A expansão do mercado livre de energia nos últimos anos tem sido fortemente baseada em projetos de geração renovável, mais competitivos em grande parte devido ao desconto pelo uso da rede de transmissão e distribuição. A modalidade de autoprodução, que dá benefícios adicionais aos consumidores – como pagamento de encargos correspondentes apenas ao seu consumo líquido -, também tem sido responsável por novos contratos de longo prazo de compra de energia por grandes consumidores no mercado livre.
O projeto de lei 414, que trata da modernização do setor elétrico, prevê a abertura total do mercado livre de energia, mas sua versão mais recente traz alterações que devem mudar o cenário vigente. Ao mesmo tempo em que prevê uma extensão do prazo para o desconto do uso da rede para novos projetos renováveis, desde que os atrasos sejam causados por fatores externos, o PL agora limita as possibilidades de uso da modalidade de autoprodução.
A MegaWhat teve acesso ao relatório preliminar preparado pelo deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), relator do PL e ex-ministro de Minas e Energia. A abertura total do mercado livre de energia, item mais aguardado em relação ao texto, deverá ser concretizada em até 42 meses a partir da publicação da nova Lei.
Abertura do mercado livre
Em até 24 meses da publicação da lei, deverá ser feita a separação da tarifa entre as atividades de distribuição e energia para todos os consumidores. A partir deste prazo, a pedido das concessionárias de distribuição, poderão ser assinados contratos de concessão específicos para o serviço público de comercialização de energia, mediante a segregação do atual contrato de concessão de distribuição, mantidos os mesmos prazos de concessão e condições de prorrogação vigentes.
A eventual empresa constituída para prestação do serviço público de comercialização de energia poderá agregar todas as concessões derivadas de distribuidoras do mesmo grupo econômico em uma só outorga, e as regras para contratação da energia serão as mesmas, quando no mercado regulado.
Em até 24 meses da publicação da lei, o Executivo deverá apresentar um plano para extinção integral dos requisitos mínimos de carga para unidades atendidas em tensão inferior a 2,3 kV, incluindo ações de comunicação aos consumidores, regulamentação de ações para aprimoramento da infraestrutura de medição e faturamento, fomento da inovação e modernização das redes, regulamentação para o suprimento de última instância e avaliação de custo, impactos e benefícios da alteração.
Após 36 meses da entrada em vigor deste artigo, as unidades consumidoras com carga inferior a 500 kW que queiram migrar ao mercado livre serão representadas, obrigatoriamente, por um agente varejista na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), sendo denominados comercializadores varejistas.
Caberá à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) definir os requisitos de atuação do varejista, prevendo a capacidade financeira compatível com o volume de energia representado na CCEE, a obrigatoriedade de divulgação do preço de referência de pelo menos um produto padrão, e a carga representada mínima de 3 MW.
O fornecimento de energia ao consumidor varejista inadimplente poderá ser suspenso, conforme regulamentação, resguardado o direito a ampla defesa e contraditório.
Contratos legados
Os consumidores regulados que migrarem para o mercado livre deverão pagar um encargo tarifário proporcional ao consumo referente aos custos remanescentes de operações financeiras contratadas para atender à finalidade de modicidade tarifária – como a Conta-Covid – e dos encargos tarifários incidentes exclusivamente sobre consumidores regulados.
Caso a distribuidora de energia fique sobrecontratada de forma involuntária, ou descontratada involuntariamente devido a atendimento do suprimento de última instância, os custos correspondentes serão alocados em todos os consumidores, regulados e livres, por meio de um encargo tarifário cobrado na proporção de seu consumo de energia elétrica.
Em até 180 dias da publicação da lei, o valor correspondente à energia elétrica comprada no mercado regulado passará a ser discriminado na fatura de energia.
Mudanças em autoprodução
Atualmente, os consumidores enquadrados como autoprodução remota, sócios de projetos localizados em outras localidades, inclusive outros submercados, pagam encargos correspondentes apenas ao seu consumo líquido. Ou seja, ao consumo que excede à energia gerada. A modalidade de autoprodução tem sido perseguida como uma alternativa para tornar a migração ao mercado livre mais competitiva para grandes consumidores, que se associam aos geradores renováveis e, em muitos casos, compartilham o financiamento da construção dos projetos.
O crescimento tem sido grande, e muitos projetos são desenvolvidos sem uma parceria prévia com o consumidor, que entra na sociedade em um momento posterior. Como há um número limitado de grandes consumidores que viabilizem, sozinhos, os projetos de geração, os geradores buscam vários consumidores médios que possam comprar uma participação no projeto.
O relatório do PL 414 muda isso. Para empreendimentos de autoprodução outorgados depois da publicação da lei, o consumo líquido será apurado, e o desconto vai ser aplicado somente para energia autuproduzida no mesmo local de consumo. A mudança não vale para autoprodutores que atendam carga mínima individual de 30 MW – ou seja, os grandes consumidores de energia.
Além disso, a outorga conferida ao autoprodutor deverá conter a identificação do acionista autoprodutor e sua respectiva participação na sociedade titular da outorga. A inclusão de novos acionistas deverá ser precedida de anuência da Aneel. Assim, a agência terá maior controle sobre os projetos de autoprodução, e visibilidade em relação aos encargos que acabarão sendo custeados pelos demais consumidores, em virtude do desconto.
Desconto no fio
A lei 14.120/2021 trouxe uma mudança a respeito do desconto no fio para fontes incentivadas. Publicada em fevereiro de 2021, deu como prazo final para obtenção de outorgas o fim de fevereiro deste ano. Ou seja, a partir de março, as novas outorgas para fontes renováveis não contarão mais com o desconto pelo uso da rede de transmissão e distribuição.
Além disso, os empreendimentos tem prazo de até 48 meses para entrada em operação de todas suas unidades geradoras, contados a partir da outorga.
O relatório do PL 414 prevê a prorrogação do prazo de 48 meses quando o descumprimento deste for provocado pela inexistência ou indisponibilidade de conexão com a rede de transmissão, ou insuficiência da rede para escoamento da totalidade da potência outorgada no ponto de conexão solicitado pelo titular da outorga do empreendimento.
A prorrogação será válida desde que o motivo do atraso não for responsabilidade da geradora, e sim da transmissora. Além disso, os projetos de geração deverão ter firmado contrato de uso do sistema de transmissão (Cust) ou contrato de conexão ao sistema de transmissão (CCT).Não há limite para a prorrogação, que será dada pelo prazo correspondente ao atraso provocado.