A fusão entre a Enel Américas e a Enel Green Power (EGP) Américas deve ser concluída ao fim de dezembro, reunindo todos os ativos da companhia na América Latina, com exceção do Chile, em uma única empresa. No Brasil, maior mercado da companhia na região, a fusão terá outra vantagem importante: tornar mais fácil para a Enel oferecer contratos de energia renovável para os clientes livres e se posicionar para o momento em que o mercado se tornará de varejo.
“Nossa estratégia na Enel Américas sempre foi se posicionar em distribuição, porque na nossa região, cada vez mais as pessoas vivem nas cidades, com um papel integrador muito grande”, disse Aurélio Bustilho, diretor financeiro da companhia, que tem sede no Chile, com ações listadas na Bolsa de Santiago e na Bolsa de Nova York.
O movimento de abertura do mercado livre de energia no Brasil chamou a atenção da companhia para este setor, e para a possibilidade de aumentar a eficiência das suas operações de venda de energia renovável a esses consumidores. Outros países, como a Colômbia, também estão apostando nas energias renováveis para limpar a matriz, tornando o negócio ainda mais desejável do ponto de vista de gestão.
“Qual é a energia mais barata? A renovável. Já temos a frente de comercialização, os clientes, mas não a energia renovável. Nossa visão agora é de ter uma única frente para o cliente, vendendo mais serviços junto da commodity energia”, explicou Bustilho.
Hoje, a Enel Américas administra as atividades de distribuição de energia do grupo italiano no Brasil, Colômbia, Peru e Argentina, além da geração de energia convencional. As hidrelétricas de grande porte no Brasil, por exemplo, também são da Enel Américas.
Já a Enel Green Power Américas cuida de um portfólio cada vez maior de geração de energia renovável na América Latina, incluindo Brasil, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Panamá e Peru. A empresa tem hoje 3,7 GW de geração renovável em operação, com mais 2,2 GW em construção e dezenas em desenvolvimento.
Inicialmente, a estratégia da italiana na região envolvia um posicionamento forte em distribuição, a fim de mostrar a capacidade de “turnaround” de ativos problemáticos. Em São Paulo, os problemas não eram tão grandes na antiga Eletropaulo, mas a Enel tem mostrado a capacidade de recuperação na Enel Goiás (antiga Celg), com melhora dos indicadores de qualidade e aumento de conexão de clientes.
Enquanto isso, por meio da Enel X, a italiana tem ganhado força em parcerias-público privadas (PPPs) de iluminação pública e também na prestação de serviços aos consumidores.
Com a fusão, será possível oferecer um pacote completo aos clientes, e ter acesso ao mercado livre de varejo com fontes renováveis. “Eu já tenho na Enel Américas termelétricas e hidrelétricas, mas com as renováveis, teremos a possibilidade de oferecer produtos diferenciados, modular a carga para o preço horário por exemplo. O negócio fica mais refinado”, explicou Bustilho.
A ideia é se adequar às necessidades do cliente, mais do que jogar energia na rede. Os países da América Central foram incluídos no negócio até pelas complementariedades que têm com a matriz elétrica colombiana, segundo Bustilho.
Governança
Hoje, a EGP Américas é 100% detida pela holding na Itália, enquanto a Enel Américas tem 65% das ações nas mãos do controlador e outros 35% em circulação no mercado. Com a fusão, os acionistas minoritários serão diluídos, passando a deter 24,5% das ações da nova empresa. Os outros 75,5% serão da holding.
Segundo Bustilho, essa relação de troca foi o resultado de quatro avaliações independentes sobre as companhias: dois peritos, o Santander e o Banchile. Chegaram à conclusão que a equação justa era uma relação de 0,43 vezes.
“Analisamos várias possibilidades. Poderíamos começar do zero com as renováveis, ou usar nossa capacidade de endividamento e comprar a EGP Américas. Ou fazer a fusão, que foi a escolha que achamos que pode agregar mais valor aos acionistas”, disse Bustilho.
De acordo com o estatuto da Enel Américas, nenhum acionista pode ter mais que 65%, fazendo com que seja necessária uma alteração no estatuto da companhia para que a fusão possa ser concluída. “Para mudar o estatuto, preciso de votos favoráveis por 75% dos acionistas”, explicou. Além da controladora, minoritários representando 10% das ações precisarão dar o aval ao negócio.
O volume de ações em circulação será reduzido, mas os acionistas passarão a contar com uma base maior de ativos, incluindo a maior geradora renovável não convencional da América Latina. “Em um mercado que tem anseio pela liberalização, ter energia mais barata e com flexibilidade de várias tecnologias dá uma vantagem para os clientes”, disse o executivo.
No Brasil, a Enel Américas tem uma comercializadora que negocia cerca de 700 MW médios por ano, mas a tendência é que o volume cresça, tanto pela expansão do mercado quanto por causa da fusão. “Vou ter todo o ferramental para fazer uma oferta ‘tailor made’ e segmentada ao cliente”, disse Bustilho.
Próximos passos
A assembleia geral de acionistas que vai deliberar sobre o ajuste no estatuto e também sobre a transação está convocada para 18 de dezembro deste ano.
Os acionistas que discordem terão direito de retirada até 17 de janeiro de 2021, a um preço já estabelecido por lei considerando a média das cotações por determinado período.
A governança será mantida em seu nível elevado, com conselho de administração independente, com um representante eleito pelos minoritários, e com manutenção das políticas de partes relacionadas. Todos os contratos precisam ser aprovados por diretores, e as políticas de desinvestimento precisam passar por assembleia.
Questionado se há planos de mudar a sede da Enel Américas do Chile para o Brasil, Bustilho disse que isso não deve acontecer no futuro previsível, até pelo rating soberano chileno ter grau de investimento, o que barateia captações naquele mercado.
“O Brasil tem vantagens como uma liquidez maior, mas não tem o mesmo grau de risco que tenho aqui. Nosso plano é fortalecer a governança e nos fortalecermos como empresa chilena”, disse.
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