A privatização da Eletrobras, cuja lei foi aprovada em 2021, tem uma janela curta de mercado para ser concluída até meados de maio deste ano. Para Nelson Hubner, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e ex-ministro de Minas e Energia, caso a operação não seja bem sucedida, a Eletrobras do futuro será “a mesma empresa”.
A declaração do ex-ministro foi dada em seminário realizado nessa quinta-feira, 7 de abril, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para discutir a operação. Na abertura do evento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, destacou o que tem sido um mantra do governo desde o início das conversas sobre a privatização da Eletrobras, em 2017: a companhia, como está hoje, não tem condições de investir o suficiente anualmente para manter sua participação de mercado. Se continuar estatal, tende a perder importância.
“O futuro da energia brasileira está em jogo”, disse Guedes, repetindo que, para manter sua presença nos segmentos de geração em transmissão, a estatal deveria investir cerca de R$ 16 bilhões por ano, quando investe menos de R$ 4 bilhões.
A declaração foi rebatida por Hubner, que participou de um dos painéis do evento. “Se a Eletrobras não for privatizada, teremos a mesma Eletrobras. Investimentos no Brasil não são feitos com capital próprio”, disse o especialista. Ele explicou que, como os projetos de geração de energia são viabilizados por meio de contratos de longo prazo de venda de energia, o financiamento é feito tendo como garantia esse recebível.
“Essa ideia de que a Eletrobras só pode investir R$ 3 bilhões não existe. Tem empresa que nem tem ativo, como conseguem financiar? Porque tem contratos garantidos e conseguem se financiar com bancos, instituições financeiras. A Eletrobras vai continuar funcionando”, afirmou.
A privatização da Eletrobras é defendida como uma saída para que a companhia se torne mais competitiva no mercado e, segundo os especistas presentes no evento do TCU, tenha acesso a mais recursos para investir. “A Eletrobras hoje tem um custo de implementação mais alto que o de seus pares privados, e tem um custo de capital mais alto que o de seus pares privados”, disse Ricardo Brandão, diretor de regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).
O modelo de privatização proposto pela Eletrobras passa pela emissão de novas ações no mercado. Como o governo não vai comprar essas ações, será diluído, e deve ficar com 45% do capital da empresa. Além disso, a operação prevê a constituição de uma corporation, ou seja, uma empresa sem controle definido, e mecanismos que garantam que os novos sócios não poderão formar um bloco e se tornarem novos controladores, no lugar da União.
Parte dos recursos que entrarão no caixa da companhia na operação serão usados no pagamento de um bônus da outorga pela renovação dos contratos de concessão das suas hidrelétricas hoje enquadradas no regime de cotas, que somam cerca de 14 GW de potência. Essa energia será negociada livremente pela companhia no mercado, e é nesse valor futuro que será gerado que os investidores apostam para justificar a compra de ações da Eletrobras na capitalização.
Para os especialistas, ao ser uma corporation, a Eletrobras terá mais recursos a captar, e sua presença no mercado livre, com os contratos hoje em cotas, também favorecem esse crescimento previsto. “Hoje, 83% da expansão da geração no Brasil se dá por contratos no mercado livre”, disse Rodrigo Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel).
Corporation e janela de mercado
Devido aos riscos atrelados ao fato de ser uma empresa estatal, a Eletrobras atualmente é vista pelos investidores como uma empresa especulativa, disse Giuliano Ajeje, diretor do banco suíço UBS. “A cada um real que a Eletrobras investe, ela queima 20 centavos. E já foi 90 centavos no passado, por volta de 2015 e 2016”, disse Ajeje. O analista explicou que o valor de uma empresa é ligado à sua expectativa futura de geração de caixa, e, no caso da Eletrobras, não se tem essa perspectiva atualmente.
“Existe a expectativa de que a Eletrobras se torne uma empresa previsível”, disse Ajeje. Nesse contexto, para o analista, se tornar uma corporation, sem controle definido, é fundamental pois vai gerar “acesso ilimitado” a recursos no mercado de capitais para a companhia. “Os investidores de uma corporation não estão preocupados em ter o controle ou não, e sim na rentabilidade do que estão fazendo”, completou.
Para José Monforte, que presidiu o conselho de administração da Eletrobras entre 2016 e 2020, por ser uma estatal, a Eletrobras tem “amarras” que a deixam menos competitiva no mercado. Ao se tornar uma empresa privada sem controle definido, ela terá acesso à mais liquidez no mercado, com um custo menor para investir.
“Por isso falamos que a privatização destrava valor. O mercado enxerga que uma dinâmica empresarial será dada à companhia, de modo que, se houver novas oportunidades colocadas, o processo será célere”, disse Fábio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec).
Além de destacarem as oportunidades que a Eletrobras terá sem controle definido, os convidados do evento do TCU também chamaram a atenção para a curta janela de mercado que a operação terá para ser concretizada.
A Eletrobras vai arquivar seu formulário 20-F na Securities and Exchange Commission (SEC, órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários nos Estados Unidos) em 25 de abril, quando já precisará ter o aval do TCU para o preço mínimo das ações da companhia na operação. Depois, terá menos de 20 dias para fazer a operação, o que envolve fazer road shows para apresentar o negócio a investidores, coletas as ofertas deles (o chamado “bookbuilding”, no jargão do mercado) e verificar se o preço do mercado é superior ao piso estabelecido pelo TCU. Caso seja, e haja oferta, a operação precisará ser liquidada até 13 de maio.
“Há momentos em que a conjuntura favorece fazer a operação”, disse Monforte, que chamou o momento de “crítico” para se definir o propósito de uma companhia, ainda mais quando considerando o potencial de atrair investidores devido à realocação do portfólio de ativos do Leste Europeu, por conta da guerra da Ucrânia.
Caso a operação não seja concluída até 13 de maio, a próxima janela de mercado será em agosto, depois da publicação dos resultados da Eletrobras do primeiro trimestre deste ano. O calendário eleitoral, contudo, impõe um risco grande à operação.