Após quatro horas e meia de debates, a audiência pública promovida pela Comissão de Minas e Energia, da Câmara dos Deputados, para tratar do norma que regulamentou as regras para a geração distribuída no país, terminou com a convocação de uma nova sessão, dessa vez com o convite a Luiz Eduardo Diniz Araújo, procurador-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e demais diretores do órgão regulador para explicarem as interpretações da norma.
“Essa audiência pública que vamos protocolar é para pedir ao procurador-geral e aos diretores da agência que expliquem a interpretação que estão dando, para serem tomadas as devidas providências. A partir disso, vamos constatar se a procuradoria da Aneel está usando de má-fé com essa casa, usando com irresponsabilidades para podermos aplicar penalidades”, disse o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), um dos requerentes da audiência pública ocorrida nesta terça-feira, 17 de maio.
O deputado pediu explicações sobre a Resolução Normativa n°1.059/2023 da Aneel, que regulamentou o chamado Marco Legal da GD, instituído pela Lei n° 14.300/2022. O segmento conta com 500 mil pedidos de conexão à rede de micro e minigeração distribuída (MMGD), e a reunião desta quarta-feira discutiu uma maior participação de biogás, a análise da oneração de um consumidor em prol de outro, além da realocação de créditos e tecnicalidades pontuais.
Participando da audiência, Rodrigo Sauaia, presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) afirmou que, após a publicação da norma, o setor passou por diversos prazos que não foram cumpridos, o que está ajudando na “onda de judicialização” vista na agência reguladora.
Segundo Sauaia, a regulamentação das diretrizes do marco não ocorreu dentro do prazo, acarretando em “problemas para os consumidores”. Já o Ministério de Minas e Energia (MME), também deveria adequar seus procedimento e processos para que a minigeração distribuída tivesse acesso ao Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi) e as debêntures de infraestrutura incentivadas até agosto de 2022. Mas os vetos da Lei foram derrubados pelo Congresso Nacional, agora o governo federal está em dívida com a sociedade”.
Outros pontos destacados pelo presidente-executivo da Absolar é a cobrança de demanda de pequenos consumidores com geração distribuída (GD), em que, segundo o entendimento da procuradoria da Aneel, as unidades consumidoras de baixa tensão (grupo B) que tiverem GD serão cobradas pela demanda.
“[Isso] não estava previsto no acordo firmado entre todas as partes na construção do marco legal. Esta leitura da Aneel implica em uma cobrança indevida de demanda sobre consumidores de baixa tensão que tenham geração própria sobre consumidores de baixa tensão que tenham geração própria renovável e resulta em duplicidade de cobrança pelo uso do sistema de distribuição, valor mínimo faturável e demanda. A Aneel está disposta a mudar trechos da matéria, mas quem tem a caneta para resolver é o Congresso Nacional”, disse o executivo.
Já Tássio Barboza, vice-secretário de Energia Solar do Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel), defendeu a aprovação da Projeto de Lei 1.292/2023, que visa alterar trechos do marco legal, como a realocação de créditos ou excedentes para o mesmo titular, além da solicitação por parte da concessionária de pendências em casos de indeferimento de projetos.
Hewerton Martins, presidente da Associação Movimento Solar Livre (MSL), afirmou que a resolução teve um efeito “catastrófico” no setor devido ao fechamento de empresas. Pela Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Riomar Jorge, especialista técnico Regulatório, disse que a entidade apoia a decisão da Aneel, mas um ponto de relevância é o pagamento do desconto do uso do fio sem que isso onere um consumidor em detrimento do outro.
Já Rafael Gonzáles, vice-presidente da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), solicitou que a fonte passe a ter um papel relevante no marco legal da GD, visto que também é usada por produtores rurais. “O marco legal atendeu alguns peitos do setor de biogás, no entanto, não vimos, nem na Resolução Normativa 1.059/2023, a possibilidade de valorar os benefícios ambientais dessa fonte”.
Do lado da Lei 14.300, Ricardo Brandão, diretor-executivo de Regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), argumentou que mudanças na norma podem gerar tarifas adicionais para os consumidores que não possuem geração distribuída.
“Subsídios associados à MMGD custarão, segundo projeções da Abradee, no mínimo, R$ 6,3 bilhões em 2023. O consumidor que não tem GD não está sendo chamado para o debate sobre o tema, sendo que é chamado para pagar a conta dos descontos sobre encargos setoriais, uso da rede de transmissão e uso da rede de distribuição de quem tem. Isso não é um modelo sustentável. Renegociar os termos da lei impõe pesados subsídios aos consumidores, além daqueles que já serão pagos. Essa conta vai ficar impagável”, afirmou Brandão.
Josiani Napolitano, diretora de Relações Governamentais da Associação Brasileira dos Produtos Independentes de Energia Elétrica (Apine), também defendeu que qualquer medida que amplie os subsídios, para além do já previsto no marco legal da GD, aumentará ainda mais os efeitos “perversos” para demais usuários e necessitando mais suporte de serviços dos sistemas interligado, como suprimento de potência e segurança energética, a serem pagos pelos demais consumidores.
“A Apine é contrária às propostas para altera a Lei 14.300, que visam ampliar subsídios. Destaque para enquadramento de usuários de GD como autoprodutores, isentando os pagamentos de encargos setoriais que pode provocar um aumento de cerca de 30% no subsídio atualmente concedido, passando de R$ 298 bilhões para R$ 391 bilhões, no período 2023 e 2045”, destaca a executiva da associação.
A transferência de créditos de energia para quaisquer outras unidades consumidoras também é vista como inapropriada pela entidade, sob a justificativa de que criaria uma forma de comercialização de energia a partir da negociação de valores de venda e compra de energia com base nos créditos gerados.
Posicionamento Aneel
Destacando que a Resolução Normativa 1.059/2023 foi o resultado da avaliação técnica da agência reguladora sobre o assunto, baseada em discussões com representantes de várias cadeias do setor, Carlos Mattar, superintendente de Regulação dos Serviços de Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica da Aneel, afirmou que, apesar dos benefícios, a MMGD traz preocupação quanto a capacidade de escoamento e fluxo de energia pelos sistemas de transporte.
“A Aneel solicitou o envio pelas distribuidoras de dados individualizados sobre cada pedido de conexão realizado no período pós-Lei 14.300/2022. As informações recebidas servem de subsídio para atuação sobre eventuais desvios constatados. Quanto às conexões já efetivas, a Aneel disponibiliza sistema público, que permite à toda sociedade acompanhar em detalhes o crescimento da MMGD no Brasil. A Aneel não faz política pública, nós cumprimos o que está na norma, e todas às vezes que ela cumpre a lei são baseadas em contribuições recebidas. Hoje temos 500 mil pedidos de conexão de MMGD nas distribuidoras de todo Brasil, contra aproximadamente 24 mil reclamações”, disse Mattar.
MME
Representando o Ministério de Minas e Energia, Frederico de Araújo Teles, diretor de Políticas Setoriais, afirmou que a pasta dialoga com todas as empresas e associações para encontrar a melhor solução.