O processo que define as regras para a inserção de sistemas de armazenamento de energia no Brasil terminou sem desfecho na reunião da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) desta terça-feira, 12 de agosto, depois que o diretor Fernando Mosna pediu vista, argumentando que precisaria analisar melhor a questão das tarifas de uso das redes de distribuição e transmissão pelos empreendimentos, especialmente os autônomos, isto é, não instalados junto a um gerador específico.
O processo, que tramita há anos na agência, chegou próximo à conclusão com o voto do diretor-relator Daniel Danna propondo enquadrar as baterias como Produtores Independentes de Energia (PIE), com flexibilização de até 30% na contratação de uso da rede para projetos colocalizados com geradores e de 5% para empreendimentos existentes.
A polêmica da ‘dupla tarifa’
Os diretores Ivo Secchi Nazareno e Sandoval Feitosa votaram com Danna. Mosna concordou com a flexibilização dos contratos, mas questionou a cobrança de tarifas tanto para consumo quanto para geração pelos sistemas autônomos, o que chamou de “tarifa dupla”.
Antes do pedido de vista, Sandoval rebateu, afirmando que não se trata de “dupla tarifa” para o mesmo serviço, mas de tarifas distintas para dois serviços diferentes. “Quando consome, paga tarifa de carga; quando gera, paga tarifa de geração”, disse, citando o exemplo da autoprodução, que funciona assim há 30 anos.
O voto do diretor Daniel Danna, relator do processo em questão, acatou grande parte das recomendações de uma extensa nota técnica conjunta elaborada pelas superintendências da Aneel, prevendo enquadrar as baterias como produtoras independentes de energia (PIE) e a cobrança das tarifas de transmissão e de distribuição tanto na injeção quanto na retirada de energia.
Para Mosna, porém, a cobrança nos dois sentidos poderia configurar uma barreira regulatória. Ele argumentou que a nota técnica conjunta admitiu que não haveria como seguir o “princípio de causalidade” de custos na hora de definir a cobrança do fio pelos sistemas de armazenamento, já que são empreendimentos que não alteram custos de operação do sistema nem exigem expansão da infraestrutura existente.
A opção das áreas técnicas foi por uma regra seguindo os princípios e considerações gerais da Aneel. Na visão de Mosna, ao seguir esse caminho, faltou que a discussão explorasse cenários em que há isenção de parte da tarifa para as baterias, como praticado em outros países. “Esse é o primeiro ponto que eu trago, que demonstra efetivamente a necessidade de termos mais maturidade no debate”, afirmou.
O diretor não chegou a defender outra forma de cobrança da tarifa fio, mas entendeu que seriam necessários mais argumentos para descartar outras possibilidades de cobrança pelo uso da infraestrutura.
“Estamos falando de princípios, de considerações gerais e interpretações. Para o presente caso, o princípio pode ser interpretado como, mesmo que um SAE autônomo não cause expansão do sistema, nem no momento em que atua como carga, nem no momento em que atua como gerador, ainda assim ele deve contribuir para o pagamento dos custos do sistema”, disse, completando não entender “como é possível interpretar isso”.
A questão da tarifa foi levantada antes da discussão pelos diretores, durante sustentações orais de agentes interessados no tema.
“A gente entende que essa medida é contrária a todas as evidências fundamentadas antes pela Aneel, nas etapas da consulta pública 39. Então, a gente recomenda, na verdade, que não haja esse duplo pagamento, ou seja, essa barreira ao desenvolvimento do mercado, que vai onerar os consumidores no final”, disse Marcello Cabral, diretor de Novos Negócios da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
Esquisito na festa
Na discussão, Mosna reiterou que a nota técnica admite que não há consenso internacional sobre o tema, então sugeriu um debate mais aprofundado para tentar um modelo misto e diferenciado, com gradação da tarifa paga pelas baterias, dependendo do seu uso.
“O setor elétrico, ele lembra aquela música do Legião Urbana. ‘Festa estranha com gente esquisita’, e está chegando mais um esquisito na festa. A gente tem que tratar o esquisito de acordo com o esquisito que existe, não adianta a gente simplesmente querer manter tudo como hoje e remeter para uma discussão futura. Adiar problemas não faz com que eles fiquem menores”, afirmou Mosna.
O diretor Ivo sugeriu que as baterias autônomas que sejam contratadas para prestar serviços ancilares, por exemplo, possam ser tratadas de forma diferente de acordo com o serviço contratado pelo Ministério de Minas e Energia. Para ele, a regra proposta permite diminuir as inseguranças dos agentes e é um avanço “significativo no marco regulatório”.
Danna manteve seu entendimento, e afirmou acreditar que cabe â Aneel dar o sinal econômico e regulatório, sem criar excepcionalização para agentes específicos, com a mesma regra aplicada a todos.
O diretor Mosna chegou a sugerir que Danna retirasse o processo de pauta, para aprofundar o entendimento, mas acabou pedindo vista do processo.