Cortes em Minas Gerais

Depois do Nordeste, ONS precisa conter ‘explosão’ de cortes de geração em Minas Gerais

Renováveis e Transmissão
Foto: ThinkStock

A expansão da geração solar fotovoltaica no Norte de Minas Gerais fez com que a região se tornasse um novo ponto de atenção para a operação do Sistema Interligado Nacional (SIN) e para os empreendedores sob a ótica dos cortes de energia, conhecidos como curtailment.

Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a capacidade instalada solar na região saltou 3 GW em 12 meses: de 3.673 MW em janeiro para 6.670 MW em dezembro de 2024. Até abril deste ano, foram adicionados mais 336,8 MW. O crescimento veio acompanhado de novas restrições na transmissão, resultando em cortes de quase 50% em alguns empreendimentos da região.

Considerando dados entre 1º de janeiro e 13 de abril de 2025 para a região, “do montante que poderia ser produzido no Norte de Minas, 21,2% não foi gerado, ou seja, foi cortado do potencial da geração na região”, disse o ONS à MegaWhat. O percentual equivale a 427 MW médios no período.

“O local onde o corte de geração é mais necessário, é dinâmico, ele muda com o passar do tempo. Então, de fato, a gente tem ali na região do Norte de Minas também a entrada de geração solar nova. Tem um conjunto muito grande de geração solar entrando e, basicamente, uma restrição que era pouco representativa, passou a ser maior e precisou ser controlada especificamente com uma nova inequação”, explicou o diretor de Planejamento do ONS, Alexandre Zucarato.

Cortes solares por subestação de conexão

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Em recente relatório, feito a partir de dados do ONS, os analistas do Itaú BBA destacaram cortes representativos da geração solar em Minas Gerais. Desde dezembro, o curtailment da fonte no estado está acima de 20% e, em março, chegou aos 25%, à frente de estados no Nordeste que também tiveram forte expansão da geração solar, como Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte.

Considerando as subestações mais afetadas pelo curtailment no Brasil, duas estão no Norte de Minas Gerais. A subestação Janaúba, onde estão conectados os complexos solares da Elera Renováveis e da Atlas Renewable Energy, teve cortes de 41% e 48% da energia injetada, respectivamente, em fevereiro e março.

Outra subestação muito afetada na região, a de Jaíba, com conexão de usinas da Auren, registrou cortes de até 19% em dezembro, e percebeu uma elevação para 38% e 30% entre fevereiro e março deste ano.

“A potência instalada cresceu ali na região [das subestações] de Janaúba e Jaíba. É um cluster de solar muito grande, de usinas que entram em escala de gigawatt”, explicou Alexandre Zucarato.

Em fevereiro deste ano, o curtailment no Complexo Sol do Cerrado, da Vale, chegou a 50%; da Elera a 37%, e da Atlas a 25%. No mês seguinte, Atlas e Vale tiveram redução dos cortes, para a 27% e 30%, respectivamente, enquanto a Elera subiu para 40%.

Clusterização

Buscando reduzir cortes extremos em um único ponto e um consequente colapso em outro, desde setembro de 2024, o ONS mudou a metodologia de corte de geração de energia nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte.

Nesses estados, em que a chamada clusterização está sendo aplicada, as decisões de restrição de geração não se baseiam apenas no gerador com o maior fator de sensibilidade sobre o alívio do carregamento do ativo de transmissão (como linhas ou transformadores), que é o que impõe a limitação ao sistema.

Na nova abordagem, o ONS considera um conjunto de geradores agrupados ou clusters – daí o termo “clusterização” – que exercem impacto semelhante sobre o fluxo de potência que precisa ser controlado.

“Com isso, há um reforço da segurança operativa e, como efeito adicional, uma distribuição mais equilibrada das restrições entre os agentes com influência comparável sobre a condição crítica”, disse o Operador à reportagem. Os cortes continuam acontecendo, mas deixam de se concentrar em determinados ativos e são melhor “distribuídos” na rede.

