Os novos prazos definidos pela Justiça na semana passada para a definição do Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (Cust) de algumas usinas eólicas e solares foram questionados pelos diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na abertura da reunião desta terça-feira, 5 de abril. O motivo é um possível atraso na definição das tarifas de transmissão do próximo ciclo, que se inicia em julho.
Ao mesmo tempo em que indicaram que poderão postergar os cálculos das tarifas de transmissão, os diretores solicitaram à procuradoria-geral da União junto à agência que busque a Justiça para tentar alterar os prazos colocados, a despeito da decisão judicial publicada na semana passada.
A decisão em questão veio da juíza Diana Wanderlei, da 5ª Vara Federal Cível da SJDF, que prorrogou o prazo de definição do Cust de algumas usinas solares e eólicas, enquanto a Aneel avalia pleitos de alteração do cronograma de implantação desses empreendimentos. O encargo começaria a ser cobrado no próximo ciclo tarifário de transmissão, em julho, e a definição do montante a ser pago tinha como prazo final 31 de março, mesmo para agentes que pediram o adiamento do início da operação dos projetos e ainda aguardam a resposta do regulador.
Na discussão judicial, a Aneel se comprometeu a avaliar os pedidos de mudança de cronograma até 21 de junho, e a Justiça fixou essa data como novo prazo como limite para alteração das outorgas e definição do Cust.
As decisões foram concedidas em ações semelhantes movidas separadamente pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) e pela eólica Ventos de Santa Tereza, do Complexo Cajuína atualmente em construção pela AES Brasil.
O assunto foi debatido na reunião de hoje no momento de aprovação da ata da última reunião do colegiado, quando um processo semelhante foi rejeitado pelos diretores do órgão regulador. Em seu voto, o diretor Helvio Guerra, relator do processo, declarou que aceitar a postergação num momento de competição acirrada pela conexão e capacidade de escoamento da geração em pontos do sistema em que há alta concentração de projetos de usinas eólicas e solar, seria “inaceitável e inadmissível.”
O requerimento administrativo, com pedido de medida cautelar, tinha sido interposto pela Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) e pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), representando associadas, e pela Essentia, para o aceite provisório pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) dos pedidos de alteração da data de contratação do encargo de transmissão. Como o Cust assegura a reserva do ponto de conexão e direito ao uso da rede, a diretoria da Aneel entendeu que mesmo se a operação dos empreendimentos não começasse na data prevista no contrato, os geradores não seriam eximidos do pagamento do encargo.
Na Justiça, o resultado foi diferente. Como os pleitos feitos na Justiça eram complexos, a juíza realizou reunião com a presença dos advogados dos impetrantes e com a procuradoria da Aneel. A agência reguladora se comprometeu a concluir a análise técnica dos requerimentos administrativos de alteração do cronograma até 30 de abril, enquanto sua diretoria deve decidir os requerimentos administrativos até 24 de maio. O prazo até 21 de junho vale para eventuais pedidos de reconsideração apresentados contra a decisão a ser proferida pela diretoria.
No início da reunião da diretoria da Aneel de hoje, o diretor Helvio Guerra trouxe o assunto, defendendo que, já que houve o entendimento da Justiça favorável aos geradores da Absolar e aos projetos da AES, seria justo estender a decisão a todos os outros agentes que pediram alteração do cronograma das usinas.
A decisão, contudo, ficou em aberto, e o item 11 da reunião passada não foi incluído na ata aprovada nessa manhã, enquanto os diretores decidiram conversar com a procuradoria da agência para avaliar uma alternativa na Justiça.
“É triste ver o judiciário sem compreender. O cálculo de transmissão na sequência precisa estar pronto. Explicamos para a juíza o impacto dessa decisão? Ela tem consciência do tamanho do impacto que vai trazer?”, questionou o diretor Efrain Cruz. Segundo ele, a agência não poderia propor uma data para finalizar as análises. “Essa casa não tem e não tinha obrigação de data para terminar, temos os processos em rito normal”, afirmou.
O problema ao qual Efrain se referiu é o fato de que, caso os projetos em questão entrem em operação entre julho deste ano e junho de 2023, mesmo após mudança no cronograma, a Aneel precisará correr para que o Cust seja cobrado dentro desse próximo ciclo tarifário, já que terá pouco tempo entre 21 de junho e o início de vigência das novas tarifas.
O procurador-geral junto à Aneel, Luiz Eduardo Diniz Araújo, explicou que é possível voltar na Justiça e explicar as dificuldades, mas destacou que a decisão judicial extinguiu mandados de segurança interpostos pelos agentes que permitiam a assinatura dos Custs com novas datas de início da operação sem apreciação pela Aneel. “O que conseguimos, ao levar a proposta de terminar a instrução até 30 de abril, foi evitar o deferimento de uma liminar que teria impacto deste já, e o poder decisório da Aneel está preservado. Se ela negar as alterações em 21 de junho, tudo permanece como está”, disse o procurador.
Caso os prazos sejam mantidos na Justiça, a agência terá pela frente o desafio de executar todas as avaliações pendentes de mudanças de cronograma em um curto período de tempo. “Em último caso, se não conseguirmos, fazemos uma força-tarefa e adiamos o cálculo da transmissão”, sugeriu Efrain Cruz.
Ficou decidido, então, que os diretores iriam discutir a estratégia judicial com a procuradoria e as áreas técnicas até a próxima reunião ordinária, quando a ata da reunião passada será retomada para aprovação do item em questão.