Um grupo de grandes consumidores de energia conseguiu uma liminar para não pagar, via tarifa, os subsídios sem relação com o setor de energia, como para agricultura e irrigação e empresas de água e saneamento. A MegaWhat teve acesso ao processo, movido pela Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), que argumenta que esses custos deveriam ser suportados pelo Tesouro, e não pelos consumidores de energia. A decisão preocupa o governo, segundo fontes, devido ao potencial de que os custos acabem sendo todos repassados aos pequenos consumidores pela conta de luz.
Segundo a ação da Abrace, os subsídios em questão não têm vinculação com o serviço público de energia e não deveriam ser suportados pela tarifa, além de carecerem de fixação por lei ordinária, já que foram estabelecidos por um decreto de 2013 que pressupunha aportes do Tesouro Nacional.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) levou a discussão ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a reversão da liminar sob risco de “grave lesão à ordem pública”, por interferir em relações jurídicas multilaterais e afeta o patrimônio de todos os consumidores do Brasil. Ao suspender o pagamento dos subsídios, a Aneel estima um impacto de R$ 329 milhões a ser suportado pelos demais consumidores de energia, isto considerando o orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) de 2021.
Considerando o orçamento da CDE de 2022, o impacto pode ser de R$ 2,78 bilhões, “dado o risco do efeito multiplicador advindo da decisão impugnada”, diz a peça apresentada pela Aneel, prevendo que outros grandes consumidores de energia podem seguir pelo mesmo caminho da Abrace.
O pleito da Abrace não impunha o pagamento dos subsídios aos demais consumidores, mas, sem aportes do Tesouro, a tendência é que isso acabe acontecendo, apurou a MegaWhat. Este chegou inclusive a ser um dos pontos questionados pelo regulador na Justiça sobre o cumprimento da decisão.
A polêmica em torno desses subsídios não é novidade no setor. Em 2018, o então presidente Michel Temer assinou um decreto para reduzir gradualmente a subvenção destes custos pela CDE. A partir de 2019, os subsídios concedidos tiveram redução de 20% ao ano.
Enquanto a liminar da Abrace trava novos pagamentos dos subsídios pelos seus associados, a ação questiona, no mérito, todos os pagamentos já feitos nesse sentido, por considerá-los ilegais.
Segundo Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, a ação tem importante valor simbólico, por ser uma reação a custos políticos sem referência legal e que não deveriam estar na conta de energia. “O caminho do Judiciário é a última alternativa para a associação, mas a ação reflete o descontentamento da indústria consumidora de energia com um cenário de explosão de encargos, com apenas a CDE e o ESS chegando a superar os R$ 10/MWh”, disse, à MegaWhat.
Procurada, a Aneel informou que entrou com pedido de suspensão de liminar no STF.
Nesse recurso, que também foi obtido pela reportagem, a Aneel aponta que os critérios técnicos que dão suporte à política pública adotada pelo governo no setor de energia elétrica foram “amplamente analisados” na discussão do processo da Abrace em primeira instância, que decidiu que o pleito era improcedente. Foi numa apelação da Abrace que o desembargador federal Marcos Augusto de Sousa concedeu a liminar.
Na sequência, a Aneel embargou a decisão, em razão da decisão da liminar não ter decidido quem iria pagar os custos: imposição de aporte da União, redução do dispêndio da política pública ou rateio entre os demais consumidores. A Justiça determinou o cumprimento da decisão, afirmando caber ao próprio regulador indicar a forma de cumprimento.
A agência determinou às distribuidoras que cumpram a decisão judicial, deixando de cobrar dos consumidores associados da Abrace a parcela correspondente da CDE, ao mesmo tempo em que entrou com o recurso no STF para suspender a eficácia da liminar.
“No cenário atual, há uma grande pressão sobre as tarifas de energia elétrica em um momento de grande vulnerabilidade da capacidade de pagamento dos consumidores”, diz a Aneel no recurso, que afirma que caso a liminar seja multiplicada por outros consumidores, as tarifas vigentes seriam ainda mais pressionadas, “comprometendo a capacidade de pagamento de consumidores menos favorecidos”.