
A Argentina está acelerando o contato junto a comercializadores e grandes consumidores de gás brasileiros para fechar, até o fim de 2026, contratos de longo prazo para transporte do gás de Vaca Muerta. Este é o prazo para a definição do porte do gasoduto que liga a província de Neuquen, onde estão as reservas do gás não-convencional de Vaca Muerta, à cidade de La Carlota, na província de Córdoba.
A informação é de Daniel Ridelener, presidente da Transportadora de Gás del Norte (TGN), que pretende liderar o consórcio para construir o duto, e de Leopoldo Macchia, vice-presidente comercial da Tecpetrol, segunda maior produtora de gás em Vaca Muerta. Os executivos receberam a imprensa nesta quarta-feira, 6 de agosto, no Rio de Janeiro.
O novo gasoduto, que deve ficar pronto em 2029, é necessário para atender ao crescimento da demanda doméstica argentina e reduzir as importações de gás natural liquefeito (GNL), usando para isso o abundante gás de Vaca Muerta. Esta demanda interna é projetada em 10 milhões de m³ por dia, mas os agentes pretendem viabilizar um gasoduto com o dobro desta capacidade de olho no mercado externo.
O Brasil é o principal alvo, diante das necessidades do país e da redução da demanda de gás do Chile, que tem diminuído suas importações de gás argentino à medida que inclui geração renovável em sua matriz. Assim, outros 10 milhões de m³ podem ser disponibilizados para exportação ao Brasil. Para isso, entretanto, os agentes dizem ser necessário firmar acordos de médio ou longo prazo, que remunerem o investimento estimado em US$ 2 bilhões.
“Precisamos de contratos de fornecimento de gás firme, de longo prazo, com os clientes brasileiros, para financiar os novos projetos”, disse Leopoldo Macchia. O prazo, contudo, é apertado: para viabilizar o gasoduto em 2029, os agentes esperam garantir esta demanda até o final de 2026.
Segundo Daniel Ridelener, a aposta está em grandes consumidores e nas comercializadoras de gás, que podem assumir contratos mais robustos para atender a clientes com demandas menores.
“Há clientes industriais que, por suas características de processo e seu olhar de longo prazo, estão dispostos a firmar um contrato de 15 anos. [E] há clientes industriais que estão acostumados a firmar contratos de dois ou três anos e os assusta firmar um contrato de 15 anos. E aí, o papel do agregador, do comercializador, vai ser muito importante. Por isso, hoje, estamos falando com todos”, disse o executivo.
A TGN carrega cerca de 40% do gás no sistema troncal argentino, e a Tecpetrol é a segunda maior produtora de shale gas em Vaca Muerta, atrás apenas da estatal YPF.
Atualmente, na Argentina, todo o investimento para infraestrutura de gás deve ser feito pela iniciativa privada. “É um projeto 100% privado. A TGN estaria liderando, junto com outros sócios que seguramente seriam vários dos produtores [de Vaca Muerta]”, explicou Daniel Ridelener, da TGN.
Tarifas para transporte de gás na Bolívia
As primeiras moléculas do gás de Vaca Muerta chegaram ao Brasil em abril, por meio de comercializadoras. Esta rota, entretanto, teve um gargalo importante: as tarifas da boliviana YPFB para transportar o gás em suas instalações e entregá-lo no Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG).
Segundo os executivos, a distância que o gás de Vaca Muerta percorreu até chegar à fronteira boliviana é a mesma que as moléculas percorrem dentro da Bolívia até chegar ao Gasbol, cerca de 1,2 mil quilômetros. Os custos, entretanto, foram bem distintos: cerca de US$ 0,50 por milhão de BTU na Argentina, contra US$ 1,40 por milhão de BTU nos dutos já amortizados Bolívia. “Uma coisa é construir infraestrutura nova e outra coisa é utilizar um sistema amortizado”, notou Daniel Ridelener.
As transações já realizadas foram de contratos spot, com volumes menores. A primeira delas, por exemplo, foi de 4,5 milhões de m³ entregues ao longo de alguns dias. Com contratos firmes e de volumes maiores, é possível que o preço da YPFB se reduza.
“Isso vai ser parte da negociação. Se a Bolívia vai querer US$ 1,40 [por milhão de BTU], seguramente vai ter sentido a rota pelo Paraguai ou a rota do Uruguai para Porto Alegre”, avalia Ridelener.
Rotas para o gás de Vaca Muerta chegar ao Brasil
Atualmente, há cinco rotas possíveis para fazer o gás de Vaca Muerta chegar ao Brasil. A primeira é pela Bolívia, que já realizou entregas concretas, ainda que interruptíveis e de baixo volume. Os executivos avaliam que, para aumentar a capacidade desta rota, seriam necessários investimentos adicionais de cerca de US$ 500 milhões.
Outra possibilidade é pelo Rio Grande do Sul, onde já existe uma ligação com a Argentina, pela cidade gaúcha de Uruguaiana. O gás que chega, entretanto, é GNL regaseificado do país vizinho, já que ainda falta infraestrutura dentro da própria Argentina para levar o gás de Vaca Muerta até este ponto da fronteira. O gasoduto de Neuquen a Cordoba deve atuar neste gargalo, mas ainda seriam necessárias outras expansões na rede do lado argentino, com custo estimado de US$ 500 milhões, segundo a TGN.
No lado brasileiro, esta rota também requer a construção de um duto entre Uruguaiana e Porto Alegre, para que o gás chegue à rede da TBG. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) calcula que o duto teria 593 quilômetros de extensão, com custo de R$ 6,8 bilhões.
Uma terceira via é pelo Paraguai, que ainda não tem nenhum quilômetro de duto construído para atender a esta rota, mas tem pedido para fazer parte das negociações, diz Leopoldo Macchia. O país diz que pretende instalar plantas de ureia e usinas térmicas, que também poderiam usar o gás argentino.
O Uruguai é outra alternativa, com a construção de um duto que atravesse o rio da Prata. Na avaliação de Ridelener, esta rota é pouco competitiva. O quinto caminho seria por meio de GNL, que o executivo avalia ser complementar ao transporte dutoviário, para atender ao mercado de usinas térmicas, que têm demanda variável.
Conectar os países diretamente pelo Rio Grande do Sul pode facilitar negociações ao dispensar uma terceira parte, mas a escolha deve considerar também as especificidades da futura demanda de gás brasileira, com o objetivo de aproximar o ponto de entrada do local de consumo, diz Ridelener.