
Por: Daniel Araujo Carneiro*
Quando se discute a transição energética global, é fundamental que o debate esteja ancorado em dados técnicos e na experiência prática dos países. A expansão de fontes renováveis intermitentes, como a solar e a eólica, embora fundamentais para a descarbonização da matriz elétrica global, impõe desafios complexos em termos de segurança energética e custo para o consumidor.
No caso do Brasil, essa análise ganha relevância particular. Com um parque hidrelétrico robusto – composto por Usinas Hidrelétricas (UHEs), Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs) –, o país conta com uma base sólida para gerar energia assegurando estabilidade, regularidade, potência, frequência e segurança energética ao seu sistema elétrico. Essa infraestrutura hídrica representa uma vantagem estratégica, ao reduzir a necessidade de despacho de usinas termelétricas, cujo custos – tanto financeiros quanto ambientais – são significativos para a sociedade. As usinas hidrelétricas funcionam como verdadeiras baterias naturais, possibilitando a modulação da geração conforme a demanda, com custo marginal reduzido.
No contexto da energia renovável algumas premissas básicas são frequentemente ignoradas quando se trata das fontes eólica e solar. Embora a eletricidade gerada por essas fontes possa ser barata quando o sol brilha ou o vento sopra, a demanda energética das sociedades modernas é contínua, 24 horas por dia. Isso implica que, na ausência de condições climáticas favoráveis, torna-se necessário acionar um “plano B” de backup, geralmente térmicas movidas a combustíveis fósseis.
Essa necessidade de um sistema de backup acarreta um custo duplo: por um lado, o investimento nas fontes renováveis; por outro, a manutenção de usinas fósseis em prontidão. Como essas termelétricas operam com menor frequência, seus custos fixos precisam ser diluídos em um número reduzido de horas de operação, o que eleva o custo por megawatt-hora produzido.
Mas não se trata apenas de teoria, – os números falam por si. Na China, por exemplo, o custo da geração solar pode ser o dobro do custo da energia a carvão. E esse não é um caso isolado: estudos realizados¹ na Alemanha e no Texas indicam que a eletricidade gerada a partir do sol e do vento frequentemente supera, em custo, a proveniente dos combustíveis fósseis.
A Agência Internacional de Energia (AIE) reforça esse alerta com dados concretos: há uma correlação clara entre o aumento da participação de fontes solar e eólica na matriz energética e o encarecimento da eletricidade para famílias e indústrias. Segundo a AIE, a cada 10% de incremento dessas fontes, o custo pode subir em mais de US$ 0,04 por quilowatt-hora (kWh). Trata-se de um impacto que nem sempre ganha destaque nas manchetes, mas que certamente pesa no bolso do consumidor.
Imagine um país cuja matriz energética seja marcada por alta previsibilidade e capacidade de despacho firme. Esse tipo de sistema possibilita a modulação da geração conforme a demanda, assegurando um fornecimento estável, contínuo e confiável ao sistema elétrico nacional.
No contexto energético global, o Brasil se destaca por sua matriz majoritariamente hidrelétrica, uma vantagem estratégica relevante no campo de geração de energia elétrica. As usinas hidrelétricas brasileiras funcionam como verdadeiras baterias naturais de grande escala, capazes de fornecer energia de forma contínua, previsível e flexível. Essa característica contribui para a estabilidade e a segurança do sistema elétrico, com custos relativamente baixos quando comparados a outras fontes despacháveis.
Em contraste, países como a Alemanha enfrentam desafios específicos em sua transição energética. Sem acesso significativo a recursos hídricos, a estratégia alemã concentrou-se em investimentos robustos em fontes renováveis intermitentes, como a solar fotovoltaica e a eólica. Embora promissoras em teoria, essas fontes têm resultado, na prática, em custos de eletricidade substancialmente mais altos, superiores ao dobro dos registrados nos Estados Unidos e quase quatro vezes maiores que os da China. Isso ocorre, em parte, devido à necessidade de manter sistemas de backup — geralmente térmicos — em prontidão para momentos de baixa geração solar ou eólica.
A principal questão está na variabilidade intrínseca dessas fontes. Em condições ideais, as renováveis podem suprir até 70% da demanda energética da Alemanha. Contudo, em períodos de baixa irradiação solar ou ausência de vento, como ocorreu no último inverno europeu, essa contribuição pode cair drasticamente, chegando a menos de 4% da demanda total.
A limitação das soluções de armazenamento de energia em larga escala, como baterias, acentua essa vulnerabilidade. Na Alemanha, a capacidade total de armazenamento por baterias é extremamente limitada, sustentando o fornecimento por apenas cerca de 20 minutos. Dessa forma, por mais de 23 horas diárias, a demanda energética dependente de combustíveis fósseis para garantir a continuidade do suprimento. Essa dependência gera picos extremos de preços, com custos no mercado atacadista chegando a até US$ 1 por quilowatt-hora (kWh), durante períodos de escassez.
Essa análise contrasta nitidamente com a realidade brasileira, que se beneficia da previsibilidade e do menor custo operacional proporcionado pelas hidrelétricas. Países desprovidos dessa dotação natural de recursos hídricos tornam-se, assim, mais
vulneráveis à volatilidade climática e à necessidade de manter onerosas capacidades de geração de backup baseadas em combustíveis fósseis.
Essa distinção fundamental afeta diretamente a segurança energética e os custos da eletricidade, especialmente num contexto global de crescente demanda por fontes de energia “verdes”. Compreender isso é crucial para formular políticas energéticas eficazes que equilibrem sustentabilidade, segurança e custo, evitando decisões baseadas apenas em tendências ou percepções superficiais.
Essa comparação nos leva a uma reflexão essencial: qual é o custo real da transição energética para países que não contam com a “bateria” natural das hidrelétricas?
A narrativa da energia renovável barata pode ser especialmente prejudicial para países em desenvolvimento, frequentemente pressionados a abandonar projetos fósseis em favor das renováveis, mesmo quando estas não representam a solução mais econômica ou confiável para suas realidades. Se a energia solar e eólica fossem realmente acessíveis, toda a nova infraestrutura energética desses países seria baseada nessas fontes.
No entanto, essa transição em larga escala ocorre principalmente em países ricos, onde o consumo de eletricidade está em declínio, há subsídios governamentais generosos e, sobretudo, uma infraestrutura robusta de backup baseada em combustíveis fósseis.
Para enfrentar a mudança climática de forma eficaz e justa, é imperativo que a energia renovável se torne verdadeiramente mais barata do que os combustíveis fósseis. Isso requer prioridade em pesquisa e desenvolvimento, com foco em avanços tecnológicos, como a energia nuclear de quarta geração e soluções de armazenamento por baterias muito mais eficientes e acessíveis.
Em última análise, é fundamental reconhecer que a crença de que a energia solar e eólica barata está, isoladamente, substituindo os combustíveis fósseis configura uma possível narrativa custosa e perigosa. Somente com uma abordagem realista e integrada, que considera custos, infraestrutura e contexto local, será possível construir um futuro energético sustentável, seguro e acessível a todos.
A lição que se extrai das experiências internacionais é clara: a transição energética exige planejamento, pragmatismo e equilíbrio. O Brasil, com sua matriz hidrelétrica consolidada, tem a oportunidade de aprender com as lições das experiências globais e conduzir sua transição energética de maneira mais resiliente, estratégica e econômica.
Dados da DW Brasil¹
*Daniel Araujo Carneiro é diretor da DAC Energia
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