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Semana da Mulher MW | Heloísa Borges, diretora da EPE

Heloísa Borges, diretora de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na diretoria da estatal de estudos energéticos. Em sua passagem pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), também foi por muito tempo a única superintendente de área fim da autarquia. 

Interessada pelo serviço público e pela área de energia desde criança, liderou o processo de estruturação das rodadas de licitação da ANP, das quais tem muito orgulho, bem como de ter construído uma família conciliando com a sua carreira acadêmica e profissional.

Confira a íntegra da entrevista com a executiva da EPE:

MegaWhat: Como você começou no setor?

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 Heloísa Borges: Eu comecei até antes de entrar na faculdade, porque meu pai já trabalhava na área de energia e quando começaram as privatizações do setor elétrico ele me subcontratava para ajudá-lo a digitar relatório, fazer pesquisa – isso quando estava no segundo grau. Então, quando eu entrei na faculdade – e eu fiz duas graduações ao mesmo tempo, Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ambas tinham disciplinas voltadas para área de energia, tema que já me interessava. E desde o início tentei sair do tema, porque eu acho que é muito chavão ser da indústria que seus pais já trabalhavam…ainda tentei fugir, tentei buscar outros interesses, mas já havia sido fisgada pela indústria de energia.

Desde a faculdade fui me especializando, fazendo disciplinas especificas sobre isso, estagiei na Ipiranga, por exemplo, depois fui assistente de pesquisa no grupo de economia da energia UFRJ, e aí já me encantei. Não sei se o setor me escolheu, se eu o escolhi, mas nunca quis fazer outra coisa da vida, não. Minha trajetória profissional sempre foi na área de energia: meu primeiro emprego no setor público foi em Furnas, fui concursada, funcionária e depois eu passei no concurso da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e agora estou na Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

MW: Quais as principais conquistas da sua carreira?

HB: Acho que cada conquista, no momento que você consegue, é a principal. E o que me inspira é buscar me superar: sempre acho que o próximo desafio tem que ser melhor, para a gente ir com brilho nos olhos.

Mas a minha principal conquista foi ter construído uma carreira no mérito técnico, nesse reconhecimento, mas no equilíbrio – nem sempre tão equilibrado – de galgar os rumos acadêmicos que eu gostaria de ter galgado, e ao mesmo tempo construir uma família. Tenho dois filhos lindos, que não são conquistas da minha carreira, mas acho que uma conquista da minha carreira é ter equilibrado a maternidade com as minhas ambições profissionais.

E, mais recentemente, eu diria que uma conquista muito grande para mim foi estar cada vez mais abrindo espaço para as mulheres no setor. Durante algum tempo eu fui a única superintendente de área fim da ANP – se você olhar agora já tem várias – a primeira diretora da EPE, e essa é uma conquista da qual eu me orgulho profundamente, porque eu acho que enquanto líder a gente também tem uma obrigação de abrir caminhos, de colocar escada para todo mundo subir junto com a gente.

MW: Tem alguém que te inspira/inspirou nessa trajetória?

HB: Tenho dificuldade em identificar uma pessoa, mas correndo o absoluto risco de cair no lugar comum, vou falar dos meus pais. Por dois motivos: o meu pai já trabalhava na indústria de energia e era funcionário público…então esse espírito que eu acho que todo o funcionário público tem, eu já tenho desde pequena. Eu brincava de ser funcionária pública, e eu brincava disso quando era pequena, pela minha admiração dessas milhares de peças dessa engrenagem que é a administração pública. Minha mãe era pesquisadora universitária, e eu peguei dela e de todas as mulheres da minha família, o exemplo de mulheres fortes. Quem conhece a minha família e as minhas irmãs, a minha mãe, vê que é uma família de mulheres fortes. Acho que isso é muito importante para a gente e faz muita diferença, porque desde pequeno você aprende que não precisa ter medo das coisas, que você pode ser tudo o que você que quiser. E a liderança das pessoas famosas, as figuras públicas, sem dúvida nenhuma inspiram, mas o exemplo doméstico, de ter mulheres fortes na sua vida pessoal eu acho que é fundamental para a gente crescer com aquela certeza que você pode ser tudo aquilo que você quiser.

MW: E hoje, como é estar à frente de um cargo de diretoria? 

HB: Desafiador. Cada posição na trajetória profissional ela é sempre uma novidade. Acho que o cargo de diretoria me ensina muita coisa: ele me ensina a delegar mais, a pensar em um outro nível, porque sempre fui uma pessoa de por a mão na massa. Queria fazer as coisas, e na minha vida profissional, conforme você vai assumindo posições de liderança, uma coisa que te ensina é que você tem que aprender a delegar e confiar, e para quem é perfeccionista é muito difícil. Então, o cargo de diretoria me traz o desafio de gerir cada vez mais pessoas, me traz uma responsabilidade com muito mais gente. Um desafio é esse senso de responsabilidade cada vez maior, mas por outro lado, ele te gera uma obrigação de inspirar as pessoas, porque você tem que dar um Norte.

Acho que num cargo de diretoria, ou nas funções dos níveis mais estratégicos de qualquer organização, você não precisa ser o especialista em tudo, mas você precisa ser a pessoa que consegue inspirar a equipe e dar os rumos. Acho que esse é o meu maior desafio, mas também a minha maior diversão.

