Óleo e gás

Brasil tenta aproveitar vantagens de petróleo ‘limpo’ no mercado 

Baixas emissões ainda não rendem maior preço ou procura, mas podem contar para mercado mundial de carbono e novos investimentos

Plataforma P-74 operando no campo de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos. Baixas emissões da produção do petróleo brasileiro podem representar vantagens
Plataforma P-74 operando no campo de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos. Baixas emissões da produção do petróleo brasileiro podem representar vantagens | Petrobras

Com tecnologia avançada e imensos reservatórios que possibilitam a extração de grandes volumes com menos perfurações, o setor de óleo e gás brasileiro celebra ter uma das menores emissões de carbono por barril produzido. Esta vantagem, entretanto, ainda não significa maior procura pelo óleo brasileiro ou preços mais altos que consideram o atributo ambiental, e especialistas ouvidos pela MegaWhat divergem sobre qual deve ser o efeito prático desta condição no mercado. 

Segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), o petróleo brasileiro tem uma média de 17 quilos de CO2 equivalente por barril, chegando a 10 quilos de CO2 equivalente em alguns campos do pré-sal, enquanto a média mundial é de 20 quilos de CO2 equivalente. Em 2022, a Petrobras calculou ter emitido menos de 9,5 quilos de CO2 equivalente por barril nos campos de Tupi e Búzios.  

No contexto de busca por descarbonização, este atributo é frequentemente apontado por agentes do setor como importante vantagem competitiva para o óleo brasileiro, que apresentaria maior resiliência do que o petróleo de outras regiões por sua pegada de carbono mais baixa. 

Esta vantagem, contudo, ainda não tem reflexos no mercado. O presidente IBP, Roberto Ardenghy, reconhece que a menor intensidade de carbono do petróleo brasileiro é hoje um ‘soft power’: “Não é porque o Brasil emite hoje um petróleo menos carbonizado que você tenha um prêmio. Mas a gente vê isso como uma tendência a partir de 2027, por conta da consolidação do mercado mundial de carbono”, disse Ardenghy em evento realizado em dezembro de 2024.  

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A avaliação é parecida com a da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), segundo a diretora de Petróleo, Gás e Biocombustíveis da estatal, Heloísa Borges.  “Conforme a gente avança na modelagem emissões, ao longo de todo o ciclo de vida dos produtos e dos processos industriais, um petróleo que emitiu menos para ser produzido passa sim a ter um prêmio, porque você começa, digamos, a ‘economizar’ emissão”, disse à MegaWhat. 

Como funcionará o mercado global de carbono – e por que ele pode aumentar a procura pelo óleo brasileiro 

As negociações sobre o mercado mundial de carbono foram concluídas em 2024, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024 (COP29), mas começaram muito antes. Trata-se de um dispositivo que estabelece limites de emissões de gases de efeito estufa implementado no Artigo 6 do Acordo de Paris, celebrado em 2015.  

Emilio La Rovere, coordenador do Centro Clima da Coppe/UFRJ, explica que o mercado mundial de carbono prevê tanto a compra e venda de créditos de carbono entre países quanto entre empresas de diferentes países. As cotas anuais de emissões vão se reduzindo anualmente, de forma que as empresas reduzem progressivamente suas emissões de gases de efeito estufa.  

Assim, as empresas precisarão reduzir suas emissões ou comprar créditos ou cotas de outras empresas, tornando as emissões de gases de efeito estufa um recurso a ser gerenciado. 

Outras iniciativas para limitar o carbono 

Em um esforço paralelo ao mercado mundial de carbono, alguns países europeus, como a Noruega, já têm impostos internos específicos para petróleo e gás, diz o analista-líder de pesquisa de Upstream para América Latina da Wood Mackenzie, Luiz Hayuma. Assim, mecanismos de taxação de carbono na fronteira igualariam o produto importado ao nacional. “É um estímulo para que outros governos criem suas taxas de carbono. Porque, se você não taxa localmente e fica com dinheiro aqui, quando chegar lá na Europa, seu produto vai ser taxado de toda forma”, explica.  

Em outubro de 2023, a União Europeia iniciou a fase transitória do mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM, na sigla em inglês). Nesta fase inicial, que vai até o fim de 2025, o CBAM exige apenas a declaração das emissões de carbono de uma cesta de produtos – que não inclui petróleo. A partir de 2026, os importadores europeus dos produtos listados no CBAM precisarão comprar os certificados de carbono que excederem suas metas.  

A Wood Mackenzie avalia que a produção de petróleo poderia ser incluída no CBAM em 2028 como sistema transitório (para medição e relatório das emissões do óleo importado), com implementação plena e cobrança até 2036. 

Para Roberto Ardenghy, do IBP, este cenário é a base da ‘tendência’ que deve aumentar a demanda pelo óleo brasileiro. “O produto que emite mais vai sofrer uma punição: você ser obrigado a comprar o crédito de carbono de outro que não emite para compensar aquela emissão maior. Então a gente vê isso como uma tendência”, disse.  

Alcance limitado e o desafio da certificação 

Para Emilio La Rovere, do Centro Clima da Coppe/UFRJ, esta vantagem do baixo teor de carbono do petróleo brasileiro tem alcance limitado na lógica do mercado mundial de carbono.  

