Opinião da Comunidade

Transição energética: o único adversário do Brasil é ele mesmo

thumb de com foto de Julia Sagaz
thumb de com foto de Julia Sagaz

A posse de Donald Trump gerou preocupações entre os interessados na transição energética global, especialmente com a retirada de todos os fundos não utilizados do IRA, que destinava US$ 400 bilhões a projetos de energia limpa nos EUA até o final da década. Além disso, Trump anunciou a saída dos EUA do Acordo de Paris e, sob o lema “America First”, pretende intensificar a produção de petróleo e gás, reduzir os preços da energia e eliminar os incentivos para carros elétricos.

Um dos principais receios é que isso desencadeie um efeito dominó, enfraquecendo a agenda ambiental. No entanto, os mais otimistas argumentam que os governos subnacionais (estados e municípios) e o setor privado desempenharão um papel crucial na continuidade das políticas.

Em recentes declarações, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tem sinalizado que acredita que a política energética dos EUA pode representar uma oportunidade para o Brasil, consolidando sua posição como líder na transição energética.  Com a realização da COP em Belém, o governo brasileiro pretende assumir essa liderança.

O Brasil possui vantagens estratégicas e naturais para isso, com uma matriz elétrica composta por 83% de fontes renováveis e uma matriz energética de 47% de renovabilidade. O país é altamente competitivo no desenvolvimento de energia solar e abriga uma das regiões mais eficientes do mundo para geração eólica em sua costa nordestina. Além disso, detém 12% da água doce superficial do mundo, com potencial não explorado para geração hídrica. Com toda essa energia renovável, ainda pode se tornar um hub de exportação de hidrogênio verde.

Em 2024, o governo e o Congresso realizaram o impensável ao aprovar e sancionar leis significativas para a transição energética, como a Paten, o combustível do futuro, a eólica offshore, o Marco Legal do Hidrogênio Verde e o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões.

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Entretanto, os desafios a serem superados vão muito além das leis aprovadas. O país precisa adotar estratégias que aumentem a confiança dos investidores, melhorem o ambiente de negócios e reduzam o risco Brasil. Isso é complicado diante de um cenário de divergências internas entre prioridades ambientais e econômicas, infraestrutura ineficiente e a ausência de hidrelétricas no planejamento em um contexto de variações climáticas. Além disso, os projetos de energia frequentemente enfrentam atrasos devido a entraves regulatórios, licenciamento ambiental e tensões com comunidades.

Como atrair investimentos o contexto político e de governança contradiz a transição? A imposição de tarifas de importação sobre equipamentos como placas solares, inversores e outros componentes fotovoltaicos é frequentemente citada como um obstáculo à expansão da energia solar no Brasil. A indústria eólica, por sua vez, enfrenta uma crise sem precedentes em seus 14 anos de história, mesmo após ter alcançado recordes de geração em 2023. A falta de demanda dificulta a criação de novos parques, impactando diretamente a produção de equipamentos, quando a geração eólica é composta em 80% por produtos brasileiros. A ausência de novos pedidos pode levar ao fechamento de empresas, sem perspectiva de retorno.

Espera-se um aumento na procura entre 2026 e 2027, mas é essencial garantir a continuidade das operações nas fábricas até lá. Com a aprovação da Lei de Eólica Offshore, há expectativa de um leilão para a concessão de áreas no mar a ser realizado em 2025, o que poderia impulsionar a fabricação e atrair investidores. Contudo, a transição energética também depende da regulamentação efetiva das leis, que estão atreladas a uma política de descarbonização com metas que podem ser impraticáveis, afetando não apenas a geração de energia, mas também a competitividade da indústria nacional.

Além disso, tem crescido a pressão de alguns movimentos sociais com demandas que contribuem muito pouco (ou nada) para as pautas sociais, mas, em contrapartida oneram a expansão da matriz energética, exigindo políticas desconectadas aos impactos dos empreendimentos. Há também diversos projetos de lei propondo o pagamento de royalties pelo uso do vento e do sol, somado a decisões do STF que retomam a discussão da CFURH (Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos), colocando novos interessados na briga entre União, estados, municípios.

Importante dizer que o Setor Elétrico Brasileiro (SEB) não é contra conceder o que é devido aos povos originários, aos quilombolas, ou as comunidades efetivamente atingidas por seus empreendimentos. Ao contrário, o SEB tem se mostrado como um dos setores produtivos que mais contrapartidas promove em favor dos povos impactados. No entanto, é preciso entender que não cabe ao setor assumir atribuições e responsabilidades sociais que devem partir de políticas públicas de Estado. Empurrar deliberadamente tais custos aos projetos acabam influenciando o preço e as tarifas de energia, em última análise pagos pelo consumidor, seja na conta de luz ou no produto nas prateleiras.

Pesquisas demonstra que entre 2000 e 2022, o custo unitário da energia elétrica para a indústria brasileira aumentou 1.154% em reais, muito acima dos 291% do IPCA e dos 585% dos preços industriais no Brasil. Em dólares, o aumento foi de 344%, superando significativamente os aumentos de preços industriais observados nos Estados Unidos (52%) e na União Europeia (48%) no mesmo período. Esse encarecimento contínuo afeta diretamente a competitividade nacional e eleva os custos de produção, colocando o Brasil em desvantagem no cenário internacional.

Como se vê, o Brasil precisa transformar suas vantagens comparativas em vantagens competitivas, para assim se tornar o grande provedor de soluções climáticas e o líder na transição energética justa e inclusiva.

Por Julia Sagaz, advogada, pós-graduada em Direito e Gestão Ambiental, diretora Socioambiental da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia – (Abiape) e coordenadora do GT Licenciamento Ambiental e de Recursos Hídricos do Fórum do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico (Fmase).

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