Governança

Setor aguarda formalização de acordo de Itaipu e critica adiamento de benefícios

O anúncio do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre um acordo com o governo do Paraguai a respeito do preço da energia da hidrelétrica de Itaipu Binacional e da renegociação do Anexo C levantou uma série de questionamentos entre especialistas do mercado de energia, uma vez que não há nada formalizado até o momento. Além disso, os benefícios reais aos consumidores só serão sentidos a partir de 2027, e até lá a conta de luz continuará custeando gastos da usina não relacionados ao setor de energia.

Setor aguarda formalização de acordo de Itaipu e critica adiamento de benefícios

O anúncio do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre um acordo com o governo do Paraguai a respeito do preço da energia da hidrelétrica de Itaipu Binacional e da renegociação do Anexo C levantou uma série de questionamentos entre especialistas do mercado de energia, uma vez que não há nada formalizado até o momento. Além disso, os benefícios reais aos consumidores só serão sentidos a partir de 2027, e até lá a conta de luz continuará custeando gastos da usina não relacionados ao setor de energia.

Caso as condições informadas pelo ministro se confirmarem, o Paraguai contará com recursos expressivos ainda pagos por consumidores brasileiros da energia de Itaipu até 2026, mesmo que a dívida contraída para construção da usina tenha sido quitada em fevereiro de 2023. Apenas depois haverá alívio na conta de luz dos 130 milhões de brasileiros das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste que pagam a energia da usina.

Um ‘meio termo’ ainda não oficial

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Silveira afirmou ontem, em conversa com jornalistas, que iria se reunir com autoridades do Paraguai na manhã desta terça-feira, 7 de maio, para apresentar uma proposta que ficaria “no meio do caminho” entre o pleiteado pelo país vizinho e o desejado pelo Brasil. No início da tarde, as condições do acordo começaram a ser divulgadas por fontes ligadas ao lado brasileiro da usina, mas um anúncio formal não foi feito até o momento da publicação desta reportagem.

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À imprensa paraguaia, o ministro de Relações Exteriores do Paraguai, Rubén Ramírez, disse que a reunião com a delegação brasileira resultou em “progresso substancial”, mas explicou que o acordo formal ainda depende da aprovação pela diretoria e pelo conselho de Itaipu, e disse que o novo preço da energia da usina seria anunciado quando isso acontecesse.

Ao retornar a Brasília, Silveira conversou novamente com jornalistas, quando confirmou o acordo que vai manter o preço em US$ 16,71/kW para o lado brasileiro entre 2024 e 2026.

Segundo Silveira, o valor oficial da energia de Itaipu foi acordado em US$ 19,28/kW, um meio termo entre o pleiteado pelo Paraguai inicialmente, de US$ 22/kW, e o defendido pelo Brasil. Ainda assim, o consumidor brasileiro vai continuar pagando o mesmo valor, pois a própria Itaipu vai destinar parte dos seus gastos socioambientais, de cerca de US$ 300 milhões por ano, para manter inalterado o preço pago pelos consumidores brasileiros entre 2024 e 2026.

“Nós demos hoje um passo fundamental para a soberania dos dois países, para que cada um possa decidir, a partir da assinatura do Anexo C, a destinação da sua energia”, disse Silveira. Segundo o ministro, o acordo firmado hoje prevê que até o fim de 2024 seja assinado um novo Anexo C, parte do Tratado de Itaipu sobre a comercialização da energia da usina, e o Brasil deixará de ser obrigado a comprar a fatia não consumida pelo Paraguai, e que hoje vai toda para a tarifa dos consumidores cativos dos submercados Sudeste/Centro-Oeste e Sul.

Será apenas a partir de 2027, se confirmado o acordo, que o consumidor brasileiro verá uma redução na sua conta, pois, segundo o ministro, a energia da usina passará a custar cerca de US$ 10 a US$ 12 por kW/mês.

Decepção com manutenção do preço

Apesar de celebrada pelo governo como uma vitória, a manutenção do custo pago pelo consumidor brasileiro nos próximos três anos foi criticada pelo Instituto Acende Brasil, que publicou nota defendendo que o preço da energia da usina fosse no máximo de US$ 12 por kW/mês, considerando que a dívida contraída para construir a usina, que representava historicamente cerca de 70% do preço da energia, foi quitada no início do ano passado.

>> ‘Meio termo’ de tarifa de Itaipu desconsidera o que foi pago nos últimos anos, diz Acende

O pagamento da dívida gradualmente foi dando lugar aos chamados gastos socioambientais da usina, que superaram US$ 900 milhões em 2023, e são destinados à projetos não relacionados ao setor de energia, que vão de obras de infraestrutura no Paraná e no Paraguai ao aporte de R$ 1,3 bilhão anunciado ontem pelo governo para preparar Belém, no Pará, para receber a COP 30 em 2025.

