A modernização do setor elétrico, com novas regras que permitam um planejamento equilibrado da expansão, com seus custos alocados de forma adequada entre os consumidores de energia, é fundamental para evitar que os problemas presentes se aprofundem. Por outro lado, as regras existentes devem ser respeitadas, sem rupturas que prejudiquem os novos investimentos. Os assuntos foram debatidos por executivos, especialistas e congressistas nos dois dias do Fórum Brasileiro de Líderes em Energia, promovido pela Dominium e pela DGBB no Rio de Janeiro, e que teve a MegaWhat como media partner.
Um dos painéis de maior audiência do evento, sobre o panorama político e institucional do setor, reuniu diversos congressistas que, embora possam ter discordado sobre políticas de incentivo e preferências por fontes, convergiram sobre a necessidade de reformas que priorizem o consumidor – hoje penalizado por custos cada vez maiores abarcados pelas tarifas.
O deputado Fernando Coelho Filho (União-PE), que foi ministro de Minas e Energia no governo de Michel Temer, entre 2016 e 2018, afirmou que, depois de um período no qual o Congresso esteve “entretido” com questões relacionadas ao novo governo, a ideia é que a pauta da modernização do setor elétrico possa avançar, mesmo que isso não aconteça por meio do Projeto de Lei 414, da qual é relator e que já foi aprovado pelo Senado.
“Ou temos a compreensão de que todo mundo vai ter que ceder um pouco para podermos avançar, ou não vamos andar”, disse Coelho Filho. Para ele, é possível todos tirarem “nota 10”, mas é possível que todos avancem com “nota 7”, pensamento que motivou a famosa Consulta Pública 33, lançada durante o governo em que comandou o MME, em 2017, e que criou as bases da modernização do setor discutida hoje.
O deputado Fábio Garcia (União-MT) concordou com o seu colega de partido, e destacou a importância de aprovar novas regras que invertam a trajetória de crescimento descalibrado de subsídios, que “afetam um consumidor que infelizmente tem menor capacidade de se movimentar”, disse, se referindo ao fato que o custo dos subsídios recai, principalmente, sobre os consumidores no mercado cativo que não tem condições de investir em geração distribuída (GD) e nem carga para migrar ao mercado livre.
O papel do governo, segundo Garcia, não é secundário. “Espero que o governo sinalize nesse sentido, porque facilita o trabalho do Congresso, e espero que o Congresso tenha mais responsabilidade com os projetos que tramitam”, afirmou.
Outro deputado atuante do setor, Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), afirmou entender que, depois de “bater cabeça” com setores da economia, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece estar avançando na direção do caminho do equilíbrio fiscal, e questões importantes do setor elétrico devem ter espaço para andar agora, como os programas de concessões e Parcerias Público Privadas, as PPPs.
Segundo Jardim, é preciso que o governo se organize nas pautas importantes e deixe de lado o que chamou de “retrocessos”, como questionamentos à autonomia do Banco Central, ataques às agências reguladoras e o decreto do governo que recuou em avanços do marco legal do saneamento.
A necessidade de um consenso para avanço do mercado de energia foi debatida ao longo dos dois dias do Fórum, e esteve presente desde a fala de abertura do secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Efrain Cruz.
“Esse é um momento de ter, sim, o que chamamos de grande acordo do setor elétrico brasileiro. Precisamos que as associações, os players e todos que militam no setor elétrico brasileiro reflitam sobre o caminho que estamos trilhando e como se dará o setor elétrico nos próximos anos”, afirmou Cruz, que participou por videoconferência da abertura do evento, no dia 1º de junho.
Governo ausente
Apesar da fala de Cruz ter sido muito bem recebida pelos presentes, chamou a atenção a ausência de representantes do alto escalão do governo no evento, que reuniu executivos da liderança das maiores empresas de energia do país, além dos congressistas com atuação forte no setor.
O presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Menel, ecoou a necessidade de um acordo, mas destacou que o governo precisa atuar e interceder as conversas, uma vez que cada segmento defende seu próprio ponto de vista, sem chegar a um consenso. “Eu tenho 29 associações com interesses conflitantes no Fase, e preciso de uma arbitragem que precisa ser feita pelo Executivo, em consonância com o Legislativo”, disse.
Ao participar de outro painel no dia 2 de junho, Menel voltou a falar na necessidade da mediação do governo sobre um acordo para evitar a chamada “espiral da morte”, termo dado ao fenômeno no qual os consumidores de menor poder aquisitivo acabam custeando os encargos que restam quando outros migram para o mercado livre ou investem em GD.
“A proposta que eu levo ao secretário Efrain e ao MME é que a gente faça uma compilação das convergências e divergências, mas levemos para que ele, em conjunto com o poder político, de quem tem a caneta forte, faça algo com o Congresso Nacional, que não vai se negar a estudar a possibilidade de melhorar o arranjo do setor elétrico, não só do modelo comercial, da operação, mas também a governança do setor elétrico”, disse Menel.
Segurança jurídica
Se houve acordo em torno da necessidade de avançar na reforma do setor, os participantes não deixaram de lado outro mantra do setor: a defesa da segurança jurídica e do cumprimento aos contratos.
Para Clarissa Sadock, presidente da AES Brasil – mas de saída para a Vibra -, não há questionamento sobre novas regras, desde que elas alterem o futuro, e não o passado. Segundo ela, é difícil explicar aos investidores, principalmente estrangeiros, essas mudanças do setor, e quando as regras e contratos não são respeitados a conversa “acaba parando no judiciário”.
A abertura do mercado livre para baixa tensão “vai acontecer por pressão dos clientes”, segundo Sadock. “Quanto antes a gente pensar em como fazer da forma mais ordenada possível, vai ser melhor. Se não, virá sob pressão, e teremos que reagir”, disse.