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Por: Charles Lenzi **
A matriz elétrica brasileira é notavelmente composta por 85% de fontes renováveis, com a energia hídrica respondendo por 52%[1] desse total. O avanço de outras fontes renováveis, somado à expansão da geração distribuída, tem intensificado os desafios relacionados à gestão do sistema elétrico brasileiro em função do crescimento exponencial das fontes intermitentes. Para garantir o fornecimento de energia nos momentos de menor geração eólica e na queda abrupta da energia solar ao final do dia, torna-se essencial contar com fontes firmes e despacháveis, que tenham flexibilidade operativa. Nesse contexto, as centrais hidrelétricas, especialmente as de pequeno porte, desempenham um papel estratégico na estabilidade e confiabilidade do sistema elétrico nacional.
O desenvolvimento de novas centrais hidrelétricas com potência até 50 MW tem enfrentado uma desaceleração nos últimos anos, principalmente devido ao cancelamento dos leilões de energia nova, em especial os leilões A-5 e A-6 e à falta de políticas públicas específicas para este segmento. Esses leilões são cruciais para a viabilização de projetos hidrelétricos, dado o tempo necessário para sua implantação e as especificidades do setor. Além disso, a complexidade e falta de previsibilidade no processo de licenciamento ambiental e as dificuldades de conexão à rede elétrica representam obstáculos adicionais ao avanço desses empreendimentos no Brasil. Atualmente, a expansão da geração tem se dado principalmente através de fontes intermitentes. Em 2024, quando se registrou a maior expansão histórica da matriz elétrica, 91,13% do total da capacidade instalada adicionada foi de fontes eólicas e solares. Isso significa que o nosso planejamento de longo prazo não está atento aos reflexos do aumento considerável da geração de energia elétrica não firme, o que implicará em maiores custos para garantir a confiabilidade e segurança do sistema elétrico brasileiro.
A viabilização de centrais hidrelétricas depende de contratos de longo prazo, geralmente superiores a 20 anos, em razão das particularidades dos projetos e da complexidade das obras associadas. Por isso, os leilões regulados promovidos pelo Governo são fundamentais, pois proporcionam previsibilidade e segurança aos investimentos no setor.
Recorde de projetos cadastrados no Leilão A-5 de 2025
A publicação da Portaria GM/MME 95/2024 foi recebida com otimismo pelo setor hidrelétrico, que tem atuado intensamente para viabilizar leilões exclusivos para a fonte hídrica. A medida é vista como um avanço positivo, especialmente diante do expressivo número de projetos registrados na ANEEL e aptos a participar dos leilões, conforme dados do SIGA/ANEEL. A iniciativa do Governo fortalece a cadeia produtiva e impulsiona o desenvolvimento do setor, dando uma nova perspectiva de futuro para os empreendedores. Esse cenário fica evidente no registro de projetos cadastrados na Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para o Leilão de Energia Nova A-5 de 2025, que ocorrerá em 22 de agosto deste ano. Foram cadastrados na EPE 241 empreendimentos, dentre os quais 50 Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs), 184 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e 7 Usinas Hidrelétricas com potência até 50MW (UHEs), totalizando 2.999 MW distribuídos em 15 estados.
Nos últimos leilões de energia (2010 a 2025), a contratação de projetos hidrelétricos foi significativamente inferior a outras fontes renováveis. Enquanto os empreendimentos eólicos somaram mais de 18.000 MW e os solares ultrapassaram 5.600 MW, as hidrelétricas de pequeno porte tiveram uma participação mais modesta, de apenas 2.655 MW.
A disparidade na implementação de novos projetos hidrelétricos em relação às fontes eólica e solar destaca a necessidade de políticas públicas específicas que incentivem a contratação e o desenvolvimento de hidrelétricas de menor porte, valorizando seus atributos estratégicos para a matriz elétrica.