A primeira razão para isto é que a maior parte das emissões de carbono do petróleo não está na produção – onde o óleo brasileiro teria vantagem – e sim no refino e na queima de seus derivados. Ou seja, a redução nas emissões totais deste petróleo, considerando a produção e o uso, deve ser pequena. Segundo Luiz Hayum, da Wood Mackenzie, as emissões de escopo 3 são cerca de dez vezes superiores às emissões de escopo 1 e 2.  

Além disso, a alegada vantagem do petróleo brasileiro precisaria ser comprovada. “O comprador vai exigir uma certificação independente do petróleo, que realmente esse petróleo é de baixo carbono. E o ônus da prova é da empresa que vende”, diz Emilio La Rovere. 

Algumas das grandes empresas de petróleo já realizam seus inventários de emissões de efeito estufa, mas os estudos esbarram em complexidades. Uma delas está relacionada à aferição de “emissões fugitivas” no processo produtivo, que podem incluir gases como metano, com poder de aquecimento global dezenas de vezes superior ao do dióxido de carbono. Com isso, estas certificações costumam ter nível de confiança limitado, explica La Rovere. 

Para Roberto Ardenghy, a tendência é que a certificação se desenvolva, já que os mercados demandarão produtos certificados. “Existem diversas tecnologias disponíveis hoje, mas que ainda não são capazes de medir de forma precisa a emissão de metano. Novas tecnologias serão desenvolvidas para responder a esse desafio”, disse à MegaWhat. 

Heloísa Borges, da EPE, também lembra que ainda não há padronização internacional para esta certificação. “Isso exige um avanço de negociação internacional para a criação desses padrões comuns. E aí não só para E&P [exploração e produção de petróleo], mas para a indústria também. Isso avançou na última COP”, diz.  

Menor intensidade já orienta novos projetos 

Se ainda há incertezas sobre quando a menor intensidade de carbono do upstream brasileiro se converterá em vantagens práticas para o produto extraído, o atributo já entra nas contas para avaliação de novos projetos.  

“A intensidade de carbono já é um critério de decisão de investimento adotado por diversas empresas”, diz Luiz Hayum, da Wood Mackenzie. Segundo ele, as grandes petroleiras têm adotado um limite de emissões para novos projetos, como um valor fixo ou que seja abaixo da média do portfólio existente, em um movimento que tem se refletido também nas companhias menores.  

“Quando a implementação de mecanismos de ajuste de taxação de carbono na fronteira (carbon border tax), como o CBAM da União Europeia, passarem a taxar o óleo cru, os barris de menor emissão vão ter uma vantagem econômica. Como os projetos que estão tomando decisão de investimento hoje ainda vão estar produzindo daqui a 30 anos ou mais, o investimento nas tecnologias de redução de emissão de carbono pra proteger os projetos desse risco de taxação já está acontecendo”, explicou Hayum à MegaWhat. 

América Latina 

Entre as regiões da América Latina com emissões abaixo da média mundial e que se comparam com as do Brasil, Luiz Hayum destaca a Argentina, com o petróleo não convencional, além de Colômbia, Bolívia, Peru e Trinidad e Tobago. A Guiana também tem emissões que podem ser mais baixas do que as do pré-sal, disse o especialista. 

]“Os projetos novos de águas profundas, de uma forma geral, têm uma estrutura inteira nova, que já vem com o melhor da tecnologia e com esse cuidado de redução de emissões. Além disso, você tem uma utilização de capacidade muito grande, que reduz a intensidade – quando você faz a conta da emissão por barril, fica baixa”, explica. 

Estudo da Wood Mackenzie aponta que são estas tecnologias um dos fatores por trás dos altos custos das últimas FPSOs a serviço da Petrobras, Atapu e Sépia, em comparação com as plataformas anteriores, P82 e P83. “A inflação realmente impôs uma alta de custos muito grande, mas não explica tudo. Quando a gente olha um pouquinho mais, mesmo sendo a mesma capacidade de processamento, você tem um aumento imenso de peso de topsides, [em torno de] 50%. Muito disso são as novidades para redução de emissões”, diz.  

No Brasil, a EPE está desenvolvendo um estudo com cenários de emissões das atividades de E&P, após determinação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). O estudo deve ser publicado em março e deverá subsidiar o CNPE em recomendações de políticas públicas para a redução das emissões, explica Heloísa Borges. Assim, para ela, o petróleo brasileiro tende a ter emissões cada vez menores, graças ao esforço regulatório combinado ao avanço tecnológico e à expansão de fronteiras, que deve aumentar a produtividade do país.  

Por outro lado, campos maduros ou de óleo pesado, que exigem mais recursos no processamento, têm maior intensidade de carbono, diz Luiz Hayum. Tecnologias obsoletas e falta de estrutura para lidar com o gás produzido também aumentam as emissões, segundo o especialista. Na América Latina, é o que ocorre em campos da Venezuela (com mais de 70 quilos de CO2 equivalente por barril, segundo a Wood Mackenzie), México e Equador (ambos com mais de 30 quilos de CO2 equivalente por barril).  

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