Opinião da Comunidade

Hidrogênio verde: do hype à desconfiança 

Pedro Luz fala sobre hidrogênio
Pedro Luz fala sobre hidrogênio

Por: Pedro Luz*

O potencial de o Brasil se tornar um grande produtor e exportador de hidrogênio verde (H2V) vem sendo discutido há anos, mas ganhou atenção especial com a oficialização do arcabouço regulatório em 2024. Nos últimos anos, diversos projetos foram anunciados, em sua maioria de grande porte, criando um ambiente de grandes expectativas no assunto – um verdadeiro hype –, impulsionado principalmente pela perspectiva de atração de investimentos estrangeiros. 

No entanto, com o passar dos meses, uma realidade mais complexa começou a se impor: muitos projetos enfrentaram desafios como dificuldade de acesso a infraestrutura de rede, entraves logísticos e, sobretudo, uma demanda nacional e internacional ainda não consolidada. Como resultado, alguns empreendimentos foram cancelados ou adiados, embora muitos sigam avançando em suas etapas de desenvolvimento. 

O entusiasmo inicial deu lugar a uma postura mais realista. Muitos agentes do setor já se perguntam qual será, de fato, o papel do Brasil no mercado de hidrogênio. Como veremos, é fundamental adotar uma análise equilibrada, que considere oportunidades e obstáculos, evitando tanto o otimismo exagerado quanto o ceticismo precoce. 

O Brasil no meio do hype 

O Brasil se destacou rapidamente pelo potencial de se tornar um dos principais produtores de H2V no mundo. Estudos recém-publicados pela Aurora Energy Research apontam que o hidrogênio verde brasileiro é até 56% mais barato que alternativas na Europa, em termos de custo nivelado (LCOH). O principal fator para isso é o menor custo para aquisição de energia limpa, dada nossa matriz elétrica com grande participação de fontes renováveis – projetadas para superar 75% da capacidade instalada em 2050. A competitividade do país é ainda reforçada  por Zonas de Processamento de Exportação e programas de incentivo bilionários, como o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC) e a mais recente Chamada Nordeste – a região com maior potencial para sediar projetos de H2V. 

As perspectivas de demanda para esse hidrogênio também se mostram promissoras. Internamente, o foco é na produção local de amônia para fertilizantes – o Brasil hoje é o maior importador de fertilizantes do mundo, com 16,5% do volume global. Externamente, há grandes oportunidades de exportação para Europa – projeções da Aurora apontam que a demanda europeia por hidrogênio poderá triplicar até 2050, superando 32 Mt por ano, e a necessidade de importação poderá superar os 50%. 

Assim, não é de surpreender a explosão de projetos que partiu desse cenário: mais de 66 iniciativas foram anunciadas com início até 2040, totalizando 43 GW de capacidade. Esse clima de euforia, no entanto, tem passado por uma transição, conforme incertezas sobre o potencial do hidrogênio verde no Brasil se manifestam. 

Dada a série de requisitos para a viabilidade de uma cadeia de H2V no Brail, dois desafios em especial chamam atenção: os gargalos da oferta e os riscos da demanda. 

Os gargalos da oferta 

Quanto à oferta, as restrições de rede são as mais evidentes: nossa infraestrutura deve ser preparada para suprir as grandes cargas das plantas de hidrogênio, cuja capacidade pode superar 10 GW. De fato, o começo de 2025 foi marcado por negativas à conexão de megaplantas de H2V, como as da Solatio e da Casa dos Ventos, sob o risco de sobrecargas e colapso de tensão. 

Por um lado, os planos periódicos da Empresa de Pesquisa Energética e do Operador Nacional do Sistema Elétrico já estão avaliando melhorias para suprir essas grandes cargas. Por outro, há poucos reforços estruturantes previstos no curto prazo. Portanto, assim como ocorreu com data centers, gargalos na rede podem desacelerar significativamente a produção de H2V em larga escala. Projeções da Aurora estimam que cerca de 8,4 GW devem entrar em operação até 2040 – muito abaixo dos 43 GW anunciados –, com base em uma análise detalhada do estágio de desenvolvimento dos projetos e dos riscos associados. 

Os riscos da demanda 

Além da oferta, os riscos na demanda também não devem ser subestimados. Por muito tempo, a exportação foi vista como o carro chefe do setor – quase todos os projetos de H2V mais maduros estão próximos a regiões portuárias. Porém, há agentes do setor que argumentam que a demanda doméstica, sobretudo de fertilizantes, também será chave, dados os desafios enfrentados pelas megaplantas de exportação e a dependência de uma infraestrutura de importação e distribuição nos países consumidores.  

O principal desafio, no entanto, é mais crítico: consolidar a demanda real pelo hidrogênio verde. O hidrogênio é considerado um “canivete suíço” por suas inúmeras aplicações, como a produção de amônia, o transporte de baixa emissão, e indústrias siderúrgicas e de cimento. Contudo, para que o hidrogênio verde ganhe espaço contra a alternativa “cinza”, é necessário haver demanda disposta a pagar o “prêmio verde” da opção mais sustentável, ainda elevado devido aos custos do processo de eletrólise por tonelada produzida. Há, sim, metas concretas para adoção global do hidrogênio verde, como as diretrizes RED III da União Europeia, e projeta-se que reduções de custo acelerarão a substituição até 2050. Porém, ainda se trata, por definição, de um risco, que será absorvido principalmente pelos geradores pioneiros, dispostos a consolidar a produção de hidrogênio verde no país. 

É o fim do hype? 

Um dos principais desafios que acompanha o desenvolvimento de um novo mercado é determinar quem dará o primeiro passo. Se, por um lado, a demanda necessita que haja fornecimento constante e confiável, a oferta precisa que haja demanda.  

Nesse cenário, ainda há grandes oportunidades para o hidrogênio verde no Brasil, mas tais oportunidades dependerão de soluções de rede e de mercado. Conexões flexíveis ao grid, por exemplo, permitem ajustar o perfil de carga da planta de H2V ao perfil de geração e demanda local, mitigando sobrecargas. Já no mercado, iniciativas descentralizadas e de menor escala poderão atender à demanda doméstica com menor risco, para complementar a produção para exportação. Nacional e internacionalmente, é fundamental consolidar metas concretas e incentivos para a adoção do H2V, bem como a formalização de um mercado global para a commodity. 

Por isso, assim como a euforia exagerada pode causar miopia a riscos, não se trata, também, de abandonar o hype do hidrogênio e relegar seu potencial para o país. Trata-se de promover estratégias equilibradas e economicamente sustentáveis, que consolidem, mais uma vez, o protagonismo do Brasil na transição energética mundial. 

* Pedro Luz é Advisory Analyst na Aurora Energy Research, engenheiro civil pela USP, e especialista em eficiência energética, mercados de energia e sustentabilidade

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