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Semana da Mulher MW | Entrevista com Elisa Bastos, diretora da Aneel

Elisa Bastos esteve à frente de assuntos importantes discutidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para o setor elétrico em 2020, como a estruturação da Conta-Covid e a solução para a repactuação do risco hidrológico pelas geradoras. Para 2021, a diretora da agência reguladora ainda vai enfrentar a relatoria da regulamentação das usinas híbridas.

Com a relevância desses temas, Bastos considera a sua rotina como instigante e desafiadora, o que leva a sua percepção de conquista no sentido de dever cumprido, a cada reunião de diretoria.

Confira abaixo a íntegra da entrevista realizada com Elisa Bastos, diretora da Aneel:

MegaWhat: Como você começou no setor?

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Elisa Bastos: Bom, eu tenho uma relação muito próxima com o setor elétrico desde a minha infância, porque o meu pai, ele fez toda a sua carreira como engenheiro eletricista na Celg, que hoje é a Enel Distribuição Goiás, e foi justamente lá que eu tive o meu primeiro contato profissional com o setor elétrico. Essa experiência fez o meu interesse pelo setor aumentar e aí eu aprofundei os meus estudos em leilão de energia elétrica, no mestrado e no doutorado. Depois atuei no Ministério de Minas e Energia e agora eu estou aqui na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

MW: Quais as principais conquistas da sua carreira?

EB: Acredito muito no aprendizado que a gente tem ao longo das jornadas e que a gente pode também deixar como legado por onde a gente passa. Por isso, considero que a principal conquista da minha carreira, até agora, é exatamente a oportunidade que eu tenho tido de colaborar para o fortalecimento da agência e para o desenvolvimento do setor elétrico, de conseguir ver avançar essas pautas importantes, como a questão do GSF ou a própria regulação das usinas híbridas. E a minha percepção de conquista vai no sentido de dever cumprido, de construção coletiva, fundamentada na melhor técnica e também no trabalho em equipe. Então, acho que resumindo, as minhas conquistas são diárias: a cada reunião pública eu consigo atingir uma conquista, e é com dedicação e aprendizado em cada processo que elas vêm.

MW: Tem alguém que te inspira/inspirou nessa trajetória?

EB: Sim, meus pais me inspiram sempre. Acho que pela conduta ética que eles sempre tiveram…eles sempre me ensinaram a me dedicar ao máximo e que também não existe atalho; que a maior dignificação vem por meio do trabalho, de um trabalho bem feito, de oferecer o melhor de si em qualquer atividade que a gente faça. Então, percebo muito da minha trajetória conectada a esses ensinamentos e exemplos dos meus pais.

MW: E hoje, como é estar à frente de um cargo de diretoria? 

EB: É extremamente instigante e não existe tédio. O setor de energia é um sistema complexo e estar à frente de um cargo de diretoria exige muita dedicação, muita atenção, muita articulação, bastante estudo. Acho que ser diretora da Aneel é apaixonante e tem inúmeros desafios. A gente, por exemplo, se orgulha muito de falar do excelente corpo técnico que a agência tem, mas a gente pouco fala do grande desafio que é os servidores sobrecarregados com a crescente demanda, em um quadro tão enxuto. Além desses aspectos de recursos humanos como desafio, a gente sempre tem questões setoriais para resolver, sejam problemas existentes ou pautas propositivas que a gente tem que pensar em investir para inovar o setor.

MW: Qual foi a sua principal colaboração para o setor? 

EB: Ah, foram muitas! Tenho muita satisfação de ter contribuído com os leilões do setor elétrico ainda quando eu estava no MME, a sessão do leilão é sempre uma festa, mas não são todos que sabem que a realização de um leilão é uma tarefa contínua, e que aqueles leilões que ocorrem no final de um ano, eles começam a ser planejados no ano anterior. Eu me dedicava bastante aos leilões, e tenho uma quedinha aos leilões de energia, mas se a gente for falar mais recentemente, eu pude conduzir o trabalho de regulamentação tanto da Conta-Covid e do GSF. Foram dois grandes processos que vieram no sentido de trazer soluções para esses problemas que poderiam comprometer toda a cadeia do setor elétrico. E eu ainda estou muito animada como relatora do processo de regulamentação das usinas híbridas, que é algo inovador e importante para o sistema, porque vem aí oportunizar ao setor elétrico brasileiro um ganho de potencial e de eficiência e custos. Mas acho que se eu fosse citar dos mais recentes, seriam a Conta-Covid e o GSF.

MW: Como é ser mulher num ambiente tão masculino?

EB: Acho que essa pergunta já revela o grande desafio das mulheres em setores masculinos, que é justamente sair da condição de exceção. A grande questão ainda é o desequilíbrio de participação entre homens e mulheres no setor, mas aos poucos isso vem mudando, e hoje não é mais incomum a gente ter reuniões compostas majoritariamente por pessoas do sexo feminino. Outro dia mesmo tive algumas reuniões e tive uma experiência em que 100% das pessoas eram mulheres numa sala de reunião para tratar de um processo administrativo. Então, o que a gente precisa é assumir um compromisso com essa mudança para tentar diminuir a assimetria de participação entre homens e mulheres no mercado de trabalho como um todo.

MW: A luta por igualdade de cargos e salários ainda é uma realidade para mulheres no setor?

ES: Olha, a luta por igualdade de cargos e salários ainda é uma realidade para as mulheres no mundo, em todos os setores. Acho que a pandemia atingiu em cheio o mercado de trabalho e, de novo, as mulheres tiveram o pior resultado. Claro que no Brasil, quando a gente fala de serviço público, como é o caso aqui na Aneel, a gente afasta essa afirmação no que diz respeito à paridade salarial – porque aqui a gente está falando de concurso público -, mas se falamos da quantidade de mulheres no serviço público em cargos de liderança, a gente consegue observar que a gente está muito longe do ideal.

MW: Em 2021, o seu trabalho deve estar pautado em cima de quais discussões? 

  ES: Bem, o último ano, ele foi muito desafiador para todos os setores da economia e trouxe uma série de novas demandas para o setor elétrico, sem sombra de dúvidas. Em 2021, ainda estamos enfrentando esses efeitos da pandemia, e existe uma preocupação imediata da agência com as escaladas das tarifas. Nesse momento, diante de todo esse contexto, estamos dedicados em equacionar essas pautas voltadas para questão tarifária, mas entendo que é fundamental para o setor também avançar na pauta modernização…é essencial a gente conseguir reavaliar o modelo e encaminhar essas soluções para os problemas estruturais, que já vinham causando desequilíbrio mesmo antes da pandemia. A gente tem aí uma agenda importante para o setor, que está enunciada até no próprio PL 232, que precisa avançar para que o setor se mantenha aí nos trilhos. Acho que focada nisso, e aí já dizendo no âmbito da regulação, a gente deve avançar no aperfeiçoamento das regras do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), acompanhar os resultados da solução GSF – que vai destravar o mercado de curto prazo, sem sombra de dúvidas – e aprimorar os aspectos para a abertura de mercado do mercado livre. São temas que estão alinhados à modernização – que eu considero uma pauta relevante – e eu espero de fato que em 2021 a gente possa dar passos largos nessas soluções estruturais e de governança no setor elético.