O reconhecimento do problema e a alocação dos custos do curtailment foram os fatores em comum de uma discussão de especialista para tratar dos desafios da indústria e as perspectivas para recuperação de perdas financeiras e de geração. Em um dos painéis do Brazil WindPower, agentes criticaram a falta de transparência sobre os critérios para a realização dos cortes e de ressarcimento, além de chamarem atenção para a sustentabilidade das geradoras, que construíram projetos sem considerar o risco.
“O curtailment não foi precificado nos preços dos projetos, mas poderá ser. O gerador não tem como antever qual corte será feito e há uma ausência de parâmetros para entender a dimensão dos cortes, e o gerador pode vir fazer uma conta [errada] por conta disso. Já chegou uma informação para nós que, se a empresa não tiver um percentual do corte, o financiamento não é liberado”, disse Camila Alves, sócia-administradora do escritório Julião Coelho Advocacia.
Segundo a advogada, o problema não é restrito aos projetos novos, dado que existem empresas usando recursos de outros lugares para “tapar o buraco” deixado pelos cortes na geração, estratégia, vista por ela, como insustentável no longo prazo.
Para Mauro Freitas, diretor de Energia do grupo Serveng, medidas compulsórias estão sendo tomadas para proteger o conceito de adimplência com os financiamentos.
“Muitos projetos são financiados por bancos público e tem as debêntures no mercado. Os contratos têm indicadores que precisam ser mantidos, caso contrário, você pode agravar sua liquidez. Outro aspecto importante é o prêmio de risco desses projetos, que pode diminuir. Além disso, temos risco de renovação de PPAs, pois os preços podem ser depreciados, apesar do PLD alto”, disse Freitas
Liu Aquino, diretor presidente da Echoenergia, destacou que o setor tem um problema de alocação de risco e as decisões de investimentos das empresas estão se tornando difíceis, sendo necessária uma correção na regulamentação.
“Sob a ótica do gerador é como entregar um cartão para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) fazer compras e nós pagamos a conta. É um dinheiro que você investiu e tem um terceiro tomando conta dele. Precisamos fazer uma adequação correta da alocação de risco, que aumenta com a mini e microgeração distribuída. Nós temos geração entrando no sistema de forma descontrolada e a geração centralizada está sendo cortada”, afirmou o executivo.
Gustavo Estrella, CEO da CPFL Energia, complementou Aquino dizendo que essa é uma questão mundial, dado que as fontes intermitentes estão crescendo em várias áreas. Para o executivo, hoje, o Brasil está indo na contramão da sua matriz, uma vez que realiza cortes em renováveis e aciona o parque térmico.
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Além disso, Estrella defendeu a alocação dos custos e mecanismos para aumentar a demanda e, consequentemente, reduzir os cortes, seja por meio da produção de hidrogênio verde e/ou data centers.
Traumas do GSF
Para Camila Alves, o receio do curtailment é um sintoma do GSF, porém em estágio inicial.
“Houve uma negação do problema por parte dos reguladores. A norma atual não abarca que os geradores não devem ser onerados individualmente pelo risco do curtailment, já que é um risco do sistema. Os cortes acontecem por motivos externos à usina e não tem relação com a performance do ativo”, disse ao destacar que o seu escritório tem cerca de 1.300 usinas representadas em ações de corte, o que mostra a relevância da questão.
Para o diretor-geral da Volt Robotics, Donato Filho, o problema do curtailment é grave, porém não se assemelha ao GSF. Em cálculos realizados pela empresa, o valor das perdas do setor por corte pode chegar a R$ 1,6 bilhão, ao considerar a redução da receita dos geradores somada ao custo das térmicas que têm que ficar ligadas por horas seguidas, já que são inflexíveis. Segundo Filho, as térmicas custaram R$ 1,3 bilhão no último trimestre.
“O curtailment nunca chegou a 1% do setor elétrico, então não podemos dizer que é um novo GSF, mas a forma de ressarcimento está equivocada. Apesar disso, houve uma usina que teve corte de 77% de sua produção”, destacou.
Problema antigo
De acordo com o presidente do Conselho de Administração da Abeeólica, Fernando Elias, o tema já vem sendo discutido, porém, as restrições no último ano cresceram depois do apagão de agosto de 2023.
Élbia Gannoum, presidente-executiva da associação, também falou que o assunto é antigo ao setor, que está “insatisfeito” com a regulamentação da lei de 2004 sobre o assunto, já que as regras não trouxeram a correta alocação de risco.
“O setor está padecendo com a falta de alocação adequada de riscos. Além dessa discussão no âmbito regulatório e em âmbito judicial, fizemos outras ações e mais recentemente com o ONS, MME e Aneel. A solução é complexa e o trabalho que estamos desenvolvendo visa levar os nossos pleitos que tratam de ter o risco e o custo alocados onde eles devem estar”, falou Gannoum.
Experiência internacional
Na avaliação de João Marques da Cruz, CEO da EDP South America, as experiências internacionais podem ser usadas como referência para uma solução no Brasil.
“Uma primeira componente é o ressarcimento, a EDP nos Estados Unidos conseguiu ressarcir 20% em nove meses. É preciso alterar a lei [brasileira]? Não, porém é preciso uma alteração no procedimento para que ocorra uma classificação de ressarcimentos. Ainda temos os leilões de transmissão, que são um sucesso, e podem ajudar a reduzir os cortes”, concluiu.