Com o agravamento da crise hídrica, o Ministério de Minas e Energia (MME) editou uma portaria determinando a redução da vazão das hidrelétricas de Jupiá e Porto Primavera, no rio Paraná, medida considerada fundamental para evitar o colapso desses e de outros reservatórios.
Ao mesmo tempo, veio à tona uma minuta de Medida Provisória (MP) em elaboração pelo governo que cria a Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para Uninas Hidrelétricas (CARE), com poderes para estabelecer um programa de racionamento. A governança proposta se assemelha à vista no período de racionamento de 2001. A informação foi antecipada pelo jornal O Estado de S. Paulo no último sábado, 12 de junho, e confirmada pela MegaWhat, que teve acesso ao documento, que circula no mercado.
O MME publicou uma nota ainda no sábado com um esclarecimento sobre o assunto, detalhando toda a situação hídrica vivida hoje e dizendo que o governo vem explorando todas as medidas a seu alcance para permitir passar o período seco de 2021 sem impor um programa de racionamento. A existência da MP, contudo, não foi negada.
Além de permitir o estabelecimento de um programa de racionamento, a MP em discussão no governo dá poderes para que a CARE faça uma gestão dos usos múltiplos da água, com poder de decisão excepcional e temporária das restrições operativas das hidrelétricas do sistema. A justificativa da medida lembra que as deliberações do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) não são de caráter determinativo, mas o contexto crítico e excepcional que o país vive exige que essas deliberações o sejam.
Segundo fontes ouvidas pela MegaWhat, isso é importante devido às implicações políticas relacionadas ao uso múltiplo das águas. É o mesmo motivo que levou à necessidade da portaria que determinou a redução da vazão das duas hidrelétricas do rio Paraná, que foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União na noite de sexta-feira, 11 de junho.
A vazão de Jupiá será reduzida de 3.300 m³/s para 2.300 m³/s, enquanto Porto Primavera precisa reduzir a vazão de 3.900 m³/s para 2.700 m³/s. Isso já havia sido indicado pelo CMSE, mas os agentes tinham dificuldade em implementar a alteração devido aos receios de processos por crime ambiental, apurou a reportagem.
Um fator que complica a situação, segundo as fontes, é político. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), é um notório defensor do uso múltiplo das águas do reservatório de Furnas. Há relatos de que isso também está complicando as conversas e, consequentemente, atrasando a redução das vazões das usinas.
A minuta de MP que circula no mercado dá poder ao CARE para implementar essas flexibilizações nas condições operativas das usinas, e também define que haverá medidas de monitoramento, mitigação e compensação para os impactos ambientais e de uso múltiplo dos recursos hídricos.
Esses custos, se não forem cobertos pelos termos dos contratos de concessão, poderão ser arcados pelos agentes do setor elétrico por meio dos escargos de serviço do sistema (ESS).
Também serão custeados pelo ESS custos incorridos pelos concessionários e autorizados nos setores de energia elétrica, petróleo, gás e biocombustíveis para a implementação das medidas.
A CARE será composta pelo ministro de Minas e Energia, que vai presidir, e pelos ministros Chefe da Casa Civil, do Desenvolvimento Regional, do Meio Ambiente, da Infraestrutura. Também farão parte o advogado-geral da União, dirigentes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), do Ibama, Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e outros membros que sejam designados pelo presidente da República.
A crise hídrica
No fim de maio, o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu um alerta de emergência hídrica associado à falta de chuvas na região da bacia do rio Paraná para o período de junho a setembro. Antes, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) reconheceu a situação de escassez hídrica na região.
Uma semana depois, veio um novo alerta, desta vez do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Em nota técnica sobre as condições de suprimento do segundo semestre, o operador alertou para a possibilidade de colapso em oito reservatórios hidrelétricos: Furnas, Mascarenhas de Moraes, Marimbondo, Água Vermelha, Nova Ponte, Emborcação, Imtubiara e São Simão.
A notícia gerou clima de alerta no mercado, o que fez o operador se manifestar afirmando que esse cenário só vai se concretizar sem as medidas de flexibilidade na operação das usinas do rio Paraná.
O ONS solicitou que as defluências mínimas das hidrelétricas Jupiá e Porto Primavera em relação aos níveis já aprovados pelo Ibama, mas só com a portaria isso deve ser implementado. Nas palavras de um agente do setor, isso é fundamental para “fechar a torneira” desses reservatórios, já que a bacia do Paraná teve a pior afluência dos últimos 50 anos no período de outubro de 2020 a maio de 2021.
Embora a redução na vazão dessas hidrelétricas seja considerada fundamental para evitar o esvaziamento dos reservatórios, o processo não simples, devido à vazão mínima determinada pelos órgãos ambientais para atender os usos múltiplos do rio. Isso inclui evitar prejuízos ambientais, captações de água para abastecimento, projetos de irrigação, navegação e recreação.
Um dos problemas no caso de Jupiá e Porto Primavera, por exemplo, é que pode haver aprisionamento de peixes em poças, o que afetaria toda a comunidade que depende da pesca, além dos impactos ambientais.
Segundo fontes ouvidas pela MegaWhat, é grande o receio de implicação em crimes ambientais por conta da redução das vazões entre os responsáveis pelas discussões. Por isso, defendiam que o Ministério de Minas e Energia editasse um decreto ou portaria determinando a redução – o que aconteceu na sexta-feira.
Sem a redução dessas vazões, toda a cascata dos rios Paranaíba, Grande, Tietê e Paraná precisa gerar energia, já que as usinas de Jupiá e Porto Primavera não possuem reservatórios com capacidade de regularização das vazões.
O mais recente Energy Report da consultoria PSR explicou que a vazão obrigatória de Jupiá, em condições normais, é de cerca de 4.000 m³/s, sendo que aproximadamente um terço das vazões naturais históricas são menores que isto. “Isto nos permite concluir que Jupiá está permanentemente sob pressão para esvaziar”, diz o relatório.
Segundo a PSR, se a vazão mínima é maior do que a vazão afluente, os reservatórios irão esvaziar, mesmo com a existência de outros geradores que poderiam atender a demanda. Esse esvaziamento será usado para produzir energia, o que faz com que a existência de térmicas não ajude a resolver o problema hídrico.