
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) negou recurso da Casa dos Ventos relacionado à conexão de projetos de amônia verde e data centers no Ceará, na região do Complexo do Pecém.
A autarquia seguiu as recomendações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que apontou riscos de sobrecarga significativa na rede de transmissão devido à ausência de reforços estruturais. Outros problemas técnicos relacionados à conexão dos ativos também foram identificados.
Além disso, a agência reguladora determinou que o ONS aumente a transparência dos seus estudos, disponibilizando um mínimo de informações técnicas referentes às negativas apresentadas à Casa dos Ventos.
Parecer negativo do ONS
O recurso da Casa dos Ventos abrange os empreendimentos Data Center Pecém II e Iracema Amônia Verde, com demanda total de 1.776 MW. As conexões estavam previstas para dezembro de 2027 e 2028, respectivamente, por meio do seccionamento da linha de transmissão 500 kV Pecém II – Pacatuba C1, operada pela Sistema de Transmissão Nordeste S/A.
Em 31 de junho e 15 de agosto de 2024, a Secretaria Nacional de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas e Energia reconheceu as alternativas de conexão à Rede Básica dos empreendimentos por entender que eles atendiam aos critérios de mínimo custo global para atendimento às cargas previstas. Meses depois, a empresa protocolou junto ao ONS solicitações formais de acesso das unidades ao sistema de transmissão.
No início deste ano, a Casa dos Ventos obteve a autorização da Aneel para a acesso do data center a rede básica do Sistema Interligado Nacional (SIN). Dias depois, o ONS emitiu relatório de acesso apontando inviabilidade sistêmica da conexão dos projetos, pois os estudos conduzidos apontaram restrições estruturais sistêmicas graves que impedem, neste momento, a viabilização dos acessos.
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Dentre os principais problemas técnicos identificados, o ONS destacou sobrecargas significativas da rede de transmissão, incluindo saturação de corredores no Ceará e Rio Grande do Norte, decorrentes de limitações de fluxo de potência ativa em linhas de transmissão cearenses. Entre as linhas citadas pelo operador estão Quixadá – Fortaleza II – local da falha no mecanismo de proteção que causou o blecaute de 15 de agosto de 2023.
O ONS ainda citou comprometimento das margens de estabilidade de tensão na região Nordeste, com elevado risco de colapso de tensão em caso de contingências, e fator de potência e suporte de reativos inadequados para sustentar os níveis de tensão exigidos.
Além disso, foi apontada ausência de reforços estruturantes previstos no curto prazo no Plano de Outorgas de Transmissão de Energia Elétrica (POTEE) capazes de mitigar esses problemas no horizonte de conexão pretendido.
“A necessidade de limitação dos fluxos ocasiona restrição de geração nas usinas localizadas nos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Ceará. As restrições associadas a esses fluxos permanecem até 2028, uma vez que não há alteração significativa na rede de transmissão para a região”, disse o operador, que também ponderou a necessidade de cortes de geração (curtailment) de renováveis para mitigar sobrecargas.
De acordo com o operador, uma das soluções estruturais para eliminar os problemas citados é a implantação da subestação Morada Nova e de obras associadas, licitadas no lote 3 do primeiro leilão de transmissão de 2024 outorgadas à Eletrobras, com prazo contratual estabelecido para entrada em operação até 30 de junho de 2029 – um ano depois da conexão dos ativos da Casa dos Ventos.
“No entanto, persistem restrições de estabilidade de tensão e dinâmica no eixo não equacionadas por empreendimentos já outorgados. Isso significa que, no âmbito do POTEE vigente, inexiste reforço estrutural de curto prazo capaz de viabilizar o atendimento das cargas de 1,0–1,2 GW nos pontos solicitados, sendo necessário aguardar a implementação de novas soluções de planejamento (eventualmente a serem propostas a partir das discussões regulatórias em curso) para possibilitar acesso seguro a esses grandes consumidores”, destacou o Operador.
O que disse a EPE?
Em outubro de 2024, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) elaborou estudo sobre conexão à rede de transmissão, destacando que o Nordeste já teria margem para receber até 8,35 GW em conexão de grandes projetos consumidores, como plantas de hidrogênio e data centers.
Contudo, a Aneel destacou em seu processo que a EPE deixou claro que tais margens possuem “caráter meramente informativo e que não substituem um processo de acesso em que todas as condições de acesso são detalhadas”. Para a autarquia, a EPE disse que um estudo de acesso aprofundado, a cargo do ONS, seria imprescindível para avaliar com segurança a conexão de cargas expressivas e que as premissas de estudo a serem consideradas pelo Operador “podem levar a resultados bastante distintos na fase de solicitação de acesso”.
Argumentos da Casa dos Ventos
Depois de receber a negativa do ONS, a companhia pediu revisão do operador, apresentando manifestações técnicas complementares elaboradas com suporte de consultorias, mas obteve a mesma resposta negativa.
A empresa ainda solicitou, em caráter liminar, que o ONS disponibilizasse a íntegra dos estudos realizados para embasar os pareceres, argumentando que a ausência de acesso a essas informações comprometia seu direito de defesa e a compreensão das restrições apontadas.
“Houve gravíssima não disponibilização, pelo ONS, da totalidade das informações solicitadas, o que, além de afrontar o dever legal e regulamentar de transparência e motivação, simplesmente impediu a reprodução das análises realizadas”, justificou a companhia em seu recurso.
A Casa dos Ventos também disse que houve alteração de premissas e uso de metodologia não prevista, desvio de finalidade e prematura conclusão negativa acerca do acesso solicitado e prejuízos e impactos econômicos.
Para a empresa, o ONS teria alterado de forma extemporânea o caso base dos estudos após a edição das portarias de acesso aos projetos emitidos pelo MME, e, após o protocolo dos pedidos de acesso, adotando ainda uma metodologia de análise supostamente “desconhecida e inovadora”, não prevista nos procedimentos de rede vigentes.
Análise da Aneel
De acordo com a Aneel, o ONS agiu dentro de sua competência técnica e legal, aplicando o procedimento técnico-regulatório cabível de avaliação de acesso de cargas ao sistema de transmissão. A autarquia ainda destacou que não houve qualquer ilegalidade ou erro material na condução dos estudos pelo operador.
“Os pareceres de acesso emitidos apresentam fundamentação técnica, evidenciando que o atendimento das cargas pretendidas acarretaria sobrecargas em diversos componentes do sistema elétrico e riscos concretos de colapso de tensão em contingências simples, não havendo obras estruturantes previstas no horizonte próximo, no âmbito do planejamento vigente (POTEE), que fossem capazes de mitigar tais problemas”, diz a agência.
Em sua avaliação, a consulta pública divulgada pela agência e as portarias do MME sobre o assunto não afastam a obrigatoriedade de cumprimento das normas vigentes de acesso, nem conferem direito adquirido à conexão.
Sobre os argumentos socioeconômicos apresentados, a Aneel disse que eles não devem sobrepor aos critérios técnicos e regulamentares.
“Conceder tratamento excepcional à Casa dos Ventos – seja revisando os pareceres desfavoráveis sem base técnica, seja suspendendo seus efeitos e garantindo posição privilegiada na fila de acesso – configuraria afronta aos princípios da isonomia e da ordem cronológica, em detrimento de outros acessantes em situação similar”, justificou a Aneel.