
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) negou um pedido de medida cautelar protocolado pela Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica) e pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) para suspender processos punitivos instaurados após o apagão ocorrido em agosto de 2023, que afetou grande parte do Sistema Interligado Nacional (SIN). As penalidades somaram mais de R$ 150 milhões em multas, contestadas pelas empresas.
Segundo as associações, o Relatório de Análise de Perturbação (RAP) elaborado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) após o evento contém inconsistências técnicas. O documento foi utilizado como base para a emissão de autos de infração contra usinas eólicas e solares fotovoltaicas, responsabilizando-as pela propagação da falha que resultou no desligamento em cascata do sistema.
Na avaliação das entidades, os elementos apresentados no RAP deixam margem para diversos questionamentos, incluindo a falta de análise individual das usinas envolvidas e a ausência de inércia no subsistema Nordeste, dado que 87% da geração de grande porte era baseada em tecnologia de inversores, entre outros pontos. Para eles, os fatores deveriam ter sido considerados pela Aneel antes da abertura dos processos punitivos.
Pedidos e argumentos das associações
Na medida cautelar, as entidades pediram a suspensão dos processos até a conclusão de análise técnica do RAP frente aos argumentos apresentados; não realização de julgamentos em última instância, de forma a respeitar o amplo direito de defesa até conclusão da verificação; e o arquivamento dos autos de infração lavrados em face dos geradores eólicos e solares, em caso de comprovação das inconsistências.
A Absolar alegou que apresentou análise sobre o relatório de perturbação indicando falhas no relatório. De acordo com as associações, o ONS não teria oportunizado avaliação dos dados pelos interessados, tendo lavrado cerca de 750 autos de infração exclusivamente com base em suas próprias conclusões do ONS, totalizando mais de R$ 150 milhões em multas.
“Em vez de analisar os questionamentos apresentados pela Absolar, o ONS alegou ter recebido a manifestação fora do prazo e afirmou que a enviaria à Aneel para os devidos aprofundamentos. Em suma, apesar da relevância e sensibilidade do conteúdo das contribuições apresentadas, estas sequer puderam ser refletidas e avaliadas”, afirmaram as associações.
Por fim, as entidades apontaram que “a probabilidade do direito se demonstra em fragilidades técnicas do RAP e em falha de postura da Aneel ao não fiscalizar o ONS”.
Resposta da Aneel
A Aneel rebateu diversas alegações das associações e afirmou que os interessados tiveram oportunidade de participar durante a elaboração do relatório e em etapas posteriores. A agência destacou que outras apurações estão em andamento, além da análise realizada pelo ONS.
A respeito do estudo apresentado pelas entidades, a Aneel declarou que não há impedimento para sua consideração dentro dos processos fiscalizatórios. No entanto, mesmo que as centrais geradoras não sejam culpadas diretamente pelo apagão, ainda poderiam ser penalizadas por falhas de modelagem e descumprimentos normativos.
Os estudos entregues por Abeeólica e Absolar serão encaminhados à área técnica da Aneel responsável para consideração nos processos em fase recursal, juntamente com outros argumentos já apresentados.
O apagão de agosto de 2023
A falha elétrica ocorreu às 08h30 do dia 15 de agosto de 2023, com o desligamento automático da linha de transmissão 500 kV Quixadá – Fortaleza II, no Ceará. O evento causou a perda de cerca de 23 mil MW de carga, aproximadamente 30% do total atendido naquele momento no Sistema Interligado Nacional.
A ocorrência separou eletricamente as regiões Norte e Nordeste das demais regiões (Sul, Sudeste e Centro-Oeste), afetando 25 estados e o Distrito Federal. Apenas Roraima, que já opera de forma isolada, não foi impactado.
O ONS apontou que os parques eólicos e solares não apresentaram o desempenho esperado em termos de suporte dinâmico de potência reativa. Além disso, os modelos matemáticos fornecidos pelos agentes não representaram fielmente o comportamento dos equipamentos, dificultando a previsão de riscos e contribuindo para os desligamentos em cascata.
Análises de perturbação
Com vistas a analisar a perturbação, o ONS realizou reuniões entre agosto e setembro de 2023, com participação de representantes da Aneel, Ministério de Minas e Energia (MME), 20 agentes de transmissão, 79 grupos de centrais geradoras, 41 distribuidoras e 32 consumidores livres.
As informações coletadas resultaram na emissão da versão preliminar do RAP em 25 de setembro de 2023, o qual foi submetido à etapa de contribuições dos interessados até 2 de outubro de 2023, em que se receberam 296 contribuições ao relatório. Após esta etapa, o ONS publicou a versão definitiva em 9 de outubro de 2023, indicando providências a serem tomadas pelos 122 agentes que participaram do processo.
Posteriormente, e em decorrência das fiscalizações instauradas pela Aneel, até o momento, foram emitidos dois termos de notificação (TN) para o ONS, 696 TN para geradores diversos e um TN para transmissora.
No que tange aos geradores, objeto da medida cautelar das associações, os TN foram emitidos para um conjunto de 54 controladores, detentores das outorgas das citadas 747 usinas. Dos controladores, houve um caso de arquivamento de todos os TN emitidos, e, para o restante, foram emitidos autos de infração aplicando penalidades de multa no valor total de R$ 245,3 milhões.
Dos 53 controladores, houve dois casos de desistência do recurso e pagamento das multas com desconto previsto na Resolução Normativa nº 846, de 2019, quatro casos encontram-se em expedientes de notificação e certificação do recebimento por parte dos agentes; e os demais encontram-se na Aneel para análise, em sede de juízo de reconsideração, dos recursos apresentados face aos autos de infração emitidos.