Mercado Livre

Aneel sugere abertura gradual do mercado livre e aponta necessidade de melhorias em regras

Consumo de energia
Consumo de energia | Luis Tosta (Unsplash)

A abertura do mercado livre de energia para todos os consumidores deve ser feita de forma gradual a partir de 2024, após campanhas de esclarecimento e conscientização dos consumidores, e da implementação de novas regras que tratem dos contratos legados das distribuidoras e de subsídios, entre outras questões.

O assunto foi objeto de uma nota técnica assinada por Júlio César Rezende Ferraz, superintendente de Regulação Econômica e Estudos do Mercado da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). 

Uma portaria de 2019 tinha colocado janeiro de 2022 como prazo limite para que a Aneel e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) apresentassem estudos indicando as medidas necessárias para abertura do mercado livre a partir de 2024 para consumidores com carga inferior a 500 kW. O documento foi publicado ontem, 31 de janeiro.

A nota técnica da Aneel discute principalmente os pontos levantados durante tomada de subsídio realizada sobre o tema, quando agentes do setor apresentaram suas contribuições.

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Subsídios

Um dos pontos levantados foi sobre o tratamento dado aos consumidores cativos que têm subsídios na tarifa e queiram migrar para o mercado livre, como por exemplo os beneficiados pela Tarifa Social de Energia Elétrica. As contribuições dos agentes apontam que aqueles que optem pela migração devam renunciar ao desconto na parcela da tarifa de energia, mantendo o subsídio apenas vinculado à tarifa fio.

Além disso, um consumidor cativo que decida migrar ao mercado livre deverá optar por apenas um desconto, como o atrelado ao subsídio tarifário ou o desconto na tarifa por compra de energia de fonte incentivada, por exemplo.

Já os consumidores inseridos no Sistema de Compensação de Energia Elétrica – aqueles com instalações de geração distribuída – também teriam que optar pela migração ou a manutenção no sistema. As contribuições da Abradee, associação das distribuidoras de energia, e da Equatorial Energia, apontam que a migração de consumidores com geração distribuída poderia aprofundar as distorções existentes no sistema. 

Com base nessas discussões, a Aneel indicou a necessidade de aprimoramento das resoluções normativas que tratam das condições e requisitos para permitir a migração para o mercado livre.

Contratos legados

A tomada de subsídios recebeu muitas contribuições sobre os contratos legados, que são os contratos de longo prazo já contratados pelas distribuidoras para atendimento do mercado, que permanecerão mesmo com a migração dos consumidores para o mercado livre. O risco de sobrecontratação das distribuidoras foi um dos pontos negativos apresentados.

“Para que a abertura do mercado seja feita de modo sustentável, respeitando os contratos vigentes das concessionárias de distribuição, sem acarretar em custos adicionais apenas aos consumidores remanescentes das distribuidoras, faz-se necessário definir o tratamento da energia contratada pelas concessionárias de distribuição”, diz a nota técnica da Aneel. 

Uma das formas de mitigar esse efeito é com a abertura escalonada do mercado, a partir de consumidores de alta tensão com carga inferior a 500 kW, chegando posteriormente aos consumidores de baixa tensão. A Abraceel, associação das comercializadoras de energia, apresentou uma proposta de cronograma que terminaria com a abertura total do mercado apenas em 2027.

Além disso, foram apresentadas propostas para aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão do portfólio pelas distribuidoras, com foco na redução da sobrecontratação. Os agentes concordam que, assegurado o máximo esforço das concessionárias para reduzir a energia sobrecontratada, eventual montante residual deveria ser custeado e rateado como encargo.

A divergência está em quem deveria pagar este encargo. A Abrace, associação que representa a indústria eletrointensiva e grandes consumidores de energia, avalia que apenas os consumidores cativos deveriam pagar o encargo, já que os consumidores hoje no mercado livre fizeram sua opção de compra e tratamento de riscos associados no passado, não podendo ser prejudicados pelo novo encargo.

A Abradee, das distribuidoras, por sua vez, defende que o encargo seja pago por todos os consumidores. A ideia é que os excedentes seriam vendidos no mercado, e a diferença, positiva ou negativa, entre o preço de mercado e o preço original, seria alocada a todos os consumidores por meio de um encargo que representaria o custo de transição para um ambiente liberalizado.

Segundo a nota técnica, a criação de encargos é matéria de política pública, e essa decisão não cabe à Aneel.

A discussão dos contratos legados também tratou da redução contratual pela migração. A Petrobras, por exemplo, disse ser contrária à possibilidade de redução contratual por causa da migração, mesmo que apenas para contratos novos, pois isso afeta a garantia de recebimento da receita contratada e, consequentemente, a sustentabilidade financeira de um empreendimento.

A nota técnica aponta que conciliar o cronograma de abertura do mercado livre com a redução dos contratos legados mitiga o risco de sobrecontratação das distribuidoras. 

A separação de lastro e energia, de modo que os custos da expansão da geração seja alocada em todos os consumidores, também foi destacada como importante na nota técnica. Segundo a CCEE, os esforços devem ser imprimidos prioritariamente no sentido de equilibrar e modernizar a gestão do portfólio das distribuidoras, e que o uso de encargos e a redução da velocidade de abertura do mercado devem ser tratados como últimos recursos. 

O papel da distribuidora

Enquanto a distribuidora deve se tornar uma gestora do fio, com a abertura total do mercado livre, um dos assuntos discutidos foi o papel do supridor de última instância. O documento aponta que a maioria dos agentes concordam que a forma de menor complexidade e de menor custo de transação é atribuir essas atividades à distribuidora, pelo menos num primeiro momento.

Com o desenvolvimento e amadurecimento do mercado, novos desenhos podem ser discutidos, segundo a nota técnica.

A CCEE afirmou que consumidores que percam seu comercializador, por perda da habilitação ou saída de mercado por algum motivo, deverão buscar novo comercializador varejista. Contudo, não é prudente assumir que os consumidores atingidos tomarão ações imediatas para buscar novos fornecedores. “Na verdade, é esperado que grande parte desses consumidores sequer tenha conhecimento do ocorrido em um primeiro momento”, diz o documento, citando a contribuição da CCEE.

Caso o ambiente de contratação regulada (ACR) não seja extinto, o documento aponta que é recomendável que se mantenha a opção de retorno do consumidor. As contribuições dos agentes sobre o prazo mínimo para volta variam de retorno imediato a 60 meses, ou mediante aceitação da distribuidora em prazos mais curtos, conforme regra atual.

Para que os consumidores tenham proteção, em caso de migração, as contribuições dos atentes sugerem realização de campanhas de esclarecimento e conscientização, indicar que fornecedores varejistas tenham produto padrão divulgado na internet, e a criação de regulamentação contra abusos de poder de mercado e acesso à informação dos consumidores. 

O consumidor deve ser informado pelo supridor de situações que possam afetar seu custo de compra de energia de forma didática, e as comercializadoras devem comunicar de forma clara o que significa o mercado livre de energia. 

Com base nessas contribuições, a nota técnica da Aneel recomenda que sejam implementadas medidas regulatórias de aprimoramento da comunicação com os consumidores para aqueles com carga inferior a 500 kV.

As regras do comercializador varejista também foram discutidas. Segundo a nota técnica, como medidas regulatórias necessárias para permitir a abertura do mercado, deve-se discutir e aprimorar o tratamento da inadimplência, a segurança do mercado, a agregação de dados de medição e a separação das atividades de atacado e varejo, entre outras.

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