Dados recentes da Agência Internacional de Energia (IEA)[2] indicam que o Brasil não avançou significativamente na redução do uso de combustíveis fósseis, como carvão, gás natural e petróleo. Paralelamente, a participação das hidrelétricas caiu de 82% para 60% no mesmo período. Essa mudança reflete o crescimento das fontes renováveis intermitentes, como solar e eólica, que atualmente representam cerca de 20% da matriz. Porém, a intermitência dessas fontes pode gerar desequilíbrios no sistema, exigindo o acionamento de termelétricas em períodos alta demanda. Esse cenário reforça a relevância de políticas públicas que estimulem fontes estáveis e confiáveis, como as hidrelétricas, especialmente as de pequeno porte, para contribuir na estabilidade e segurança do fornecimento de energia. Ao contrário do que outros países fazem em termos de transição energética, substituindo fontes de combustíveis fósseis por renováveis, o Brasil tem feito um trabalho árduo para substituir hidrelétricas, que são as melhores opções para geração limpa, renovável e de baixo custo, por renováveis intermitentes, aumentando os custos sistêmicos e reduzindo substancialmente nossa confiabilidade e segurança. Basta ver como a proporção de geração hidrelétrica em nossa matriz elétrica tem diminuído nos últimos anos.
Experiências Internacionais
A relevância das hidrelétricas é corroborada por experiências internacionais. Países como China e Canadá seguem investindo em projetos hidrelétricos para garantir a segurança e a eficiência do fornecimento de energia aos consumidores. De acordo com o relatório Hydropower Special Market Report 2030[3], da Agência Internacional de Energia (IEA), a China continuará liderando mundialmente a capacidade hidrelétrica instalada até 2030, utilizando essa fonte para atender à crescente demanda energética e reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Desde 2005, a China detém a maior capacidade hidrelétrica do mundo, seguida pelo Brasil, Estados Unidos, Canadá, Rússia, Japão e Índia.
A contínua expansão hidrelétrica da Turquia impulsiona a maior parte do crescimento da Europa. Na América do Norte, as oportunidades de exportação de eletricidade estimulam o desenvolvimento de um potencial ainda inexplorado no Canadá, país com uma longa tradição no uso de hidrelétricas. Essa fonte representa uma parcela significativa de sua matriz energética, contribuindo para a estabilidade e a sustentabilidade do sistema elétrico.
Conforme relatório da IEA, a expectativa é que Colômbia e Argentina liderem o crescimento no setor hidrelétrico na América Latina até 2030. Historicamente, o Brasil tem sido o protagonista no setor hidrelétrico latino-americano, porém nos últimos anos o país experimentou uma desaceleração na implantação de novos projetos, apesar da grande quantidade de projetos possíveis de serem desenvolvidos. O Brasil não pode negligenciar o aproveitamento de seu expressivo potencial hidrelétrico para usinas de pequeno porte, uma vez que ainda dispõe de vastas oportunidades para implementar projetos sustentáveis e estratégicos
As hidrelétricas de pequeno porte oferecem uma série de benefícios para a matriz elétrica brasileira, com a geração de energia estável, a prestação de serviços ancilares, a contribuição para a preservação de áreas ambientais e baixa emissão de gases de efeito estufa ao longo de sua vida útil. Além disso, esses empreendimentos são bens reversíveis à União, podendo ser licitados pelo governo ao final de sua outorga, proporcionando energia barata, segura e confiável por mais de 100 anos.
A implementação de políticas públicas voltadas à contratação dessas hidrelétricas é essencial para aproveitar plenamente seu potencial, garantindo a sustentabilidade e a segurança do sistema elétrico brasileiro a longo prazo.
** Charles Lenzi é presidente-executivo da Abragel.
[1] SIGA/ANEEL – Março/2025
[2] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/10/aie-alerta-que-avanco-da-energia-renovavel-ficara-aquemda-meta-da-onu-para-2030.shtml)
[3] https://www.iea.org/reports/hydropower-special-market-report