A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu, por maioria, concluir a votação do processo sobre rebatimentos financeiros do leilão do GSF, incluindo os efeitos no cálculo da extensão das outorgas para os agentes vencedores, sem questionar as premissas determinadas pelo governo.
O voto-vista do diretor Fernando Mosna, que alertou para um possível impacto bilionário de até R$ 2,5 bilhões nos custos para consumidores, devido a postergações de outorga maiores do que deveriam, teve apoio do diretor-geral, Sandoval Feitosa, mas foi vencido pelo voto da diretora Agnes da Costa, que teve apoio dos colegas Daniel Danna e Ivo Secchi Nazareno.
Prevaleceu o entendimento de que caberia à agência cumprir a Portaria 112/2025 do Ministério de Minas e Energia (MME), que trouxe as diretrizes do leilão, incluindo taxa de retorno e valor de referencia da energia, apesar do diretor Mosna ter defendido no voto-vista a ilegalidade do texto em relação à Medida Provisória (MP) 1.300.
As análises de parâmetros financeiros e metodológicos devem ser feitas individualmente nos processos de extensão de outorga das usinas vencedoras do leilão, seguindo o rito regulatório da agência. Isso significa que, após o pagamento dos passivos, previsto para o dia 13 de agosto, e do envio dos resultados em termos de prorrogação de outorga à Aneel pela CCEE, a agência poderá avaliar cada caso tecnicamente.
O impasse da taxa de retorno
O impasse começou na reunião da Aneel da semana passada, quando o diretor Fernando Mosna apontou que a atualização da taxa de retorno (WACC) para 10,94%, determinada pela Portaria 112, diverge da taxa usada nas repactuações do GSF de 2015 e 2020.
Essa taxa de retorno é usada para descontar os valores futuros, calculando assim o valor presente dos títulos financeiros que garantem a extensão das outorgas. Com a taxa mais alta, o valor presente dos títulos sobe, o que resulta em prazos maiores de extensão para compensar os valores pagos, elevando o custo total que será repassado ao consumidor.
Segundo ele, a taxa estaria em desacordo com o comando legal da MP 1.300, que determinou o uso dos parâmetros aplicados anteriormente pela Aneel. A incongruência na metodologia levou o diretor a pedir vista do processo.
Outros problemas: opex e preço de referência
No voto-vista lido hoje, Mosna foi além da taxa de retorno e questionou ainda outros parâmetros fundamentais, como o preço de referência da energia e o custo operacional (opex), que influenciam diretamente o valor dos títulos negociados no leilão e o prazo da extensão das outorgas.
Segundo ele, o opex e o preço de energia baseados em parâmetros para energia comercializada livremente não poderiam ser aplicados às usinas cotistas, que têm parte da garantia física vinculada a cotas e não podem dispor livremente dessa energia. Isso também distorceria o cálculo da extensão para essas usinas, ainda que nenhuma usina cotista tenha participado do leilão na semana passada.
Os parâmetros usados nas repactuações anteriores incluem o preço de referencia de R$ 153,77/MWh, que atualizado fica em R$ 275,60/MWh, e o opex de R$ 29,88/MWh, equivalente a R$ 53,55/MWh em valores atualizados. A portaria, porém, considerou o preço de R$ 229,85/MWh e o opex de R$ 95,81/MWh.
Essas premissas correspondem a um valor líquido de receita que se espera que cada hidrelétrica fature por ano como resultado da extensão de outorga. Considerando esses valores, calculados com base nas premissas usadas antes e as usadas agora, resultaram uma diferença de mais de 111% no prazo adicional que as usinas conquistaram no leilão. Essa extensão indevida de outorga, nos cálculos apresentados por Mosna, equivale a R$ 2,5 bilhões,
“Ou seja, para solucionar um débito no mercado de curto prazo de R$ 842,36 milhões e receber um ágio de R$ 558,68 milhões a ser destinado à CDE, o consumidor terá um custo adicional de R$ 2,5 bilhões com os parâmetros adotados pela Portaria MME 112/2025”, disse o diretor em seu voto.
Mosna explicou que seu posicionamento não visa invalidar o resultado do leilão, mas garantir que a extensão das outorgas seja calculada com base em parâmetros que respeitem o ordenamento jurídico e não onerem excessivamente os consumidores. Ele recomendou que, apesar de o leilão ter sido operacionalizado, os parâmetros deveriam ser revistos tecnicamente para corrigir distorções e proteger o interesse público, para que a agência pudesse “estabelecer o correto numero de dias a serem acrescidos na outorga”.
Legalidade e TCU
Questionado sobre a ilegalidade da Portaria 112,o procurador-geral da Aneel, Eduardo Ramalho, afirmou que não cabe à Procuradoria esse questionamento, porque a Consultoria Jurídica da União (Conjur) vinculada à pasta atestou a regularidade do ato.
A diretora Agnes, então, defendeu a manutenção do seu voto lido semana passada, formalizando a extensão das outorgas conforme o leilão e os parâmetros estabelecidos, preservando os descontos tarifários, o limite de sete anos para extensão e o regime jurídico original das concessões.
Antes do pedido de vista, na discussão da semana passada, a diretora Agnes da Costa chegou a sugerir que o MME revisasse e confirmasse seu posicionamento sobre a taxa de retorno.
Hoje, porém, ela retirou essa recomendação, porque entendeu que o texto da MP, ao mencionar “valores dos parâmetros aplicados pela Aneel”, não obriga a manutenção exata dos valores anteriores, mas permite alguma atualização, desde que justificada. Essa posição reforça a segurança jurídica do mecanismo adotado.
O diretor Ivo acompanhou sem ponderações, enquanto Danna comentou que iria acompanhar o voto da relatora, porque a agência iria apreciar os casos posteriormente nos processos de cada outorga.
Antes de votar acompanhando o diretor Mosna, o diretor-geral, Sandoval Feitosa, acrescentou que questões relativas à legalidade e impacto financeiro do mecanismo concorrencial podem ser objeto de fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU), órgão competente para esse controle.
“Aqui vem a grande fortaleza da Aneel, do seu processo. De forma pioneira, todos nossos debates são públicos”, disse Feitosa, explicando que “certamente” o TCU estaria acompanhando essa deliberação, pelo seu papel de fiscalizar a agência. “Aqui o Tribunal de Contas pode exercer a qualquer tempo, a qualquer momento, e o judiciário, se provocado, também poderá, assim, fazer”, comentou.