Geração

Geradores criticam ‘falta de transparência’ do ONS sobre curtailment

Agentes também vislumbram que abertura do mercado poderá fomentar demanda e pedem agilidade regulatória

Sede do ONS no Rio/ Foto: MegaWhat
Sede do ONS no Rio. Geradores reclamam de falta de transparência sobre curtailment. | Foto: MegaWhat

“No ano passado, dois parques solares da Spic entraram em operação e, por três meses consecutivos, tivemos cortes acima de 60%. Quem poderia colocar no modelo um corte desse?”. O questionamento da gerente de Regulação da Spic Brasil, Erika Breyer, ilustra a situação de geradores de fontes renováveis, que têm lidado com cortes acima do esperado e pedem maior transparência do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) sobre as motivações para as restrições na geração.

Nas contas da presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage) Marisete Pereira, entre janeiro e dezembro de 2024, os cortes representaram 98 TWh, dos quais 86% foram vertimento de hidrelétricas. Além da questão energética, Pereira também aponta que a situação provoca prejuízos para o consumidor regulado, já que o risco hidrológico entra no cálculo do GSF.

O assunto foi discutido em painel durante o evento Agenda Setorial, realizado pelo Grupo Canal Energia e Informa Markets no Rio de Janeiro nesta quinta-feira, 13 de março. Para a diretora de Assuntos Regulatórios da Comerc, Ana Carla Petti, os cortes afetam a segurança dos investimentos no país.

“Tem uma discussão muito importante que é o risco que o gerador corre. Porque certamente é uma atividade calcada na livre iniciativa, que, sim, deve ter a sua devida análise de riscos, mas esses riscos precisam ser previsíveis e mensurados. Senão tudo vira uma força maior ou é algo que é tão incerto que não tem mais como receber um investimento”, avaliou.

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Segundo os agentes, boa parte dos cortes se deve a problemas estruturais, como ausência ou problemas na rede de transmissão, que não poderiam ser previstos na fase de decisão sobre os investimentos e que podem render ressarcimento de acordo com a Resolução Normativa 1.030 de 2022 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Entretanto, para os agentes, falta transparência do ONS sobre os motivos das restrições de geração, o que limita a contestação dos geradores.

“A gente tinha uma evidência muito grande que tudo que foi classificado como confiabilidade no ano passado poderia ter sido classificado como indisponibilidade externa uma vez que você tinha uma linha de transmissão que simplesmente não existia, era para entrar em setembro de 2023 e entrou em outubro de 2024”, exemplifica Erika Breyer, da Spic Brasil.

A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) Élbia Gannoum, contabiliza que desde 2023 cerca de R$ 2,7 bilhões foram perdidos pelos agentes geradores solares e eólicos em curtailment, sendo R$ 2 bilhões apenas dos geradores eólicos. “Nós, investidores, não vamos abrir mão de R$ 2 bilhões. Existe uma lei de 2004 dizendo que os cortes serão ressarcidos”, disse Gannoum, em referência à Lei nº 10.848/2004.

Os cortes também foram discutidos pela Aneel durante a consulta pública 45/2019, cuja terceira fase terminou em fevereiro de 2025. Para Ana Carla Petti, da Comerc, é importante que o ONS detalhe mais as justificativas para as solicitações de limitação de potência. “Principalmente nos casos de confiabilidade, que sejam indicadas as inequações que, na visão do ONS, estão sendo desobedecidas e por esta razão tem que se cortar a geração”, diz.

Nestes casos, os geradores reivindicam a possibilidade de reclassificação dos cortes. “Quando tem um atraso de uma instalação de transmissão, que vem tendo em geral uma classificação como confiabilidade, ser entendido como uma indisponibilidade”, explica ela.

A executiva também inclui entre os fatores que deveriam ser revistos o “estudo de sensibilidade” do Operador, sobre quanto cada usina interfere na tensão e frequência de toda a rede. Após o apagão de agosto de 2023, o ONS aumentou os critérios de segurança do sistema, o que acabou por aumentar os cortes para as usinas renováveis. Petti também argumenta que uma classificação mais clara e detalhada daria aos operadores a oportunidade de fazer melhoria em suas usinas.

Aumento na demanda e abertura do mercado

Apesar do alto grau dos cortes em suas usinas, a Spic Brasil, que investiu no Brasil cerca de R$ 15 bilhões em sete anos, ainda tem apetite para crescer mais no país, disse Erika Breyer. “O curtailment não é um problema específico do Brasil, estamos vendo esse problema globalmente. Mas aqui tem oportunidade de solução”, avalia.

Além das revisões e maior transparência nas classificações de cortes, que podem mitigar os prejuízos já existentes, novos cortes podem ser evitados com aumento na demanda. Para os geradores, o estabelecimento de novos eletrointensivos, como data centers e produtores de hidrogênio verde, podem criar esta demanda. “Mas se isso não for endereçado de uma forma correta, a gente também vai perder essa oportunidade”, diz Breyer. Para Élbia Gannoum, da Abeeólica, é importante agilizar a infraestrutura para que estes grandes consumidores possam, de fato, se instalar no Brasil.

A expansão do mercado livre também é vista como outra oportunidade para os geradores. Segundo Gannoum, é o mercado livre que vem garantindo a manutenção dos geradores renováveis. Para Ana Carla Petti, da Comerc, a abertura do mercado para baixa tensão precisa ser discutida com urgência no Congresso, já que os aprimoramentos regulatórios deverão demorar anos para serem resolvidos.