A Raízen leva a sério o entendimento que a geração distribuída é, atualmente, a única escolha para o consumidor de energia que ainda não pode migrar para o mercado livre. Por meio de pequenos – relativamente ao seu porte – negócios nesse segmento, a gigante de energia, que tem como donos a Cosan e a Shell, está construindo um portfólio e se preparando para ter uma posição relevante no varejo de energia em alguns anos.
“A gente está olhando para esse mercado lá na frente, quando for desregulamentado e 100% aberto”, disse à MegaWhat o diretor de Soluções de Energia e Renováveis da Raízen, Rafael Rebello. Segundo ele, a companhia pode ser “um player diferente dos tradicionais”, e hoje olha a geração distribuída “como uma ponte para acessar um cliente que está no mercado cativo, que tem dificuldade em escolher seu gerador ou sua fonte de energia”.
O conceito da Raízen é oferecer ao cliente a melhor opção possível, aprendizado que começou dentro de casa, onde a área de energia elétrica ganhou espaço, a princípio, pela necessidade da companhia de vender a energia excedente gerada, ao mesmo tempo em que precisava abastecer suas unidades industriais e dar uma alternativa de energia limpa e mais barata aos milhares de postos licenciados, que são seus clientes.
A vice-presidência de Renováveis e Energia da companhia foi concretizada recentemente, em 2020, com a chegada de Frederico Saliba, até então executivo da Shell com uma carreira de mais de 20 anos no grupo anglo-holandês. A companhia já tinha na carteira uma grande produção de energia elétrica pela queima de bagaço de cana – hoje são 1.700 MW -, e a presença no mercado livre de energia reforçada pela aquisição da WX, em 2018. O segmento de geração distribuída é apenas uma parte dessa divisão, um “veículo” para os planos de varejo de energia da Raízen, de olho na abertura do mercado para todos os consumidores a partir de 2028.
Em junho de 2019, ficou pronta a primeira usina solar fotovoltaica da companhia, com 1,3 MWp, em Piracicaba, enquadradada como geração distribuída para atender as cargas da companhia e de postos de gasolina atendidos na área de concessão. “Foi um baita aprendizado, nos ensinou como não se faz uma planta de GD”, brincou Rebello, explicando que a proximidade com a usina de cana-de-açúcar se mostrou desafiadora por conta da fuligem, que obriga limpezas regulares dos painéis fotovoltaicos.
Foi daí que surgiu o plano de investir em mais plantas de GD para atender clientes de varejo, já numa antecipação ao movimento de abertura de mercado, no qual a Raízen acredita que terá grande espaço. “Eu tenho um ecossistema de mais de 20 mil clientes B2B (sigla em inglês para negócios entre empresas) entre postos, transportadoras ou empresas com as quais nos relacionamos de alguma forma”, disse o executivo, que está na Raízen desde 2012, e, assim como Saliba, vindo da Shell, onde ficou por 12 anos.
Diferentemente de muitas empresas que enfrentam “o paradoxo tostines” (é fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque é fresquinho?), Rebello conta que a Raízen tem a vantagem de não ter o dilema entre achar o cliente para viabilizar os projetos ou investir nos projetos para fechar os clientes. Segundo o diretor, por ter esse ecossistema de clientes e recursos próprios para investir nas plantas, que são relativamente pequenas frente ao porte da companhia, a Raízen tem mais facilidade para avançar em GD e treinar para o varejo de energia.
Pelo site da empresa, é possível se cadastrar para avaliar qual a economia em potencial na conta de luz, seja com GD ou com a migração para o mercado livre. A companhia também faz projetos para pessoa física, por meio de parcerias, e está desenvolvendo plataformas para atender o mercado de varejo com celeridade. O digital, porém, não é o único caminho de marketing dessas soluções. “Preciso desenvolver novos canais para esse varejo do futuro, sejam canais digitais ou físicos”, disse.
Para o diretor, o produto da GD remota, com desconto garantido na conta de luz, parece simples, mas na verdade é muito complexo. “Existe um balanço mágico entre o físico e o digital, porque não é todo mundo que tem confiança de contratar energia simplesmente por um site ou um clique, então precisamos educar as pessoas, ter quem as ajude a entender a conta de energia”, afirmou. Nessa curva de aprendizado, existem ainda desafios adicionais como a gestão do crédito com a distribuidora, que exige capacidade técnica e base digital robusta.
A Raízen já conta 14 mil consumidores de geração distribuída, entre pessoas físicas e jurídicas, e 28 plantas de geração distribuída compartilhada e de autoconsumo, localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraíba, com geração de cerca de 25 MW médios. Além disso, há 35 plantas em construção e implementação, que somarão mais 25 MW médios nos próximos seis a 12 meses, a depender da capacidade de conexão das distribuidoras dessas áreas de concessão.
O foco está em energia renovável, e a importância dos biocombustíveis do grupo não torna a eletrificação da mobilidade um problema nesses planos.
“A energia vai estar muito mais presente na vida do consumidor no futuro. Hoje ela está presente no trabalho e em casa, e vai estar na mobilidade e no deslocamento. Por que não ser uma empresa que está presente em toda a jornada de eletrificação desse cliente?”, disse Rebello, que entende que a mobilidade elétrica veio para complementar as soluções oferecidas aos clientes.
Em relação às mudanças nas regras da GD trazidas pela Lei 14.300, regulamentada recentemente, Rebello afirmou que a discussão é importante por trazer à tona a questão da democratização do acesso à energia. “A GD precisa ser um elemento transitório, e as regras precisam respeitar os investidores que acreditaram e investiram, geraram empregos e recolhimento de impostos”, disse, defendendo o período de transição para as novas regras.
Quando chegar o momento da abertura do mercado livre para baixa tensão, a Raízen pretende ter a melhor solução para seus clientes, incluindo os que já tenham geração distribuída. “Vamos ter o produto, por meio da migração para o mercado livre, ou por um comercializador varejista, ou se a melhor solução for permanecer com geração distribuída”, explicou. “O consumidor vai se ajustar. A água sempre procura o caminho mais suave para percorrer. O consumidor é assim também”.