Segundo o Acende Brasil, a amortização e os juros da dívida da construção da usina representavam 63% da tarifa em 2021. Com a quitação integral da dívida em 2023, o Acende estima que a tarifa deveria ter caído proporcionalmente para US$ 11,61/kW, o que não ocorreu devido ao aumento da despesa de exploração, que subiu 93% nos últimos dois anos.

A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, por sua vez, disse que a negociação contrariou as expectativas da população brasileira, que esperava uma redução do preço da energia, o que era natural já que a dívida foi totalmente paga. “Postergar a redução devida da tarifa para 2027 não é algo que se possa considerar uma conquista para o Brasil. Ainda assim, o aumento é apresentado como um resultado positivo”, disse a entidade, em nota.

Gastos socioambientais em alta

Como ano passado ainda havia um saldo de cerca de US$ 250 milhões da dívida a ser paga, a manutenção do preço da energia em 2024 eleva a possibilidade dos gastos socioambientais da usina.

Somando este valor aos cerca de US$ 900 milhões destinados aos gastos socioambientais em 2023, a usina teria um excedente de US$ 1,150 bilhão a ser repartido entre o dois países em 2024, mesmo sem a elevação do preço. Como o Paraguai vai ter uma tarifa mais alta, sua fatia será ainda maior, mesmo sem um aumento real da conta de luz do consumidor brasileiro.

Promessas X benefícios

Segundo Ângela Gomes, especialista da PSR, uma redução do preço de Itaipu para US$ 10/kW faria com que os R$ 205/MWh cobrados atualmente dos consumidores brasileiros caíssem para R$ 120/MWh, um benefício expressivo. Os números não consideram a tarifa de transmissão nem outros custos associados, apenas a energia.

“O problema é o risco de isso ser uma promessa para o futuro, mas se for confirmado que o acordo foi aprovado, previsto em lei, será positivo em 2027. Precisamos entender até que ponto essa promessa irá adiante e se virá por meio de uma formalização robusta”, disse Gomes.

A interpretação de Luiz Fernando Vianna, vice-presidente Institucional e Regulatório da Delta Energia e diretor-geral do lado brasileiro de Itaipu entre 2017 e 2018, segue a mesma linha. “Entendi que foi uma negociação boa porque resolve a questão diplomática, já que o aumento não será percebido do lado brasileiro. A grande vantagem é resolver definitivamente a questão a partir de 2027”, disse Vianna.

Para a Frente Nacional dos Consumidores de Energia, o acordo de fato garante que não haverá aumento durante 36 meses, o que foi bem-visto assim como o fim da obrigatoriedade de compra do excedente paraguaio. Apesar disso, o governo não entrega a redução a um valor justo nem resolve as ineficiências operacionais da hidrelétrica, que ajudariam a tornar Itaipu mais competitiva.

Subcontratação vai acabar

Outro benefício que o consumidor verá a partir de 2027 é o fim do cenário de subcontratação do Paraguai, afirmou o ministro Alexandre Silveira. Nos últimos anos, o Paraguai declara a necessidade de uso de uma parcela menor da energia da usina do que a efetivamente consumida, mas paga um valor inferior ao acordado, referente apenas aos royalties, correspondentes ao valor da água. Atualmente, esse custo é de US$ 3,34/kW, e a diferença é paga pelo consumidor brasileiro.

“Isso acaba definitivamente após 2026, ou seja, não haverá mais subcontratação. O Paraguai precisará fornecer ao Brasil exatamente aquilo que vai consumidor durante o ano, e se houver excedente, o Paraguai pagará o preço do mercado”, disse Silveira.

A energia que o Paraguai não consumidor e for correspondente à sua metade dos 14 mil MW da usina poderá ser vendida no Brasil, mas não será mais por meio das cotas alocadas no portfólio das distribuidoras. Essas cotas não assumem o GSF, por exemplo, que hoje é pago pelo consumidor cativo brasileiro.

Nesse cenário, o Paraguai poderá vender a energia no Brasil no mercado livre ou no regulado por meio de leilões. O preço vai depender da demanda das distribuidoras ou das condições do mercado, e o GSF será um risco assumido pelo gerador, outro benefício ao consumidor brasileiro.

O prazo de transição até que o Anexo C seja revisitado é necessário, segundo Silveira, para que o governo do Paraguai possa se organizar. “O presidente [Santiago] Peña disse que a questão tarifária é importante pra ele, e que como presidente empossado há pouco tempo, precisa acreditar no seu país, que vai industrializar seu país e que essa energia vai ficar no Paraguai”, disse Silveira.

(Atualizado em 08/05/2024, às 10h20)