MW: Qual foi a sua principal colaboração para o setor? 

HB: As principais conquistas recentes, sem dúvida nenhuma, foram as rodadas de licitação da ANP, porque eram projetos desafiadores, com cronogramas desafiadores, equipes pequenas, e exigiam uma capacidade de pensar diferente, de pensar em como melhorar no serviço púbico. Me orgulho muito de ter liderado esse processo e delas eu destaco a oferta permanente, porque é uma modalidade de licitação diferente e a gente conseguiu pensar numa coisa original, fora da caixa, e implementar. Fiquei particularmente feliz em ter participado desse início e ter visto dar certo.

MW: Como é ser mulher num ambiente tão masculino?

HB: Não é fácil. Eu disse que venho de uma família de mulheres fortes e durante muito tempo isso era visto como uma pecha negativa, como mandona. Então, como mulher, você aprender a lidar, a ter que brigar mais pelo seu espaço, e eu sempre tive aquela sensação de que eu tinha que alcançar mais. Busquei por muito tempo que eu precisava ser a pessoa mais qualificada daquela mesa, tinha a sensação de que eu precisava dominar plenamente tudo aquilo para ter o meu espaço, e isso é muito difícil. Isso é uma barra que a gente se impõe muito desafiadora.

A gente ter que lidar com olhares condescendentes, olhares preconceituosos, situações desagradáveis, comentários machistas, isso é muito ruim. A gente aprende a lidar com isso, mas é uma luta, e conforme a gente vai conquistando o nosso espaço é claro que a situação melhora. A Heloísa que começou na carreira com 22, 23 anos de idade tinha outro nível de maturidade, e eu era tratada como uma menina, e acho que foi isso que sempre me incomodou muito, que esse mesmo tratamento não era dedicado aos meus pares homens no mesmo nível de experiência, ou na mesma faixa etária. Depois aprendi a lidar com isso, mas a dificuldade é que se você não aprende a lidar, com o tempo aquilo vai te topando, você deixa as pessoas te convencerem de que você não é bom.

MW: A luta por igualdade de cargos e salários ainda é uma realidade para mulheres no setor? 

HB: Ainda é uma realidade no setor de energia. Melhorou, não vou dizer que está igual há 20 anos, mas melhorou. O fato de a gente ter que falar disso mostra que tem um caminho a avançar. O fato que a gente precisa que muitas vezes alguém te reconheça, ou que um homem vire em uma reunião e fale, “peraí, deixa a Helô falar”. Até hoje isso acontece. Isso demonstra, nas pequenas coisas, nos pequenos vieses, nos pequenos e grandes, que a gente tem que avançar. Sinto um tremendo orgulho da empresa onde trabalho por ter conseguido uma igualdade de gênero na diretoria, por exemplo, e sinto um tremendo orgulho quando vejo meu filho, que é adolescente, estudando na escola questões de igualdade de gênero e raça, que não foi um ponto colocado para mim quando estava no ensino fundamental. Então, a gente vem avançando como sociedade, mas a gente precisa avançar mais.

MW: Em 2021, o seu trabalho deve estar pautado em cima de quais discussões? 

HB: Na EPE, a minha diretoria é responsável por petróleo, gás e biocombustíveis, mas a gente desenvolveu para 2021 quatro eixos principais de atuação e para cada um deles nós criamos lemas norteadores. Para o gás natural, o tema para esse ano vai ser “Em busca da demanda do gás”. Se até 2020 a gente se esforçou muito para mostrar o potencial brasileiro do gás natural e como a gente monetiza esse potencial, neste ano, o nosso grande esforço vai ser para identificar a demanda potencial e como a gente faz para incentivar e potencializar essa demanda no mercado de gás natural que a gente quer.

No caso do E&P [Exploração e Produção], a gente apelidou de “Desbravando o potencial dos hidrocarbonetos” e a gente vai ter um grande trabalho de estudo na EPE que é o zoneamento de recursos. A gente vai ter um grande trabalho nas bacias de novas fronteiras, que são as bacias onde a gente tem o menor conhecimento e muitas vezes a gente imagina que determinada localidade tem baixo potencial, mas o baixo potencial está conectado a uma falta de informação. E a gente, como empresa de estudos, tem um papel fundamental para trazer mais luz e mais informações e desbravar esse potencial.

No abastecimento, a gente vai buscar o “Futuro do abastecimento nacional”, que é olhar o futuro do refino e do nosso mercado de abastecimento, um setor cada vez mais competitivo, cada vez mais aberto e dinâmico. E quando a gente pensa no futuro do refino: se são refinarias modulares, complexos energéticos, biorefinarias…a gente vai tentar trazer vários temas que na nossa visão levam o abastecimento nacional para o futuro que a gente está desenhando, e que a gente deseja enquanto país.

E para finalizar, nos biocombustíveis, o nosso lema desse ano é “Ampliando a fronteira dos biocombustíveis”. A gente vai avançar nas discussões do diesel verde, etanol de segunda geração, biogás, pensando em expandir as fronteiras do nosso setor de biocombustíveis com a certeza que a EPE tem de que os biocombustíveis são uma das principais fortalezas bioenergéticas do país.

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