(Com Camila Maia)
O governo que assumir o país no próximo ano terá a missão de recuperar a governança do setor elétrico, cujo planejamento e expansão foram capturados por lobbies que geram custos e distorções no mercado, afirmou nesta terça-feira, 9 de agosto, Maurício Tolmasquim, professor titular do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética, estatal que ajudou a fundar, e especialista que contribui para o programa de energia da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à presidência.
Segundo Tolmasquim, lobbies como o que motivou a imposição da contratação de 8 GW em termelétricas a gás natural em localidades sem gasodutos, por meio de emendas na Medida Provisória (MP) da privatização da Eletrobras, são inaceitáveis e imorais. “Não se convence um investidor a investir, colocar seu capital, para depois passar na frente projetos totalmente irracionais por pressão de lobbies”, disse.
“Temos um grande problema de governança do setor elétrico. Hoje, não adianta você ter uma ótima entidade de planejamento, mas o planejamento ser feito fora do Executivo. [O planejamento] é feito pelos lobbies dentro do Congresso, que tem levado a distorções enormes e criações de reserva de mercado”, disse o especialista.
A missão de um eventual novo governo, que venha a ganhar a eleição, será recuperar “minimamente” os instrumentos de coordenação e racionalidade de estudos. “Hoje não sabemos de onde sai a política, quem formula e com base em que as leis estão sendo aprovadas. […]. Se não botarmos o setor nos eixos, teremos grande problema para atrair investidores para esse setor”, completou Tolmasquim.
O especialista participou do XIII Fórum Acende Brasil, que reuniu nomes ligados às principais campanhas à presidência e discutiu temas de ESG e transição energética, nesta terça-feira, em Brasília.
Presente ao evento, Karina Bugarin, ex-subsecretária de Produtividade, Competitividade e Desenvolvimento Sustentável na Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e que contribui para o programa da campanha de Simone Tebet (MDB) ao Planalto, defendeu a remuneração adequada dos atributos de cada fonte de energia.
“Temos a matriz [energética] mais limpa do mundo. […] Nossa maior fonte de emissões é o desmatamento. Vamos ter que tratar do desmatamento, que é responsável por 80% das emissões”, afirmou ela. Para a especialista em sustentabilidade, a obrigação de contratação de termelétricas inflexíveis não têm racionalidade econômica, e também não faz sentido do lado fiscal.
Nessa linha, Daniel Keller, especialista em regulação econômica, macroeconomia e estruturação financeira e assessor de infraestrutura do programa de Ciro Gomes (PDT), propõe uma transição energética no Brasil por meio do gás natural. Segundo ele, o programa do pedetista vai defender o desligamento de todas as termelétricas a carvão do país.
Ele disse ainda ser “parcialmente favorável” à fonte nuclear e defendeu a conclusão do processo de demarcação das terras indígenas do país. “O setor elétrico vai ter que entrar nessa discussão, seja em geração e transmissão”, completou Keller.
O especialista disse ainda que o programa de Ciro Gomes prevê a redução de 25% do custo da energia no Brasil. “Para isso, o gás natural será importante. O gás é o combustível da transição”.
Apesar de defender o gás, Keller também criticou as conhecidas “térmicas da Eletrobras”. “Não tem possibilidade de interpretar aquilo com racionalidade econômica, fica muito difícil. O impacto é que não vamos conseguir reduzir a conta de energia elétrica”, afirmou.
Tolmasquim lembrou que a EPE rodou recentemente um cenário com a expansão ótima para atender a demanda crescente por energia, a fim de obter o custo de operação dessa expansão. Considerando as termelétricas “jabutis”, o custo fica R$ 52 bilhões maior aos consumidores, de acordo com Tolmasquim, que disse não considerar nos valores o capex da construção das usinas e nem do gasodutos. “Se isso não é uma imoralidade, não sei o que mais pode ser uma imoralidade”, disse.
Para o ex-presidente da EPE, criar reservas para grupos de interesse, como o caso das termelétricas da Eletrobras e a obrigação de contratação de PCHs, incluída via emenda na mesma MP, é uma “antítese” do mercado.
Convidado para participar do fórum, o governo Jair Bolsonaro não enviou um porta-voz ligado à campanha de reeleição do presidente.
A MP 1.031, convertida na Lei 14.182 de 2021, foi uma das vitórias do governo de Jair Bolsonaro, ao resultar na privatização da Eletrobras, concluída em julho deste ano.