantitativamente relevante.

Como agravante, verifica-se a baixa disponibilidade do rio Macaé, que já possui grande parte de seu volume comprometido por outorgas de água4. Além disso, o rio sofreu um processo de retificação que acarreta na formação de depósitos arenosos em seu leito durante períodos de seca², muitas vezes dificultando a captação e causando estresse à biota aquática.

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A população macaense esteve presente na audiência pública da UTE Nossa Senhora de Fátima em 2018 e questionou o uso de água pela térmica. Avaliou-se que a UTE já possuía o documento que precede a outorga: Certificado de Reserva de Disponibilidade Hídrica do INEA e seu ponto de captação era próximo à foz do rio, ou seja, sem conflitar com outros pontos de captação8. Após análise, o Ibama concedeu a licença prévia com torre úmida para Nossa Senhora de Fátima, porém a LP está condicionada à aplicação de um programa de compensação hídrica.9

Como solução tecnológica, existe a opção de utilizar resfriamento a ar – ACC (Air Cooled Condenser), que necessita de 90% menos água³. O sistema era preterido por empreendedores por apresentar redução de pouco mais de 1% na eficiência da planta e produzir mais ruído4.

Enquanto houvesse uma outorga de água concedida pelo INEA, o licenciamento ambiental nada poderia argumentar sobre a escassez de água, correto? Em parte…

Não foi bem assim que aconteceu no processo de licenciamento ambiental das termelétricas Jaci e Tupã, que sucedeu a UTE Nossa Senhora de Fátima. Jaci e Tupã estão previstas para se instalarem nas proximidades do Terminal de Cabiúnas, com geração de aproximadamente 2,7 GW5. As UTEs apresentaram como estimativa de captação de água 898 m³/h para Jaci e 2718,7 m³/h para Tupã, com retorno de menos de 50% para o rio na condição de efluente. Neste contexto de grande volume de água demandado e pouca disponibilidade hídrica, o órgão ambiental analisou os impactos que tal estresse hídrico geraria no meio ambiente. Como resultado, as licenças prévias saíram, porém, com uma condicionante específica para o empreendedor apresentar estudo de alternativa tecnológica para o resfriamento das usinas, como captação de água do mar ou utilização de ACC6,7.

Após este episódio, os dois projetos de térmicas que deram entrada no Ibama com instalação pretendida para Macaé, UTE Norte Fluminense 2 e UTE Litos, não apresentaram em seus projetos a utilização de torres úmidas, ao contrário, ambos planejaram suas plantas utilizando resfriamento a ar ACC.

Dessa forma, com planejamento, estudos prévios e utilização de alternativas tecnológicas, o licenciamento ambiental cumpre seu papel de instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, contribuindo para que o desenvolvimento seja sustentável. 

Roberta Cox é coordenadora de licenciamento ambiental de portos e estruturas marítimas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Referências:

1 – ESTIGARRIBA, J. Depois da decadência, Macaé quer deixar de ser só a “capital do petróleo”. Revista Exame. Ed. Abril. Outubro de 2019. – disponível em: <https://exame.com/negocios/depois-da-decadencia-macae-quer-deixar-de-ser-a-capital-do-petroleo/>

2 – ECOLOGUS, 2018. Estudo de Impacto Ambiental – EIA UTE Nossa Senhora de Fátima. Macaé, Rio de Janeiro. Ecologus Engenharia Consultiva, março, 2018.

3- OITI, 2020 . Estudo de Impacto Ambiental – EIA Usinas Termelétricas Litos. Macaé, Rio de Janeiro. Abril, 2020.

4 – ECOLOGUS, 2020. Estudo de Impacto Ambiental – EIA UTE Norte Fluminense 2. Macaé, Rio de Janeiro. Ecologus Engenharia Consultiva, fevereiro, 2020.

5 – ECOLOGY BRASIL, 2019. Estudo de Impacto Ambiental – EIA Usinas Termoelétricas (UTEs) Jaci e Tupã. Licenciamento ambiental Prévio. Macaé, Rio de Janeiro. Maio, 2019 – Rev 01.

6 – Licença Prévia (LP) Nº 613/2019 (5593603). Ibama, 27 de julho de 2019.

7 – Licença Prévia (LP) Nº 614/2019 (5593628). Ibama, 27 de julho de 2019.

8 – Parecer Técnico nº 53/2018-DENEF/COHID/CGTEF/DILIC, P.A. Número do Processo: 02001.102629/2017-65, 28 de outubro de 2018.

9 – Licença Prévia (LP) N° 589/2018 (3918680). Ibama, 03 de dezembro de 2018.

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação. 

As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.

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