O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) vai apresentar ao governo uma proposta de um programa voluntário de redução de consumo de energia voltado para consumidores residenciais, com incentivo via desconto do adicional das bandeiras tarifárias e penalidades para aqueles que não cumprirem as metas definidas. O plano foi apresentado nesta terça-feira, 24 de agosto, em evento virtual realizado pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS) para jornalistas.
Segundo Clauber Leite, coordenador do programa de energia e sustentabilidade do Idec, o plano tem o potencial de economizar até 9% do consumo residencial do país, o que representa 3% do consumo de energia total brasileiro.
“Vemos o risco crescente de racionamento e que, se nada for feito e o ritmo de avanço de consumo continuar, com a retomada do crescimento econômico, e não houver chuvas até o fim do ano, o racionamento será inevitável”, disse Leite. Para o especialista, não há espaço para aumento de geração a custo razoável, e a redução de consumo de energia é a única forma de combater a crise sem causar um aumento ainda mais expressivo do custo da energia.
A proposta prevê o que Leite chamou de “ressignificação do sistema de bandeiras”. As bandeiras tarifárias, atualmente, servem para antecipar receita às distribuidoras, mas o especialista defende que elas também sinalizem aos consumidores a redução de demanda. Por isso, o incentivo para aqueles que cumpram as metas de redução de consumo se dará por meio de um desconto de 20% no adicional cobrado da bandeira tarifária vigente. Hoje, está vigente a bandeira vermelha patamar 2, que cobra R$ 9,49 adicionais para cada 100 kWh consumidos.
O Idec separou os consumidores em faixas. Os de baixa renda e com consumo de até 100 kWh por mês não terão metas de redução. Para cargas de 101 MWh a 200 MWh por mês, a meta é de redução de 5%. De 201 kWh a 500 KWh por mês, a meta será de 10%. Acima de 500 kWh por mês, a meta é de redução de 25%. As metas terão sempre como referência o consumo apurado em 2020.
“O efeito global disso seria uma redução no consumo e, paralelamente, haveria também uma redução no total arrecadado pela conta de bandeiras tarifárias também. Por isso, é preciso colocar a penalização, para que a conta não fique desfalcada”, explicou Leite.
Ele não explicou qual seria a penalidade nem a forma de cobrança, mas destacou que ela é necessária para que os custos que a conta de bandeiras cobre (como a geração das termelétricas mais caras) não sejam diferidos para o próximo ano, quando as tarifas já devem ter pressão de alta.
A proposta prevê também aportes do Tesouro para que os consumidores de baixa renda possam ter acesso ao desconto na bandeira tarifária mesmo sem a contrapartida da redução de consumo.
“A bonificação junto com uma penalização vem de uma tentativa de tentar equacionar isso sem aumentar os custos que serão pagos pelo consumidor. A não ser que o governo venha com uma proposta de bonificação custeada pelo Tesouro, no final das contas, ela vai acabar sendo paga pelo consumidor. O bloco que já está bastante inflado vai continuar crescendo”, disse Amanda Ohara, consultora do Instituto Clima e Sociedade.
A expectativa do Idec é refinar os números da proposta e das simulações feitas e apresentá-los à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda nesta semana. Recentemente, a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg) orientou o governo a buscar alternativas para um programa de incentivo à redução voluntária da demanda voltado para consumidores residenciais, depois que um programa do tipo, mas para grandes consumidores de energia, foi lançado.
Ontem, 23 de agosto, foram divulgadas as diretrizes desse programa voltado aos grandes consumidores de energia, que terão incentivo para deslocar o consumo dos horários de ponta, evitando, assim, riscos de blecautes pontuais.
“Estamos tratando de um problema que é a redução da demanda para atendimento da ponta do sistema. Essa portaria do Ministério de Minas e Energia atende isso ao deslocar o consumo dos horários que o ONS vai previamente definir, o que contribui com o pico. Por outro lado, não aborda a questão que leva ao racionamento, que é a falta de água nos reservatórios”, disse Ricardo Lima, sócio-diretor da Tempo Presente Consultoria em Energia e membro da Diretoria de Energia da Fiesp.
Outro ponto levantado por Lima é que o programa apresentado continua deixando o consumidor cativo sem alternativas. “O cativo não tem escolha e vai pagar a conta”, disse, completando que, “a energia mais cara não é a que a gente não tem, mas aquela que o consumidor não pode pagar.”
Para Leite, as propostas apresentadas também carecem de informações importantes, como o quanto isso vai contribuir de fato para a redução da demanda. “A crítica que fazemos é que, se não se coloca uma meta, e é uma redução voluntária, qual o compromisso se tem com ela? Dificilmente haverá algum tipo de impacto pelo fato de não ter sido estabelecida uma meta e ser algo voluntário”, disse.
“Temos uma situação grave e precisamos lidar com isso com clareza e transparência. Sem negar, por falta de coragem e medo de eleição, e fingir que está tudo bem”, disse Ohara.