E é dessa forma que o operador começou a trabalhar com as restrições em Minas Gerais, pelo menos, desde o final de março, como contam os empreendedores da região. Segundo o ONS, a operação foi adotada por conta do crescimento da geração, “que chegou primeiro que a transmissão”.

“Quando a gente foi implementar a nova inequação [no Norte de Minas], já tinha a experiência da clusterização do Nordeste, porque a gente sabe as consequências de que se, em tempo real, o corte fica muito localizado só no local, isso pode levar a um ponto de operação que não foi explorado no ambiente de planejamento. A clusterização permite a gente reduzir essa geração de forma mais distribuída na região elétrica que não entorta tanto o ponto de operação”, contou o diretor de Planejamento do ONS.

Os empreendedores mais afetados no Norte de MG

Os geradores da região levaram uma mensagem sobre esses cortes ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, durante o Fórum Brasileiro de Líderes em Energia, no Rio de Janeiro.

André Flores, CEO da Elera Renováveis, contou que os geradores estão tentando investigar o ‘fator de mudança’ para o curtailment ‘ter explodido’ na região. 

“A gente sofre infinitamente mais do que uma subestação que está perto, que também sofre bem, mas bem menos que a gente, e muito, muito mais que todas as outras. E isso sem uma justificativa técnica, porque a rede não mudou nada. Isso explodiu em fevereiro, em março piorou ainda mais. As duas perguntas que a gente tem: o que mudou, que levou a esse nível de corte a ser infinitamente mais alto? E por que concentrado ali?”, questionou Flores.

A incerteza sobre os cortes, além da questão de investimentos da companhia, também se dá pela falta de justificativa. O CEO da Elera lembra do percentual de curtailment do Ceará em 2024, em que a alegação do operador era de um atraso na linha de transmissão. Mas que isso não ocorreu em Minas Gerais.

“A nossa ansiedade, quando você pensa, ‘ah como é que vocês preveem o futuro’, a gente não tem ideia. Tem alguma coisa que pode mitigar o problema? Tem alguma obra, alguma adaptação? Isso está em andamento? Eu não sei. O que incomoda muito hoje é a falta de transparência sobre os critérios do que é feito e isso ocasiona também uma falta de previsibilidade: não sei ao que eu posso estar sujeito no futuro”, complementou Flores.

Na região, a Elera investiu R$ 5 bilhões na construção do Complexo Solar Janaúba, com capacidade instalada total de 1.617 MWp, O empreendimento contabiliza 2,9 milhões de módulos solares e uma área de mais de 3,8 mil hectares, comparável a 5,2 mil campos de futebol.

As usinas fotovoltaicas da Atlas Renewable Energy em Minas Gerais estão enfrentando um aumento de mais de 280% nos níveis de curtailment, na comparação entre o primeiro trimestre de 2024 e o mesmo período de 2025.

Ao longo de 2025, a Atlas identificou média de cortes superior a 25% em suas plantas na região, com pico de quase 50% em uma delas em março. “A nível diário, chegamos a experimentar cortes na casa de 90%”, contou a empresa à reportagem.

Atualmente, a companhia possui três complexos fotovoltaicos em operação em Minas Gerais num total de 1,7 GWp: Vista Alegre, com 902 MWp, Boa Sorte, 438 MWp, e Casablanca, com 359 MWp. Além disso, mais 1.3 GWp está em fase de construção.

^A indisponibilidade de escoamento da energia gerada impacta diretamente a previsibilidade e viabilidade dos projetos. Na Atlas, acreditamos que existem saídas possíveis para esse problema, como os sistemas de armazenamento de energia, como o BESS, que surgem como uma alternativa mitigadora a médio prazo, contribuindo para maior estabilidade da rede e ajudando a reduzir os efeitos do despacho fora da ordem de mérito. É uma solução que ainda exige avanços regulatórios e incentivos, mas que certamente fará parte do futuro próximo da matriz energética brasileira^, disse Fábio Bortoluzo, diretor-geral da Atlas Renewable Energy.

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