A nova repactuação do GSF, nos termos da Lei 14.052/2020, já poderá ter seus reflexos nas demonstrações financeiras das geradoras hidrelétricas de 2020. A temporada de balanços começou oficialmente para o setor elétrico ontem, 9 de fevereiro, e ganhará força nos próximos dias. Mesmo sem a conclusão da regulamentação do tema do risco hidrológico, algumas empresas já devem contabilizar no exercício de 2020 as extensões de outorga a que terão direito ao fim do processo. A decisão será de cada uma, desde que avalizadas pelas suas auditorias independentes.
A lei em questão, que está sendo regulamentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), exclui do GSF o descolamento hídrico que não foi efetivamente causado por motivos relacionados à hidrologia, como a geração de termelétricas fora da ordem de mérito, atrasos em transmissão e na construção dos projetos hidrelétricos estruturantes, e importação de energia.
Esses valores serão calculados e transformados em extensão da outorga das hidrelétricas afetadas pelo GSF. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) apresentou, em outubro do ano passado, estimativas preliminares das extensões de outorgas, que somaram, em média, 500 dias. Trazidos a valor presente líquido, as extensões de outorga somavam R$ 8,7 bilhões para todas as hidrelétricas do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE).
Para chegar a esses prazos, a CCEE considerou os valores expurgados do GSF, levado a valor futuro com uma taxa de desconto estabelecida pela Aneel. Quando a consulta pública sobre o assunto foi encerrada, algumas das premissas foram alteradas, e agora a CCEE está refinando os cálculos, que devem ser devolvidos de forma definitiva ao regulador até março. Depois disso, a Aneel vai publicar uma resolução homologatória informando o prazo da extensão da outorga de cada usina do MRE, bem como os valores financeiros apurados.
Os agentes, a partir daí, poderão solicitar a compensação, que estará condicionada à desistência de ações judiciais relacionadas ao GSF, que travam bilhões no mercado de curto prazo.
Alguns agentes, contudo, já iniciaram os ritos de governança para desistir das ações na Justiça e acertar os passivos com a CCEE. É o caso da AES Tietê, que optou por antecipar o pagamento do débito e desembolsou R$ 1,3 bilhão. O montante, somado aos R$ 700 milhões que a companhia tinha em créditos no mercado de curto prazo, liberou R$ 2 bilhões na liquidação das operações de novembro, concluída no início de janeiro. Ontem, foi a vez da CTG seguir o mesmo movimento e antecipar o pagamento dos débitos.
A partir desses movimentos, as principais auditorias começaram a debater com o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) se a contabilização desses novos ativos – as extensões de outorga – poderiam ser feitas nos balanços de 2020, ou precisariam aguardar a homologação dos prazos pela Aneel, adiando o registro para este ano. Não houve uma orientação final.
“Precisamos preservar a uniformidade e o consenso, e considerar todas as possibilidade em termos de normas e regulamentos”, disse Carla Bellangero, diretora Técnica da Diretoria Nacional do Ibracon. Segundo a especialista, não há uma norma da contabilidade para o registro desses ativos, já que é uma tema muito específico e que requer julgamento e interpretação da literatura técnica.
A Associação Brasileira dos Contadores do Setor de Energia Elétrica (Abraconee), que representa os contadores das empresas de capital aberto de energia, também participa das conversas, e preparou uma opinião de um especialista independente para balizar o debate.
“Precisamos preservar a uniformidade, o consenso, e considerar todas as possibilidades em termos de normas e regulamentos”, disse Bellangero. Segundo ela, um dos pontos de discussão era referente ao momento em que o ativo deve ser registrado, já que será o reembolso, por meio de outorga, de um custo incorrido indevidamente no passado.
A especialista admite que dificilmente haverá unanimidade sobre um assunto como esse, mas as demonstrações financeiras precisam retratar os fatos da companhia. “O cuidado que temos que ter é para sermos fidedignos aos fatos considerados”, disse.
A contabilização dos ativos, por fim, depende em grande parte dos processos decisórios das companhias, que passam pelos ritos de governança necessários até que seja obtida a aprovação dos respectivos conselhos de administração. Segundo Bellangero, caso os ativos sejam contabilizados nos balanços de 2020, a divulgação precisa ser muito transparente.
Saiba mais acessando as análises Lei nº 14.052 de 2020 – Judicialização do GSF e Consulta pública nº 56/2020 – Regulamentação da Lei nº 14.052/2020, preparadas pela MegaWhat Consultoria.