Sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de 2021, o novo marco legal do câmbio (Lei 14.286/2021) pode estimular o desenvolvimento de novos modelos de contrato de compra e venda de energia elétrica firmados em dólar e de produtos financeiros relacionados ao setor elétrico no mercado brasileiro, segundo especialistas ouvidos pela MegaWhat. A BBCE, que iniciou a negociação de derivativos de energia há um ano, entende que a nova norma pode estimular o lançamento de novos produtos específicos na plataforma eletrônica.
“Vejo com bons olhos essa medida. Ela abre perspectiva para novos produtos, como derivativos já em dólar”, afirmou o presidente da BBCE, Carlos Ratto, à MegaWhat. Segundo ele, a autorização que a BBCE possui da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permite a criação de produtos do tipo.
O novo marco legal coincide com o plano de lançamento de uma nova plataforma digital da BBCE, que abrirá a possibilidade de negociação de vários tipos de produto, como gás natural, certificados de energia renovável (I-RECs) e créditos de carbono. “Este é um ano de virada na questão tecnológica da BBCE”, completou Ratto, lembrando que a empresa completa dez anos em 2022.
PPAs em dólar
O novo marco legal do câmbio basicamente quebra um tabu no setor elétrico brasileiro sobre a viabilidade de contratos de compra e venda de energia de longo prazo (PPAs, na sigla em inglês) específicos em dólar. O tema chegou a ser estudado pelo governo em 2016, a partir de uma proposta da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mas não houve avanço na ocasião.
Para advogados especializados no setor elétrico, o novo marco legal elimina o risco jurídico que havia na formalização desse tipo de contrato. “Era algo que o setor já buscava havia um tempo. O setor buscava ter um pouco mais de segurança jurídica nos PPAs em dólar. E agora, de fato, a lei permitiu, não só para o setor elétrico. Mas o setor elétrico é onde vemos mais claramente esse tipo de contrato sendo celebrado, entre um concessionário e um exportador”, afirma Pablo Sorj, sócio especializado em Infraestrutura e Energia, Financiamentos e Dívida do escritório Mattos Filho.
Para Fabiano Brito, sócio especializado em Infraestrutura e Energia do Mattos Filho, a nova lei abre o mercado brasileiro para novas fontes de financiamento. “Fazer essa transição para começar a ter um mercado internacional sendo acessado, seja diretamente pelos agentes, seja indiretamente pelas instituições financeiras, vai ser uma evolução muito importante para a próxima fase do setor elétrico”, afirmou.
Investidores
Livia Amorim, sócia da área de Energia do Souto Correa Advogados, acredita que o novo marco legal vai estimular a participação de novos investidores estrangeiros no mercado de energia elétrica brasileiro. “A lei permite uma estrutura mais simples para viabilizar PPAs em dólar”.
Na mesma linha, David Barmak, sócio da comercializadora Tempo Energia, acredita que a nova lei vai aumentar o interesse por parte de investidores. “Isso traz previsibilidade. E qualquer coisa que traga previsibilidade, diminui incertezas e aumenta o apetite de investidores”, explicou.
O presidente da PSR, Luiz Augusto Barroso, que comandava a EPE na época em que foi proposto o estudo relativo a contratos de compra e venda de energia em dólar, a nova lei é um avanço, mas ainda há dúvidas sobre as características do comprador de energia.
“Ainda há bastante coisa a definir, como o próprio conceito de ‘exportadores’, o que pode trazer mais incertezas sobre quais devem ser as características do comprador de energia apto a celebrar contrato com pagamento em moeda estrangeira, ou seja, se 100% de sua produção deve ser destinada à exportação ou se a exportação de qualquer percentual já seria suficiente para a qualificação como ‘exportador’, e como comprovar isso”, explicou o executivo.
Com relação à possibilidade de aplicação de PPAs em dólar no mercado regulado, o especialista explica que seria necessário um estudo maior sobre o tema, já que o consumidor cativo, que não teria como fazer hedge, ficaria exposto em um cenário de oscilação do câmbio. “Portanto, essa alocação de risco precisa ser muito bem pensada”, completou ele.
(foto: Marcelo Casal / Agência Brasil)