Agentes do setor elétrico e de gás natural avaliam ser necessário mais diálogo entre os mercados, cuja interligação aumenta na medida em que a geração renovável cresce na matriz brasileira e exige mais suporte firme das usinas térmicas. A discussão ocorreu nesta quarta-feira, 19 de junho, durante painel no Enase, no Rio de Janeiro.
A vice-presidente de Midstream da Equinor, Cláudia Brun, avalia que, mesmo com a eventual entrada de baterias no sistema, as usinas térmicas continuarão sendo importantes para garantir oferta firme. Atuando na complementação de fontes intermitentes, o mercado elétrico exige alta flexibilidade no fornecimento de gás, o que ainda não é realidade no país pois não há recursos como estocagem de gás.
Segundo a diretora-executiva de Gás Natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Sylvie D’Apote, que moderou o painel, a flexibilidade oferecida pelo gás natural liquefeito (GNL) pode ter alto custo, já que é influenciada pelo mercado internacional.
“São setores distintos, mas complementares, e que não estão trabalhando de forma completamente harmônica”, disse a gerente regulatória da Shell Energy Brasil, Juliana Passadore. Como exemplo, ela mencionou os desencontros entre os horários praticados pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), que muitas vezes determina os despachos térmicos para o dia seguinte na noite da véspera, e os prazos para programação das redes de transporte, que geralmente devem ocorrer no período da tarde.
Alto custo
Os agentes também comentaram sobre o preço do gás no Brasil, que é considerado alto. O diretor de Marketing, Comercialização e Novos Negócios da Eneva, Marcelo Lopes, entende que o alto preço da molécula se explica, em parte, justamente pela relevância do gás natural liquefeito (GNL) importado.
“Se a oferta começa a aumentar, o preço vai ter que cair para que essa demanda adicional seja incentivada”, disse. Ele mencionou como prováveis fontes novas de gás empreendimentos como Projeto Raia (operado pela Equinor), Sergipe Águas Profundas (operado pela Petrobras) e novas conexões em poços que atualmente estão em declínio, e avaliou que o aumento na oferta de gás pode ocorrer próximo ao final da década. Entretanto, para Cláudia Brun, da Equinor, boa parte da nova oferta deve cobrir a redução de outras fontes, como o gás boliviano.
Marcelo Lopes também comentou sobre custos além da molécula e que impactam o preço final do gás ao consumidor, como os de transporte e distribuição.
Na avaliação da executiva da Equinor, a indústria offshore assume muitos riscos, o que também se reflete nos preços. Um dos custos que incide sobre o preço final é o de transporte, já que os carregadores respondem pela entrada da molécula nas redes. “Se você nomeia errado, a penalização ao longo da cadeia pode triplicar seus custos”, disse Cláudia Brun, em referência à nomeação de programação que as carregadoras fazem junto às transportadoras.
Para ela, “o transporte de gás pode aprender mais com o setor elétrico” em relação a previsibilidade de preços. “Estamos aprendendo agora, com o tarifaço”, lamentou, em relação ao aumento nas tarifas da Nova Transportadora do Sudeste (NTS).
Além do transporte, ela mencionou outros custos associados, como a reforma tributária que pode aplicar o “imposto do pecado”, com alíquota de 1% sobre a produção de óleo e gás, e o mandato de biometano previsto no projeto de lei (PL) do Combustível do Futuro aprovado na Câmara dos Deputados e que está em apreciação no Senado. “Tudo isso impacta na percepção de risco. E quanto maior o risco, mais retorno é exigido”, resumiu.
Neste contexto, a diretora de Assuntos Técnicos e Regulatórios da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Mariana Amim, avalia que não deve haver aumento na demanda tão cedo. “A indústria está estagnada porque nos já estamos no limite, não temos mais como pagar os custos e vamos continuar assim enquanto não houver uma política que olhe para nós como industrialização. Não queremos algo barato, banal. Queremos algo competitivo”, disse.