A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) rejeitou um recurso administrativo da Eletronorte, subsidiária da Eletrobras, que pedia ressarcimento de custos relacionados ao despacho extraordinário de termelétricas em novembro de 2020, para abastecer a população do Amapá em meio a um apagão que deixou o estado no escuro por uma falha em equipamentos de transmissão.
A discussão antecipou pontos que serão discutidos futuramente pela agência sobre ressarcimento de despesas extraordinárias relacionadas à situação de calamidade pública no Rio Grande do Sul. O diretor Ricardo Tili, relator do processo, cujo entendimento foi vencido pelos colegas diretores, falou da sinalização da decisão da agência, e afirmou que a “solidariedade de quem ajuda não pode ser punida”.
A geração no Amapá
O alerta foi feito porque a Eletrobras atendeu a solicitação do governo na ocasião quando foi designada e viabilizou, de forma célere, excepcional e temporária, a geração de até 150 MW em Macapá, capital do Amapá, para permitir a retomada da eletricidade no estado.
Foram contratadas de forma emergencial pela Eletronorte, com as empresas SoEnergy e Oliveira, as termelétricas Santana, Santana II e Santa Rita. A então estatal pediu ressarcimento de R$ 52 milhões, mas as áreas técnicas da Aneel recomendaram ressarcimento de R$ 42,9 milhões, já considerando um abatimento de R$ 5 milhões recebidos pela empresa na contabilização do mercado livre de energia entre novembro de 2020 e maio de 2021.
O voto de Tili acatava parcialmente o recurso da Eletrobras, ao aceitar que fosse custeada uma parcela controversa de cerca de R$ 4,2 milhões, referente à ultrapassagem do limite regulatório do consumo de combustível pelas usinas. A proposta era flexibilizar a regra e considerar o consumo de combustível pela faixa de potência por unidade geradora, e não a potência total da usina.
Em outubro de 2023, quando o voto foi apresentado, o diretor Fernando Mosna votou de forma contrária, e o então diretor Hélvio Guerra pediu vista. No mesmo mês, Hélvio apresentou seu voto vista contra acatar o recurso, e foi a vez do diretor-geral, Sandoval Feitosa, pedir vista do processo.
No voto vista, o diretor-geral acompanhou o entendimento de Mosna e Guerra, e também votou contra o recurso, o que levantou questionamento por parte de Tili, que alegou que numa situação de calamidade como essa, seria importante a Aneel sinalizar flexibilidade para não punir os agentes solidários. Como a diretora Agnes da Costa acompanhou os votos vista, por maioria o recurso da Eletronorte foi indeferido.
Solidariedade X Ressarcimento
Com seu entendimento vencido pelo dos demais diretores, Tili, que foi diretor de Regulação e Comercialização da Eletronorte entre outubro de 2021 e maio de 2022, disse “ter certeza” que se a Eletronorte soubesse disso, ela não teria contratado e não ia vender aquela energia, o estado ia ficar no escuro”. Segundo ele, “pode ser que o espírito solidário deixe de existir, se os agentes souberem que vão pagar a conta”, e isso deveria ser esclarecido também em relação às medidas tomadas para reconstrução da infraestrutura do Rio Grande do Sul, em curso atualmente.
Após os questionamentos de Tili, o diretor Mosna questionou às áreas técnicas se já havia alguma discussão de flexibilização do ressarcimento de custos das empresas que estão atuando no Rio Grande do Sul, para não impedir e sim incentivar a “solidariedade” entre os agentes.
“Se efetivamente determinadas distribuidoras estão mobilizando pessoal e equipamentos, e não tiverem a segurança de saber qual é efetivamente o valor a ser ressarcido, nós não estaremos, então, dando o papel necessário de agência reguladora, no sentido de direcionar como deve ser feito esse ressarcimento”, disse Mosna.
O superintendente de Fiscalização Técnica dos Serviços de Energia Elétrica (SFT), Giacomo Bassi, explicou que ainda estão em contato com as distribuidoras e com as demais empresas que atuam no Rio Grande do Sul, já que ainda não se tem um diagnóstico da dimensão do problema, por ainda haver regiões alagadas.
A diretora Agnes da Costa, que relatou recentemente um processo que flexibilizou algumas regras das distribuidoras de energia por conta do estado de calamidade pública, explicou que, naquele momento, as preocupações das empresas estavam relacionadas a possíveis penalidades no caso de transgressões que possam ser agravadas pelo envio de suas equipes ao Rio Grande do Sul, mas destacou que nesses casos será preciso comprovar nexo de causalidade entre os eventos.
O diretor-geral, Sandoval Feitosa, destacou que são questões diferentes, e afirmou que, no caso do Amapá, o limite do que poderia ser ressarcido foi definido pelo Ministério de Minas e Energia e não poderia ser desrespeitado pela Aneel.
“Esse direcionamento que você faz é importante para o Ministério, porque geração excepcional é responsabilidade do Ministério. E nós não podemos trazer isso para cá, primeiro, porque tem a competência própria. E segundo, que nós aqui, como administradores públicos, teríamos muita dificuldade em autorizar um custo excepcional de geração não abarcado em nossas normas”, explicou Feitosa.