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BNDES suspende cobrança de dívida de hidrelétricas estruturantes e ajuda a mitigar crise hídrica

BNDES suspende cobrança de dívida de hidrelétricas estruturantes e ajuda a mitigar crise hídrica

O BNDES deve assinar nos próximos dias uma nova rodada de suspensão temporária de pagamentos de empréstimos com as grandes hidrelétricas brasileiras, em uma medida que vai mitigar os efeitos da crise hídrica sobre essas empresas, evitando uma contaminação dentro do setor de energia elétrica.

A operação, conhecida no mercado pelo jargão “standstill” – termo em inglês com tradução literal de paralisação -, seguiu o modelo da suspensão das cobranças de dívidas aprovada pelo BNDES em 2020, por conta dos efeitos da pandemia de covid-19. Desta vez, a oportunidade foi lançada para as hidrelétricas com mais de 50 MW de potência, com a condição de que no mínimo 75% dos seus credores aprovassem a operação, aval que foi obtido pelas interessadas.

Assim, grandes hidrelétricas como Belo Monte, Jirau e Santo Antonio terão um alívio temporário, de no máximo seis meses, no pagamento do serviço da dívida, podendo concentrar a gestão de caixa no risco hidrológico, que custou caro às usinas neste ano.

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Para essas usinas, o standstill é fundamental, pois os projetos estruturantes trabalham com uma modalidade de financiamento no qual os primeiros anos de operação são mais afetados pelas despesas financeiras, que são reduzidas com o passar dos anos, com a amortização dos financiamentos.

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A Jirau Energia, por exemplo, trabalha com uma previsão de gastar R$ 1,2 bilhão em encargos em 2021, incluindo a tarifa de transmissão, e conta com mais cerca de R$ 1,2 bilhão em custo da dívida. “E o custo líquido do GSF, porque temos o seguro da repactuação, deve ser de R$ 1 bilhão”, disse à MegaWhat Edson Silva, presidente da concessionária da hidrelétrica localizada no rio Madeira (RO).

Com a adesão ao standstill, a empresa deve deixar de pagar cerca de R$ 100 milhões mensais de serviço da dívida durante seis meses. “E aí eu consigo manejar isso, fazer a gestão do caixa”, disse Silva.

“Dada a questão hídrica, o banco optou por, novamente, emprestar a resiliência de seu balanço em favor do segmento hídrico”, explicou Carla Primavera, superintendente da área de energia do BNDES.

O prazo para adesão das hidrelétricas elegíveis terminou em 31 de outubro, e o período de suspensão temporária de pagamentos é de até sete meses, no intervalo de setembro de 2021 até junho de 2022. Como as usinas ainda estão assinando os tramites finais com os credores, a paralisação deve começar a valer em dezembro, podendo durar até junho do próximo ano.

Como há contrapartidas para os pedidos, como a limitação na distribuição de dividendos acima do mínimo obrigatório, o BNDES já imaginava que nem toda a carteira do banco, de mais de R$ 50 bilhões no segmento, iria aderir. “Recebemos sete projetos, que representam valores expressivos, e temos trabalhado com os credores que também entendem que essa é uma boa solução”, disse Primavera.

O banco não informou quais os projetos aderiram, mas a MegaWhat apurou que os principais, que lideraram as conversas, foram Belo Monte, Santo Antonio, Jirau e Teles Pires.

“Nós nos unimos com as demais estruturantes para mostrar ao poder concedente e ao regulador que existe um impacto grande do GSF no caixa, e uma das soluções foi essa da dívida, porque as contrapartes são bancos, e não outros agentes do setor”, disse Daniel Faria Costa, presidente da Santo Antonio Energia, concessionária da usina de mesmo nome e também localizada no rio Madeira.

Outras saídas para gestão do caixa das empresas poderiam envolver, por exemplo, um parcelamento dos débitos referentes à exposição ao GSF na CCEE, ou mesmo dos encargos, mas isso iria ter efeitos em cascata em todo o setor. “Essa foi uma solução em que as várias que discutimos que seria mais palavável. Eu só estou alterando o prazo médio do financiamento, e não provocando uma discussão com outras contrapartes no setor elétrico”, completou Faria Costa.

No caso de Belo Monte, no rio Xingu, o serviço da dívida é ainda mais custoso, por volta de R$ 200 milhões mensais. “Nós não queríamos causar uma disruptura na cadeia, parcelando a CCEE, que teria efeito muito mais negativo no setor”, disse Luiz Fernando Rolla, diretor financeiro da Norte Energia, concessionária da hidrelétrica.

O cenário macroeconômico, com aperto da curva de juros e aumento de custos dos financiamentos, reforça ainda mais a importância da suspensão dos pagamentos para que as usinas tenham fôlego para manter seus compromissos em dia. “Nós pagamos TJLP, a cada ponto percentual que temos de aumento, significa um acréscimo de R$ 200 milhões no serviço da dívida, e temos que ter cuidado para manter a liquidez e garantir um caixa mínimo para que possamos seguir”, disse Rolla.

Gestão do risco hidrológico

Se de um lado o standstill vai ajudar as hidrelétricas a terem um respiro para lidar com os efeitos do risco hidrológico no curto prazo, no médio a longo prazo as usinas continuam com estratégias de gestão de portfólio para minimizar os efeitos do GSF. Ainda que o ano de 2021 tenha sido atípico, com a pior hidrologia desde 1931, o entendimento no mercado é que o déficit das hidrelétricas veio para ficar, embora em menor escala.

Além de terem aderido à repactuação do GSF, tanto nos contratos regulados quanto livres, as usinas também buscam fazer novos contratos que sirvam como “hedge” – jargão em inglês do mercado financeiro para proteção.

Essa proteção, em geral, se dá pela aquisição de contratos de energia, que possam substituir a energia não gerada por conta do GSF e reduzir a exposição dessas empresas na CCEE. “Geralmente fazemos leilões de compra e venda de energia, dependendo da exposição. Infelizmente, a volatilidade está muito grande, sempre fazemos um planejamento de médio prazo criterioso”, disse Rolla.

Jirau também tem feito leilões para compra de energia, a fim de formar um portfólio e evitar custos futuros. “E temos a expectativa de redução da Tust a partir de meados do ano que vem, uma redução bastante expressiva”, disse Silva. Essa redução deve acontecer pois, quando as hidrelétricas estruturantes foram licitadas, a Tust, tarifa de uso do sistema de transmissão, foi fixada por 10 anos, mas a partir do 11º ano ela passa a ser calculada pela Aneel. “E nos últimos 10 anos a Tust foi sobrestimada”, disse o executivo.

“Como toda empresa, olhamos para a frente no planejamento estratégico, e continuamos buscando mecanismos para melhorar a eficiência da operação, mas ainda é algo que estamos formatando”, disse Faria Costa, de Santo Antonio.

Para o BNDES, o GSF não é uma ameaça do ponto de vista da carteira. Segundo Primavera, muitas usinas têm feito o dever de casa para mitigar os efeitos, principalmente de caixa, e a discussão estrutural sobre o problema está inserida na modernização do setor, incluindo debates sobre separação de lastro e energia e atribuição de valor ao uso da água. “O banco acompanha e contribui com essa agenda de longo prazo, tanto com as empresas quanto com o governo”, disse a superintendente.

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