Depois de nove sustentações orais por agentes, terminou sem desfecho a discussão sobre o processo que visa modernizar a cobrança do encargo de uso do sistema de transmissão (Eust) na reunião da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) desta terça-feira, 4 de abril. A diretora Agnes da Costa pediu vista, com a promessa de analisar o caso e avaliar se é possível chegar a uma conclusão diferente da do diretor Hélvio Guerra, relator do processo.
O debate foi em torno do resultado da segunda fase da Consulta Pública 75/2020, sobre o aprimoramento dos procedimentos de liquidação financeira dos encargos. O diretor Hélvio Guerra rejeitou a alternativa na qual uma instituição financeira faria de forma centralizada a liquidação do Eust, e propôs a implantação de uma plataforma única para suporte ao processo de liquidação financeira.
A questão do risco hidrológico, embora não tenha relação com o assunto, foi muito citada na discussão de hoje, devido às lições trazidas pela judicialização do GSF. O diretor Hélvio Guerra apontou que a liquidação do mercado de curto prazo é feita de forma centralizada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), e lembrou as liminares referentes ao GSF causaram um problema em cascata, com aumento da inadimplência que chegou a travar o mercado.
Atualmente, a liquidação das faturas do encargo de transmissão é feita descentralizadamente. Em fevereiro, havia 307 transmissoras e 1.382 usuários pagamento as contas mensalmente. Cada transmissora emite a nota fiscal e um boleto de cobrança para cada consumidor, que realiza ao menos 307 pagamentos mensais e gerencia as notas fiscais. Hoje, são mais de 400 mil faturas e, segundo a Aneel, em 2021, quase 90% das faturas foram inferiores a R$ 10,00.
Em 2019, quando o assunto foi pautado pela Aneel, foi feito um questionamento aos agentes sobre a necessidade de mudanças no modelo de liquidação do Eust, e foram sugeridas alternativas como a utilização de um mecanismo de liquidação centralizada, a padronização de pagamentos, e a criação de um portal com informações centralizadas para a liquidação.
Do lado das transmissoras, a possibilidade de uma liquidação centralizada foi rechaçada sob o argumento de que isso iria alterar a matriz de risco do negócio, considerando a possibilidade de uma inadimplência semelhante à do mercado de curto prazo de energia, afetando a saúde financeira dessas empresas.
Ao citar o caso do GSF, o diretor Hélvio Guerra afirmou que “se o processo do mercado de curto prazo fosse bilateral descentralizado, a discussão judicial seria entre as partes, como ocorre com os contratos de energia elétrica assinados bilateralmente. A centralização do mercado de curto prazo, apesar de muito eficiente e procedimentalmente simples, deu causa aos credores, no intuito de re ceber os créditos pela energia nesse mercado, a buscar medidas protetivas e não enfrentar a origem do problema na Justiça, as ações do GSF”.
Por isso, o diretor descartou em seu voto a alternativa 4 que tinha sido discutida na consulta pública, e declarou a preferência pela alternativa 2, com a implantação de uma plataforma única para suporte ao processo de liquidação financeira.
Antes de pedir vista, a diretora Agnes da Costa criticou o posicionamento do voto em relação à judicialização.
“Estamos deixando de sermos eficientes por medo dos agentes judicializarem”, disse ela, completando na sequência achar “ridículo perder tempo discutindo uma coisa por medo dos agentes judicializarem”.
O diretor Hélvio Guerra afirmou que nao se trata de medo de judicialização, mas sim uma constatação de que a ida dos agentes à Justiça ocorre, muitas vezes, por falhas na regulação. “Minha percepção, e da área técnica também, se estamos deslocando a matriz de risco, incentivamos de certa forma uma judicialização”, disse.
O diretor Ricardo Tili também criticou o posicionamento e a comparação do caso da Eust com o GSF. “Não vejo relação alguma com mercado de curto prazo, com GSF”, afirmou, comparando a questão com a liquidação centralizada das cotas de garantia física e das usinas Angra I e Angra II, também feitas de forma centralizada pela CCEE. Para Tili, a CCEE é quem teria competência para centralizar a liquidação do Eust, ainda que as transmissoras não sejam agentes da câmara.
O diretor Fernando Mosna, então, lembrou que hoje já há uma judicialização em torno dos Contratos de Uso de Sistema de Transmissão (Cust) assinados por projetos de geração renovável, mas que pedem adiamento da cobrança do Eust ou a devolução da outorga sem penalidade.
Segundo ele, se alguns agentes conseguirem liminar para não pagar o Eust nesse contexto, as transmissoras que não fazem parte daquela relação – não estão conectadas diretamente às geradoras atrasadas, por exemplo -, poderão ir à Justiça para se proteger e receberem integralmente os valores. “Pode não acontecer esse cenário, mas não seria irracional”, disse Mosna.