Até 2035, o Paraguai deverá ter carga interna para consumir os 50% a que tem direito na produção da hidrelétrica binacional de Itaipu, informou o diretor técnico paraguaio da usina, Hugo Zarate, com base em projeções da autoridade de energia do país, a Administração Nacional de Eletricidade (Ande).
“O Paraguai está indo bem, eles refizeram a previsão do PIB deles, a previsão desse ano é de 4,4%. No ano passado, eles já cresceram também”, disse o diretor-geral brasileiro, Enio Verri, a jornalistas em visita à usina na última sexta-feira, 18 de julho.
Em 2014, a proporção era de 88% do consumo de energia da usina para o Brasil e 12% para o Paraguai. Em 2024, o consumo da energia foi de 69% para o Brasil e 31% para o Paraguai e, até o momento, em 2025 este consumo está em 67% para o Brasil e 30% para o Paraguai.
O crescimento se deve a atividades de mineração de criptomoedas no país, além da atração de investimentos por parte do governo paraguaio de empreendimentos eletrointensivos, disse Zarate. O diretor paraguaio reconhece, entretanto, que o ritmo acelerado de crescimento na carga não deve se manter, embora a tendência de aumento na demanda permaneça.
Venda no mercado livre brasileiro a partir de 2027
Independentemente do aumento na carga interna projetado para 2035, o Paraguai poderá usar a totalidade de sua parte na geração de Itaipu antes. Segundo acordo firmado entre Brasil e Paraguai em 2024, o país poderá vender a energia de Itaipu no mercado livre brasileiro a partir de 2027.
“Ele vai ter liberdade para gerir seu bloco de energia. Não vai ser obrigado, como é hoje, a destinar o que não usa para o mercado brasileiro de Itaipu”, disse o diretor Financeiro do lado brasileiro, André Pepitone.
Desde o estabelecimento da usina, o Paraguai destina o excedente de sua energia apenas ao Brasil e a preços pré-fixados que, geralmente, são vistos como demasiadamente baixos pelo lado paraguaio. O acordo de 2024 também estabeleceu uma mesma tarifa para os anos de 2024 até 2027, mantendo os valores de 2023. No ambiente de contratação livre (ACL) brasileiro, a energia poderia ser comercializada a preços vigentes no mercado.
Apesar de não poder gerenciar a energia de Itaipu, hoje o Paraguai já pode comercializar no ACL brasileiro a energia gerada em outras usinas de seu território, que conta com as plantas de Yacyretá (binacional com a Argentina, com potência de 1,6 GW para o Paraguai) e Acaray (100% paraguaia, com potência de 200 MW).
A comercialização ocorreu a partir de portaria do Ministério de Minas e Energia (MME) em outubro de 2024, com as diretrizes para a importação de energia elétrica a partir do Paraguai, por meio de contrato de comercialização de energia no ambiente de contratação livre celebrados pelos comercializadores autorizados pelo Brasil. A energia contratada não pode superar o limite de 120 MW médios em base mensal.
‘Aumento na potência é inevitável’, diz diretor-geral Enio Verri
Com o crescimento da carga no Paraguai e no Brasil, além do desafio de oferecer energia firme diante do crescimento da geração intermitente, Itaipu já estuda suas opções para o futuro. Segundo Enio Verri, há espaço físico para a instalação de mais duas unidades geradoras, o que pode ampliar a capacidade instalada da usina em 10%.
A expansão ainda não se mostra viável mas, na avaliação de Enio Verri, é “inevitável”: “Isso vai ocorrer. Nós estamos discutindo só a data que estaremos maduros o suficiente para esse investimento”, disse o diretor-geral da usina.
Os desafios até a expansão são de diferentes naturezas. Tecnicamente, ainda não há necessidade para troca das unidades geradoras (UGs), que ainda possuem cerca de 40 anos de vida útil. Economicamente, “o custo hoje ainda leva muito tempo para amadurecer o investimento”, disse Enio Verri.
Há, ainda, a necessidade de alterações no Tratado de Itaipu, que rege todo o funcionamento da usina e prevê apenas 18 UGs de 700 MW cada, com a possibilidade de mais duas unidades geradoras de reserva, que foram instaladas em 2007, totalizando 20 UGs.
Por fim, para que um aumento na potência instalada de fato se reflita em maior geração de energia, será necessário ampliar o reservatório de Itaipu, com o alagamento de novas áreas. A estimativa é que seria necessário aumentar a profundidade do reservatório em um metro, o que requer o alargamento das margens em extensões muito maiores.
“Envolve um grande estudo estratégico, porque envolve políticas ambientais, políticas sociais, as comunidades que serão atingidas, versus a relação e benefícios que isso pode trazer à sociedade”, explicou Verri. Todos estes fatores são incluídos no cálculo de custos.
“Você construiu uma usina na ditadura militar, é uma coisa. É outra coisa construir uma usina hoje”, disse Verri. A área alagada do reservatório da usina soma 1.350 quilômetros quadrados de extensão.
Além do “inevitável” aumento na potência, Itaipu também investe em novas fontes de geração de energia renovável, como hidrogênio verde e combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), biometano, e o uso do próprio reservatório para geração solar por placas flutuantes.
A hidrelétrica também iniciou um ambicioso plano de atualização tecnológica, que prevê o investimento de US$ 1 bilhão para modernização da operação.
Rampa de 2,8 GW para compensar intermitência de renováveis
Enio Verri avalia que o uso total da energia paraguaia pelo país não preocupa, pois o Brasil tem crescimento de energia renovável no Nordeste. “Não cabe a Itaipu discutir isso, mas olhando de fora, não parece um problema gigante”, disse.
O desafio de atender a potência para compensar a intermitência renovável, entretanto, permanece. “O Brasil precisa, senão da energia, precisa potência. O papel da energia firme vai crescer, à medida que nós vamos crescendo a intermitente”, reconheceu.
Em 2024, Itaipu atendeu a uma rampa média de 2,8 GW, a potência de quatro de suas unidades geradoras, para compensar a intermitência da geração renovável no horário de ponta, especialmente a saída da geração solar no final do dia. Em 2023, esta rampa foi de 1,4 GW, disse o diretor Técnico brasileiro da usina, Renato Sacramento.
No ano passado, Itaipu gerou 67,1 milhões de MWh de energia. Neste ano, a usina encerrou o primeiro semestre com uma produção de mais de 37 milhões de MWh, cerca de 12% a mais em relação ao mesmo período do ano anterior.
*A repórter viajou a Itaipu a convite da usina.