Estagnado em relação a medidas de eficiência energética, o Brasil deixa na mesa um grande potencial que poderia ajudar a combater a crise hídrica atual, reduzir os custos e ajudar na competitividade do país. A opinião é de especialistas que conduziram um estudo sobre o tema, coordenado pelo Instituto Clima e Sociedade.
Apenas a implementação de uma periodicidade adequada da revisão dos padrões de eficiência energética de geladeiras e aparelhos de ar-condicionado resultaria numa economia de cerca de 1,4 MW médios, equivalentes a 25,3% dos 5,5 MW médios estimados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) como necessários para evitar um racionamento nos próximos meses.
“Consideramos em nossas contas uma comparação com um cenário em que as revisões dos padrões de eficiência tivessem sido feitas de forma adequada, em torno de a cada cinco anos, práticas que vemos em outros países”, disse Kamyla Borges, coordenadora da iniciativa de eficiência energética do Instituto Clima e Sociedade, em apresentação dos dados feita à imprensa.
Segundo a especialista, a última revisão aconteceu em 2018 e foi praticamente nula, quando a revisão mais recente tinha sido em 2006. “Os fabricantes de equipamentos domésticos que têm matrizes no exterior não vendem lá fora nada no padrão brasileiro. Não vendem nem geladeira nem ar condicionado na Europa e nos Estados Unidos de jeito nenhum”, disse Luiz Barata, ex-diretor-geral do ONS e consultor do portfólio de energia do instituto.
As comparações com a situação vivida em 2001 e 2002 são inevitáveis. Na época, a implementação de medidas de eficiência energética, como as trocas de luminárias incandescentes por lâmpadas frias. O selo Procel de eficiência energética se tornou uma referência nacional, ajudando na troca de eletromésticos por aparelhos mais eficientes no consumo de energia.
“Hoje, tudo já está ultrapassado, como esses aparelhos que estão em todas as residências”, disse Barata. Segundo ele, trata-se de uma questão cultural no país. “Daí a importância dessa campanha. Ao invés de só conclamar novos sistemas de geração, é preciso mudar a forma de consumir”, completou. Atualmente, há campanhas de incentivo à redução de consumo de energia, mas os especialistas avaliam que medidas concretas de eficiência energética ainda são necessárias.
O cenário descrito pelos especialistas tem reflexos em números que medem a variação da intensidade energética – ou seja, quanta energia é demandada para produzir a mesma riqueza. Segundo um estudo de 2018 do Conselho Americano para uma Economia Eficiente em Energia (ACEEE, na sigla em inglês), entre 2010 e 2015, a intensidade energética do Brasil subiu 6,2%. Isso significa que o país passou a precisar de mais energia para gerar a mesma riqueza, na contratação de outros países como México (queda de 6,9%), Estados Unidos (-10,9%), Índia (-11,6%) e China (-22,1%).
Prioridade na eficiência energética
O estudo avalia que o governo está deixando de privilegiar medidas de eficiência energética cujos resultados seriam sentidos muito antes da entrada das termelétricas que serão contratadas no leilão de reserva de capacidade marcado para dezembro deste ano, com entrada em operação em 2026 e 2027.
“Algumas medidas de eficiência energética de fato levam um tempo maior, porque tratam da implementação de novas regulamentações, mas algumas podemos fazer rapidamente e com certeza em prazos menores que os da implementação de novos projetos. O mais importante é sair do discurso e partir para a implementação”, disse Barata.
Entre as medidas sugeridas pelo estudo está a realização de um leilão de eficiência energética, primeiramente em Roraima, com potencial de economia anual de 4 MW médios e redução de R$ 26 milhões ao ano na conta do contribuinte. Também podem ser implementados programas de eficiência energética prioritários em hospitais, que levariam a uma economia de 2 mil GWh por ano, o que equivale a aproximadamente 5% da geração de energia média anual de Belo Monte.
Planos municipais de eficiência energética também poderiam ajudar de forma considerável. O instituto fez uma simulação em Florianópolis, Santa Catarina, que apontou para uma economia mínima de 10% de energia e R$ 620 mil a mais no orçamento municipal, considerando eficiência energética e a instalação de renováveis nas edificações residenciais e comerciais no município.
Horário de verão
A retomada do horário de verão é outra pauta defendida pelos especialistas. Segundo os cálculos, que foram feitos pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o adiantamento em uma hora dos relógios do país iria ajudar a reduzir de 2% a 3% do consumo de energia nos horários de pico.
O cálculo, que leva em conta dados do consumo de energia no período de novembro de 2020 a fevereiro de 2021 apurado pela Empresa de Planejamento Energético (EPE), estima que o horário de verão traria uma economia de entre 2.500 GWh e 3.800 GWh caso tivesse sido adotado no último verão nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
O horário de verão foi cancelado pelo governo em 2019, diante da redução da sua efetividade pelo deslocamento do horário de pico de consumo, que antes era no início da noite e passou a ser durante a tarde, por conta das elevadas temperaturas e do uso cada vez maior de refrigeradores de ar – os mesmos que não tiveram os critérios de eficiência atualizados em praticamente 15 anos.
“Um dos argumentos que usaram para acabar com o horário de verão é que antes ele resultava na economia de R$ 400 milhões e passou a economizar R$ 100 milhões. Isso é tão pouco que não vale a pena? É possível que esse número tenha aumentado, qualquer economia que se faça é positiva”, disse Barata.
O especialista, contudo, não aposta na retomada do horário de verão neste ano, apesar da severa crise hídrica enfrentada. Segundo ele, a mudança é complexa pois envolve o mundo todo, mexe com horários de transportes, por exemplo.