A “reindustrialização verde” do Brasil, com alinhamento das políticas do país às tendências de eletrificação e transição energética, pode impulsionar investimentos adicionais de até R$ 275,3 bilhões em renováveis até 2034, quando comparados com a trajetória atual projetada no Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE).
A conclusão é de um estudo elaborado pela Envol Energy Consulting, lançada em novembro por Alexandre Viana, economista e pós-doutor em sistemas de potência. Com mais de 25 anos de experiência no mercado de energia, Viana integrou por 18 anos o quadro da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), além de passagens pelo gerador chinês Spic, onde montou a mesa de trading e os canais de venda no mercado livre, e pela Thymos Energia, quando ocupou o cargo de COO.
“Políticas de desenvolvimento sustentável tendem a elevar o consumo per capita de energia elétrica no Brasil para um nível mais próximo ao de países desenvolvidos”, disse Viana, que é CEO da Envol.
Consumo per capita das maiores economias
A elevação do consumo per capita de energia do Brasil para o nível dos países do G20 foi a premissa do estudo, que adotou uma abordagem “top down”, ou seja, quando a análise começa por fatores macroeconômicos antes de se concentrar em fatores específicos.
O consumo per capita de energia elétrica do Brasil é de 3.200 kWh/ano, considerando geração distribuída (GD) e o grid, enquanto a média dos desenvolvidos é de 5.275 kWh/ano.
No estudo, a Envol considerou como referência a carga utilizada nas contabilizações da CCEE e as taxas de crescimento do consumo e geração de energia projetadas pelo PDE 2034: expansão média da demanda de 2,8% ao ano entre 2025 e 2028, e de 3,1% ao ano a partir de 2029 até 2034.
A partir daí, foram elaborados dois cenários. Um deles, de “crescimento moderado”, assume que serão adotadas medidas que estimulem a reindustrialização do país com base em renováveis entre 2025 e 2026, e os reflexos na demanda serão visíveis a partir de 2028.
Neste contexto, a demanda deve ter crescimento médio de 4,5% ao ano até 2034, chegando a 119,4 GW em relação aos 80,446 GW projetados para 2025. O consumo per capita chegará a 4.778 kWh em 2034, e atinge os 5.275 kWh/ano apenas em 2052.
Já no cenário “crescimento acelerado”, são adotadas medidas para reindustralização verde com resposta mais acentuada a partir de 2028, e a demanda cresce numa média de 5,3% ao ano até 2034, chegando a 128 GW. Nesse cenário, o consumo per capita já chega a 5.123 kWh/ano em 10 anos, e atinge a referência dos países do G20 em 2040..
“Para que ocorra os cenários moderado e acelerado de crescimento da demanda é necessário que nos próximos dois anos se adotem políticas mais explicitas em termos industriais para que se forneça incentivos tributários e fiscais em segmentos chaves como siderurgia, metalurgia, transportes, além de políticas mandatórias no sentido da industrialização verde”, disse Viana.
Com demanda, também cresce a geração
A geração de energia precisará crescer mais que o projetado hoje para atender a demanda nos dois cenários. No moderado, a Envol projeta uma expansão da capacidade instalada em 49,8 GW adicionais em relação ao previsto pelo PDE, chegando a 367,6 GW. No cenário acelerado, são outros 36,4 GW viabilizados, atingindo 404,1 GW.
Para atingir essa capacidade instalada, o estudo indica que serão necessários investimentos de R$ 163,6 bilhões a mais em renováveis no cenário moderado, sendo R$ 48,4 bilhões em eólicas e R$ 115,2 bilhões na fonte solar. No cenário acelerado, os investimentos adicionais somam R$ 275,3 bilhões, divididos entre R$ 81,4 bilhões para eólica e R$ 193,9 bilhões para solar.
Considerando os investimentos já projetados pelo PDE 2034, da ordem de R$ 328,4 bilhões em geração de energia, os cenários da reindustrialização verde apontados pela Envol chegam a R$ 603,7 bilhões em investimentos ao longo da próxima década.
Os valores expressivos dependem de outras questões, como licitação e construção de linhas de transmissão, assim como a contratação de reserva de capacidade ou outros mecanismos que enderecem a confiabilidade e a flexibilidade necessárias. O estudo focou exclusivamente em renováveis, e não simulou novos investimentos em fontes térmicas, que também devem acontecer, assim como os em baterias.
Quais as políticas necessárias?
O estudo da Envol já considera uma trajetória de descarbonização a partir da aprovação do Marco Legal do Hidrogênio (Lei nº. 14.948/24), assim como os projetos de lei em tramitação para o regramento de usinas eólicas offshore e do armazenamento de energia. A aposta é que o país tem condições de implementar nos próximos dois anos mais políticas com alcance no Setor Elétrico Brasileiro, como também em demais setores da economia, para uma reindustrialização verde.
Segundo Viana, no cenário moderado, as políticas tributárias específicas devem ser limitadas, considerando o cenário fiscal do país. “O estímulo se daria por meio de políticas que estabeleçam limites de emissões e desburocratizem investimentos em uma industrialização verde, como um fast-track regulatório nos diversos setores (além do setor elétrico) para viabilizar este tipo de projeto e indústria”, explicou.
Já o cenário acelerado depende de uma combinação de fatores externos e internos. Na esfera doméstica, o país precisa viabilizar incentivos fiscais e desburocratização para favorecer a implantação de projetos de industrialização “com a mentalidade verde” de menor uso de combustíveis fósseis e maior eletrificação via projetos renováveis.
“Na esfera internacional, seria um movimento externo de empresas alocando investimentos maciços nas novas tecnologias, dada a tradição e natural inclinação para geração renovável combinado com a condição geopolítica favorável do Brasil”, disse, lembrando que o país não possuí problemas diplomáticos severos que travem investimentos. Seriam as “indústrias como a de TI com data centers, que já está vindo, e Inteligência Artificial, o próprio hidrogênio verde para amônia e metanol em um primeiro momento, além de segmentos de transporte e substituição industrial de combustíveis fósseis em processos de baixa e média temperaturas”.