Com um potencial nacional em energias renováveis da ordem de milhares de GW, o Brasil continua a incentivar a construção e o uso de térmicas a gás. Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do Operador Nacional do Sistema (ONS), afirma que o uso do gás natural no país encarece as contas de energia e deveria funcionar como um combustível de transição, sendo utilizado nos locais adequados – Sul e Sudeste do país – e apenas quando forem necessários.
Para Barata, “o Brasil continua incentivando a fonte fóssil com a desculpa da segurança do sistema. Nós vamos ter que mudar a nossa estratégia de operação, mas aí é que eu acho que reside a sabedoria, saber a hora de mudar, olhar para o que os outros estão fazendo e adaptar as nossas características e condições”.
No final de 2021, o país realizou a contratação extraordinária, por meio de um leilão emergencial, de diversas usinas a gás natural para mitigar os efeitos da crise hídrica. Segundo Barata, isso vai custar ao país o correspondente a quase US$ 8 bilhões em cerca de três anos, e pode ser desnecessário, visto que as chuvas do final do ano recuperaram os reservatórios das hidrelétricas, deixando o país com a obrigação de gerar essas térmicas que foram contratadas a um preço cinco vezes superior ao valor comum.
Sobre a segurança do sistema, o ex-diretor do ONS afirma que hoje a operação de base no Brasil está centrada nas hidrelétricas, com o fechamento da curva de carga realizado com as térmicas. Entretanto, a partir da entrada de renováveis, o sistema deveria mudar, pois a segurança viria dessas novas fontes. Além disso, a questão da demanda é vista com dificuldade no país, pois ela é associada aos riscos de racionamento, o que dificulta a implantação dessas políticas.
Do ponto de vista internacional, a União Europeia encara uma alta nos preços dos combustíveis há muito não vista, sobretudo no gás natural liquefeito (GNL). Isso é um reflexo dos continuados conflitos entre Rússia e Ucrânia e da dependência da Europa Ocidental em relação ao gás russo, sendo essa uma questão que, segundo especialistas, deve ser tratada do lado da demanda, não do investimento em infraestruturas.
Para Maria Pastukhova, consultora política sênior do think tank E3G, os países da União Europeia vinham apostando na transição energética ao mesmo tempo em que se mantinham dependentes da importação do gás russo, de forma que, no contexto geopolítico atual, estão tendo problemas de segurança energética. Nesse sentido, as populações mais vulneráveis da Europa têm sido expostas à alta nos preços dos combustíveis, fazendo com que os países discutam mais questões tributárias e soluções para redistribuir os custos da energia e afastar o choque dos preços.
“Parte da solução será a diversificação para se afastar do gás fornecido pela Rússia, mas uma coisa importante a destacar é que, em paralelo à diversificação, a Europa pretende cortar ainda mais o uso de gás a partir de 2030”, afirma Pastukhova. “Esse afastamento do gás da Rússia significa que, em primeiro lugar, vemos que existe uma tendência a depender mais dos EUA, mas isso não significa que deveremos depender mais deles”, completa.
Segundo análise de Pastukhova, o excesso de gás que os Estados Unidos podem exportar para a Europa não será necessário, visto que a União Europeia possui um plano de transição energética encaminhado. Entretanto, ela afirma que isso só pode ser tratado quando houver medidas e políticas mais agressivas para tratar o lado da demanda, somadas, ainda, a mudanças do padrão de consumo da população.
Maria Pastukhova e Luiz Barata falaram em painel sobre segurança energética, dependência de importações e lobby da energia fóssil, do ClimaInfo, realizado nesta terça-feira, 5 de abril.